segunda-feira, janeiro 08, 2007

Alfa Pendular. Classe Desconforto



Não sei ao certo quando deixei de dar importância à minha festa de anos. Talvez nunca tenha dado, a não ser aquelas festas surpresas em que os amigos tomam as rédeas do acontecimento e nos obrigam a festejar, deixando clara a sua vontade de me ver feliz e reconhecida.
Quando penso em organizar eu própria a minha festa de anos, interessa-me sobretudo em ter comigo aqueles que são queridos e constituem os horizontes seguros daquilo que eu sou. Quero sobretudo saber quem sou, consolidar a minha própria história. Nesse caso, quero-os num ambiente íntimo, quero ser eu a oferecer-lhes a comida e o ambiente. Gosto de intimidade. Talvez por insegurança. Ou por velhice. Mas então, devo ter sido sempre velha.
Quando penso convidar os meus amigos para irem à minha festa de anos num restaurante onde cada qual tem de pagar o seu jantar, estou a exigir a alguns um esforço desnecessário, como se tivessem de pagar para estar comigo no meu aniversário. Estou imediatamente a promover o meu aniversário, a comemoração da minha mais íntima experiência, o meu nascimento e a minha existência, a um acontecimento social, como se fosse uma figura pública e por isso mesmo despojada do poder de ser eu própria e impedida de ser amada por aquilo que realmente sou.
Deve ser por isso que gosto muito mais de festas de aniversário para crianças.
Tu, porém, és uma criança. E, de imediato, tens essa esfarrapada desculpa. Participo na tua festa para alimentar a esperança de que vais crescer. E vejo-te tão grande e tão desassossegado como se ainda fosses um adolescente, perseguindo tudo quanto é ilusão banal e vulgar piscar de olhos. Sinto-me só na tua festa, porque acho tudo tão gratuito e sem importância.
Um ritual desprovido de sentimento profundo, torna-se um mero folclore. E a “rainha de trapos” arrasta-se de copo em copo, de segmento de conversa em segmento de gesto, da mundaneidade previsível à superficialidade do olhar, para, depois, tal cereja em cima do bolo, acabar tudo numa grande bebedeira sem poesia nenhuma. Uma noite sem alegria, sem amor e sem sexo. Garantida, apenas a ressaca do dia seguinte. E lá se vão dois dias deitados pelo esgoto abaixo, duma só vez.
É assim mesmo. Festeja-se a vida, gastando-a o mais rápido possível. Nem um momento para pensar. Isso é enfadonho. E quanto ao prazo de validade, podemos dar-lhe sempre um empurrãozinho retórico. Parabéns a você nesta data querida...
Depois mordemos a língua, porque esta festa não tem bolo e muito menos velas onde possamos mordiscar um desejo. Mordemos a língua, porque nos soube a pouco e não somos capazes de o reconhecer ,ou, simplesmente, porque entretanto aprendemos que nem todas as verdades têm de ser ditas: é pena que gostes mais de copos do que de foder.
Parabéns.

Cristalinda

3 comentários:

Achadiça disse...

Ai!!!

PortugaSuave disse...

Cristalinda
Já sabemos que a pena na sua mão consegue efeitos literários fantásticos. Desta vez endureceu a narrativa, quem sabe se inspirada pelas suas próprias circunstâncias. Quero acreditar que outros aniversários virão... menos desconfortáveis.
Cumprimentos

Achadiça disse...

Amigo portugasuave,
Obrigada pelas palavras simpáticas, mas não leve a cumplicidade demasiado longe insinuando cunhos autobiográficos nas minhas histórias.
Imagine, se o meu pobre galo tivesse esse tipo de desconfianças, nunca mais me ajudava quando me baralho ou esqueço da senha desta coisa dos blogs. Ele é um querido, não merece insinuações dessas.