terça-feira, outubro 31, 2006

Para desanuviar

Há muitas pessoas que escrevem o número sete com uma barra horizontal suplementar a meio do número, sem saber a razão dessa acção.


Querem saber porque esta prática sobreviveu até aos dias de hoje?
Há que andar muitos séculos atrás, até aos tempos bíblicos:
Estava Moisés no Monte Sinai quando Deus lhe deu os 10 mandamentos e ele os leu à multidão, um a um...




E assim sucessivamente. Quando chegou ao sete, Moisés anunciou...





E então, todas as vozes começaram a gritar:




E foi assim. Boas bicadas... na respectiva.

segunda-feira, outubro 30, 2006

A culpa é dela, só quer é vadiar...

“Se pusermos carne descoberta na rua, ou no jardim, ou no pátio das traseiras, e vierem os gatos e a comerem, de quem é a culpa? Dos gatos ou da carne descoberta?”, afirmou o xeque Taj Din al-Hilali durante um sermão recente.
Hilali referia-se ao caso de vários muçulmanos presos e condenados a pesadas penas de prisão por violação em grupo de várias mulheres e sugeriu mesmo que a culpa foi da maneira imprópria como as vítimas se vestiam. “O problema é a carne descoberta. Se a mulher estivesse na sua casa, no seu quarto, com o ‘hijab’ (véu islâmico) vestido, nada disto teria acontecido”, afirmou, criticando ainda as mulheres que se “abanam sugestivamente” e que usam maquilhagem, as quais considerou serem “instrumentos do Diabo para controlar os homens”.
In Correio da Manhã


Não me parece que os muçulmanos em geral se desmarquem intimamente da opinião do xeque não sei das quantas, mesmo que publicamente não a subscrevam. Esta gente reserva ainda, na sua tradição mais ortodoxa, um lugar de escravidão à mulher, remetendo-a para uma lugar menor no contexto dos direitos de cidadania e obrigando-a, através de “tribunais religiosos coercivos”(?) e práticas de censura comunitária, a um papel social de inqualificável subjugação.
A infeliz analogia do referido xeque aponta para a ideia de que a mulher, por ser um simples bocado de carne, é destituída daquela dignidade que distingue o ser humano de todos os outros seres, isto é, a racionalidade, a consciência e o poder de decidir sobre os seus actos. Esta comparação destrói-se a si própria, uma vez que um ser destituído de vontade própria não pode ser responsabilizado ou culpado pelos seus actos. Como pode então afirmar que a culpa é das mulheres se ao mesmo tempo não se lhes reconhece capacidade para escolher? Pode um bocado de carne ser culpado de alguma coisa?
Enraizada no mais obscuro machismo e a coberto de temores inspirados na própria fraqueza humana, sua natureza e crenças, a linha de pensamento do fanatismo islâmico, tende a radicalizar comportamentos e a inverter apreciações, perante tudo o que não se ajuste à sua linha de raciocínio e conhecimento medievais. Se exceptuarmos a cultura clássica greco-romana, nunca as religiões e a nudez do corpo humano se deram bem. Também o Ocidente medieval já a tapou quase completamente para preservar homens e santos das afrontas apetecíveis da carne, como se não fosse esse determinismo da natureza, a apetência pelo corpo do outro, a origem da humanidade.
Pode acasalar-se às escuras ou à média luz, por vergonha, inibição ou, no caso das mulheres, porque não havia vaga na depilação, mas, não tivessem homens e mulheres a noção e memória do corpo, a ver se a luz não se acenderia. Porquê esta necessidade do homem, sim, homem com letra pequena, de negar aos olhos o que mente e corpo desejam, só porque se lhes pede para admirar com contenção, desejar com moderação e obter com autorização. Será assim tão difícil?! Parece que sim, a avaliar pela quantidade de mulheres violadas por este mundo fora.
Assim sendo, na mesma linha do xeque nsdq, recomendo-lhe que, naqueles casos, e segundo o seu raciocínio, em vez de tapar a carne, cegue os gatos.

Bons repenicos

domingo, outubro 29, 2006

O meu homem da pizza

Ontem enviou-me uma mensagem muito pouco profissional. Hoje atirou-se de cabeça. Logo no elevador, onde não raras vezes me ocorre que deve ser um sítio excelente para amar. Creio que é no filme “Atracção Fatal“, que a Glenn Close e o Michael Douglas têm uma cena escaldante no elevador. Embora no filme aquela paixão acabasse muito mal, não me apoquentaram receios nem eu me revi no papel trágico de uma Glenn Close desmesurada.
Soube-me bem ser atirada contra a parede fria de alumínio e invadida por aquele cheiro a perfume masculino. Foi um beijo rasgado, quase roubado pela surpresa do gesto. Teve a delicadeza de não me tocar com as mãos. Só a boca dele rasgando a minha e a pressão do corpo dele sobre o meu. Entrevi-me no espelho, braços descaídos, na mão direita a pasta, o braço esquerdo sabia-o ocupado pelo saco. Não me lembro onde ele tinha as mãos, sei que não me tocou com elas. Eu também não. Ficámos suspensos pela boca, a trocar paladares de café matinal e hálitos a menta dentífrica.
Plim, 5º andar. «Vemo-nos ao almoço…», não percebi se perguntou se afirmou, nem a porta do elevador deu tempo para mais qualquer esclarecimento. Fiquei sozinha, descomposta por dentro, a saborear.
Plim, 7º andar. Saí.
Devolvida à realidade do escritório comecei a congeminar desgraças. Logo agora que já tinha conseguido a tranquilidade emocional que o divórcio me privou. Tão bem que estava, eu a gata e os meus livros, a minha música, os meus filmes, sem nenhum homem no horizonte, livre de mágoas e desamores. Um beijo, um simples beijo veio agitar e criar tumulto nesta minha cabeça, que em vez de estar concentrada no que diz o meu interlocutor, paira e gira e roda com o vento, como liceal iniciada em baile de finalistas.
Passei uma manhã em desassossego, desejando e temendo a hora de almoço. Se ele não telefona é porque vai aqui aparecer. Ele é que disse «vemo-nos ao almoço». Será que perguntou e espera que eu lhe ligue a confirmar. Se quer almoçar comigo é ele que deve telefonar. Eu sou uma rapariga prática, mas nestas coisas de jogos amorosos sou uma nulidade. Não, não lhe posso telefonar. E se ele não telefonar, provavelmente está à espera que eu diga qualquer coisa, pois o elevador não deu tempo para eu responder, mas, se está interessado, podia ligar para combinar. Já sei, vou ligar a dizer que tenho uma reunião perto do meio dia e que não sei se consigo ir almoçar, qual almoçar qual quê, ele não me convidou para almoçar, vermo-nos ao almoço pode ser vermo-nos no bar, onde costumamos tomar café, vou é dizer-lhe que, que… que se lixe, não vou dizer nada.
A cada retinir do telefone nova esperança e eu a sentir-me cada vez mais ridícula, lembrando-me daquela brincadeira da Achadiça a propósito de uma reunião. Nunca mais é meio-dia. Uma manhã inteira e eu não consegui alinhar duas palavras no raio do memorando. Lá vou ter que levar TPC, logo hoje que dá o Empire Falls. E se for almoçar com ele, provavelmente venho tarde e “sabe deus como” e então é que não vou fazer nada...
- Está aqui um moço da “Pizza na Brasa” com uma pizza p’ra doutora.
Uma pizza para mim! E com um bilhetinho... «Espero-a no jardim. Pode trazer a encomenda por favor, enquanto está quentinha?».
Cabrão. Ai que lá vou eu outra vez.

PS: Detesto pizza.

terça-feira, outubro 17, 2006

IVG

A IVG (Interrupção Voluntária da Gravidez) não é assunto pacífico aqui na capoeira, tanto que fiquei de submeter este texto à aprovação das outras galinhas residentes. Aliás, para ser mais correcta, quando disse que ia escrever sobre este assunto, conhecedoras da minha posição sobre o tema, disseram-me logo “nem penses”. Não porque elas não entendam a minha opinião face ao assunto, mas, essencialmente, porque acordámos que este berloque enveredaria por assuntos ligeiros e de fácil degustação. Como se sabe, não é o caso da IVG. Porém, eu ainda sou a presidente e o assunto legítimo. Abri uma excepção.
É inadmissível um estado que se diz assente no princípio da igualdade de direitos permitir, através da actual legislação, que um acto que resultou do envolvimento efectivo entre um homem e uma mulher só a esta peça contas, expondo-a e humilhando-a, como se todo o processo clandestino a que se sujeitou nalgum vão de escada não fosse por si só suficiente para devastar a sua dignidade. Aliás, sendo os homens responsáveis pela maioria das gravidezes não desejadas, como é possível a sociedade esquecer-se deles e penalizar as mulheres?
A prática de aborto até pode ser discutível do ponto de vista filosófico, mas a experiência diz-nos que recurso a essa prática não pode ser criminalizado. Por mais que custe aos "puristas" e às "puristas" da vida, é à mulher, como ser individual, que compete, com a alegria ou a tristeza que isso implica, decidir do seu corpo e da sua vontade. Compete ao estado, isso sim, garantir os meios para que ela possa planear a sua fertilidade, através da implementação de uma política de formação e prevenção sexuais e, em último caso, assegurar que possa usufruir de condições dignas e cuidados médicos assistidos quando estiver perante uma gravidez não desejada. Condená-la é que nunca.
Aproxima-se o referendo que vai convidar os portugueses e as portuguesas a pronunciarem-se sobre a descriminalização do aborto. Como disse a eurodeputada Britta Thomsen, vamos todos fazer um esforço para mudar esta situação digna da Idade Média que existe em Portugal nesta área.

segunda-feira, outubro 16, 2006

A chave da minha indignação

Desapareceu-me a chave do carro. Do “grilo”, lembram-se? Daquele que trazia um grilo lá dentro quando o comprei. Não, não era um barulho tipo grilo, era mesmo um animalzinho macho a apelar ao acasalamento na cantoria. Este carro é dado a animais. Admito que por lá já passaram alguns, daqueles de duas patas, mas eu estou a referir-me aos outros, de quatro ou mais, como foi o caso do Black, o cão do Sr. Tadeu, o meu mecânico, história que já vos contei há tempos. Mas desta vez o problema não é de fauna. Fiquei somente com um exemplar da chave do carro, situação desaconselhável para quem, estouvada como eu, tudo perde.
Lá fui falar com o Sr. Tadeu que, perante as características da chave, me indicou e aconselhou uma casa da especialidade. Seria melhor ir a esta casa pois se fosse a um representante da marca sair-me-ia mais dispendioso. Lá fui.
Indolente, o funcionário da dita casa preguiçou o afinamento da chave, limando e polindo arestas ao ritmo da minha impaciência, não sem antes me cobrar 50 euros – se não fosse o chip que tem lá dentro - elucidou ele. Paguei resignada. De nada adiantou. Encaixava na ranhura mas recusava-se a dar ordem de ignição ao motor. Depois de muitos ajustes e experimentações o empregado admitiu a sua impotência perante a intransigência da chave. Uma vez que eu estava com pressa que voltasse com mais tempo pois o caso requeria pachorra no acerto do entalhe.
Lá voltei ao outro dia com a paciência requerida. Depois de repetidas tentativas concluiu displicentemente que o problema exigia tecnologia sofisticada para descodificar o código. Voltou com um aparelhómetro parecido com aquele que nos é facultado para pagamento por Multibanco e lá conseguiu vitorioso obter o código que permitiria, segundo ele, clonar a malvada - mas só amanhã - concluiu, para meu desespero.
Apresentei-me no dia seguinte. O funcionário já não era o mesmo. Que sim, que efectivamente tinha o código electrónico que permitia produzir a chave com moderna técnica de lazer, mas isso só era possível na outra casa, do outro lado da cidade. Se lá fosse agora ainda chegaria a tempo, pois só fechavam às sete.
Perdi a compostura. Levantei a voz e a indignação: Mas que falta de consideração e de profissionalismo eram estes. Ando para aqui a caminhar há três dias e ainda sou eu que tenho de despender tempo e gasolina para conseguir um serviço que é da vossa responsabilidade, mais um pouco ainda me punham a burilar a chave! Para além disso, ontem o seu colega disse-me que a chave estava pronta aqui, nesta casa, não em outra. Respondeu-me entediado que se eu quisesse me devolvia o dinheiro. Passei-me. Devolve-me o dinheiro! Devolve-me o dinheiro! É assim que os senhores trabalham? É esta a consideração que os senhores têm para com os clientes, dos quais depende o vosso posto de trabalho. Quem é o dono disto? O dono está na outra casa, informou contrariado. Dê-me a morada se faz favor.
Lá fui a maldizer esta cambada de incompetentes e a formular uma quantidade de observações com as quais brindaria este empresário da treta mais a sua gestão e os seus funcionários.
Talvez alertado pelo empregado para a minha má disposição, o patrão desmanchou-se em desculpas e salamaleques. A chave ficou pronta em cinco minutos, mas não evitou a ira que me tinha invadido. Depois de lhe dar uma descompostura sobre a forma como fui tratada sugeri-lhe: Perdi quatro horas nestas andanças, fiz cerca de 80 quilómetros... tudo somado deve dar mais de 50 euros. Penso que se o senhor me devolver o dinheiro que já entreguei, então sim, ficamos pagos. A senhora está a brincar comigo. Se não está contente com o serviço eu devolvo-lhe o dinheiro mas a chave fica aqui.
Eu sei que sou teimosa e orgulhosa mas tinha que ser muito burra para não me conformar com a situação. Peguei na chave e vim-me embora, não sem antes me permitir deixar no ar aquela ameaça de quem se dá por vencido mas ainda estrebucha: Em breve terá notícias minhas!
Fiquei mesmo irritada com aqueles gajos. Quem as vai ouvir é o Sr. Tadeu, coitado, que não tem culpa nenhuma.

Boas minhocas e livrem-se de entrar nesta casa

quarta-feira, outubro 11, 2006

Crónicas da Galinha Riça - A Ceia Medieval

Que tinha de ser. Desse por onde desse, galos e galinhas deveriam marcar presença na Ceia Medieval e contribuir generosamente para o Coral, não com sacrifícios de canja, cabidela ou fricassé, até porque estes galináceos, por ousadia ou emancipação, estão mais vocacionadas para se servirem do que para serem servidos e já não se prestam a imolações gastronómicas ou a nutrições convencionais. Claro que não abdicariam dos pitéus de sequeiro e da apetecível hortícola constantes da ementa, porém o que efectivamente os aliciava era assistir ao concerto do Coral que, legitimado como digno representante da tradição cultural do nosso Galinheiro, organizou a ceia com o intuito de angariar fundos para levar o nosso canto além mar, à ilha do Faial, num gesto inédito de intercambio musical.
Desconheciam os ilustres participantes que o MRQ (Movimento de Restauração do Quintal), ciente que a luta requer apoios e estes só se alcançam tacitamente, tinha reunido clandestinamente com a direcção do Coral expondo argumentos e vantagens que iam muito para além do motivo invocado nos propósitos da visita.
O presidente do MRQ elucidou: Também o povo do Faial tem um passado histórico de resistência e segregação; Também os sucessivos governantes e políticos em geral não correspondem às expectativas do povo e o desenvolvimento tão apregoado no continente jamais ali ancorou; Para além disso a indústria baleeira extinguiu-se no século XX, à semelhança do acontecido em Canas com minérios, cianamidas e carbonetos, restando aos faialenses, como único meio de subsistência, os postais com a vista da Ilha do Pico, sapo que têm que engolir cada vez que por lá passa um turista. Há lá maior afronta que um turista apontar a máquina fotográfica de costas voltadas para a nossa terra. Já viram o que era Canas estar cheia de postais de Asnelas e os turistas a dizer que a coisa mais bonita que o nosso quintal tem é a vista para o quintal do vizinho. Pois são com algumas destes aspectos que nós nos comparamos e solidarizamos com o Faial e dos quais sentimos obrigação de repudiar publicamente através do apoio possível, que no nosso/vosso caso se prende com a formação de uma delegação especial, constituída por galos e galinhas com o registo de canto mais enérgico e o cacarejar mais estridente, incumbidos de prestar o apoio técnico necessário ao Grupo Coral da Horta para que, como nós, se façam ouvir alto e distintamente no continente. Se considerarmos que aquele território já foi palco de oportunos exílios e local de difícil assédio, configura-se-nos astuciosa esta aliança, no pressuposto do MRQ vir a ser vítima de perseguição ou mesmo de ostracismo, aspecto que no actual cenário político não é de negligenciar.
Estamos conscientes da responsabilidade que vos é atribuída e de quão difícil é a tarefa solicitada, uma vez que, embora a água seja boa condutora do som, a distância é muita e o financiamento da empresa elevado, porém, avaliadas as vantagens que tal projecto representa na conquista deste aliado estratégico, solicitamos o vosso empenho na organização e capitalização da Ceia Medieval. Para o efeito o MRQ disponibilizará as infra estruturas necessárias à realização do banquete e contribuirá com fundos próprios para a deslocação do Coral à Ilha do Faial.
Não constituiu surpresa esta “intromissão” do MRQ nas actividades do Coral, até porque, como já tive oportunidade de relatar, a sua criação foi envolta em segundas intenções, de forma a servir interesses do Movimento em particular e do Galinheiro em geral. Aquiesceu a Direcção do Coral perante a missão sugerida e logo ali se traçaram planos e delinearam prudências, pois o assunto era delicado e recomendava discrição.
Não vislumbraram os convivas da Ceia Medieval as intenções subliminares que presidiam àquela mesa mas, se porventura, um dia, o destino do Faial rumar a outro porto, que é como quem diz, alcançar as revindicações que por hora ainda silencia, isso se deverá provavelmente àquele convívio medieval no pretérito dia 30 de Setembro por terras de Senhorym. Destas subtilezas é muitas vezes a História omissa.
Bons repenicos