quarta-feira, maio 31, 2006

Crónicas da Galinha Riça - O Pavão

As suas penas já não brilhavam como era hábito e o característico leque da sua extravagante cauda abria-se assimétrico, denotando a ausência de vitalidade que, outrora, o tinha catapultado para a ribalta do poder. A patente decrepitude insinuava o inevitável canto do cisne, essa outra ave, bela, mas agoirenta no prenúncio metafórico. Como tinha chegado a este ponto ele bem o sabia. Erros seus, má fortuna, amor ardente.
A Zézinha por várias vezes lhe tinha dito que aquela paixão bucólica não se enquadrava no perfil de um presidente nem no exercício do poder que a constituição lhe conferia. Mais tarde ou mais cedo aquele envolvimento amoroso revelar-se-ia desastroso.
Mas naquele tempo as reservas dos seus conselheiros e o desagrado da Zézinha eram sistematicamente ignorados. Quando um assessor aflorava a porta do gabinete presidencial já a pergunta ecoava no ar:
- Então quando é que O Galinheiro vem a Lisboa?
Os assessores, alertados pelas recomendações do Chefe de Gabinete tentavam prevenir Sua Excelência o Pavão para o inconveniente daquelas manifestações, mas debalde. O presidente defendia com veemência o direito daquela capoeira reivindicar junto do poder executivo a restauração do Quintal.
A primeira-dama nunca se convenceu daquela boa vontade política, pois bem conhecia os tremores de excitação que acometiam o marido naqueles dias em que O Galinheiro se alvoroçava em excursões à capital. Era com alguma apreensão que o via escolher o melhor fato, alisar convenientemente as penas, colocar os óculos escuros, chamar o condutor, prescindir do corpo de segurança e, incógnito, rumar ao encontro da populaça. Ainda apelava à sensatez do marido dirigindo-lhe advertências e aconselhando-lhe ponderação, mas o presidente na sua exaltação amorosa ignorava-a displicente.
Aproximava-se discretamente daquele amontoado tumultuoso e fixava o olhar, estarrecido, naquelas belas trigueiras de entre serras empunhando fálicos estandartes. O clima daquelas terras altas tisnava-as de um moreno sedoso e desconcertante; as suas bocas deixavam entrever soberbos dentes e hálitos apetitosos; os peitos, roliços e fogosos, arfavam volumes apetecíveis ao ritmo de palavras de ordem e cantorias despropositadas mas não menos excitantes; as ancas, largas e fecundas, deixavam adivinhar abismos de perdição; os rabos, graníticos, enchiam-lhe a imaginação e o ambiente inebriava-o com doces aromas beirões e românticas fragrâncias campestres. Influenciado esteticamente por vivências britânicas, configuradas em paixonetas por frangas esquálidas e loiras deslavadas, estas outras, nutridas por suavidades atlânticas e frios hermínios, despertavam-lhe, agora, ruralidades adormecidas, reminiscências esquecidas de um povo reencontrado. Tentações indisfarçáveis, a avaliar pelo exuberante leque da sua cauda em amplo ritual de acasalamento.
Enciumada com o desconcerto amoroso do marido e atemorizada pela possibilidade de tal comportamento transbordar para a praça pública, Zézinha interiorizou que a única forma de serenar o Pavão era acabar com aqueles encontros. Longe da vista longe do coração – pensava ela. Ora a única forma de travar as visitas inoportunas do Galinheiro seria devolver-lhe o Quintal. Em última estância competia ao marido aprovar tal requisito e, uma vez que ele nutria tanta admiração por aquelas pindéricas com certeza lhes faria o proveito. Conspirou influências junto dos partidos políticos alegando razões de estado e outras vantagens políticas e facilmente obteve o apoio destes. Depois do diploma ter sido aprovado em assembleia só faltava o despacho favorável e conciliador do marido.
O presidente acordou indisposto naquele dia. Sabia que todos os procedimentos legais estavam assegurados e que só lhe restava esgadanhar a assinatura para que O Galinheiro recuperasse O Quintal. Também sabia que isso lhe subtrairia o deleite daquelas ansiadas visitas e o prazer arrebatado daqueles momentos amorosos. Confrontado com este dilema contrariou todas as regras de bom senso. Num rasgo caprichoso de amante obsessivo, negou provimento às pretensões do Galinheiro e recusou esgadanhar o documento. Estava assim assegurada a continuidade das manifestações na capital.
Embora a sua decisão tenha sido vista com alguma perplexidade, foi acatada tranquilamente pelos agentes políticos da república. Afinal presidente é presidente - lá terá as suas razões. Um novo fulgor lhe assomou ao espírito devolvendo-lhe cores e exuberâncias julgadas perdidas. Porém, por razões incompreensíveis ao seu espírito, passaram-se meses e O Galinheiro não retomou as suas digressões, quedando-se lá por terras de Viriato em escaramuças com a polícia de choque e outras confrontações. Instado a pronunciar-se sobre estes acontecimentos o presidente não resistiu à transparência dos seus sentimentos e admitiu pesaroso:
- Isto não é um caso político. Isto é um caso de amor!
De imediato foi convocado o gabinete de emergência, reuniram-se assessores e conselheiros. Por razões de segurança nacional, confiscaram-se câmaras e gravadores, manietaram-se jornalistas e testemunhas e contrataram-se técnicos para adulterar as gravações. Como colmatar esta gaffe inconveniente e comprometedora? Logo o assessor de imprensa, astuto nestas andanças, arranjou prestimosa solução. O que Sua Excelência o Presidente da República afirmou foi que este caso não era um caso de política mas sim um caso de polícia.
Resolvido o “mal entendido” e inviabilizada qualquer fuga de informação, novas preocupações surgiram aos homens do presidente. O Pavão, agora em fim de mandato e angustiado pela saudade, insistia teimosamente em visitar aquelas terras na esperança de rever as suas amadas. Nada o demovia da ideia. Incapazes de o contrariar forjaram-se planos e traçados alternativos, polémicos e especulativos à época, mas eficazes na intenção. O presidente passeou-se por estas bandas mas o desejado reencontro foi evitado. Um mal menor devidamente justificado pelo chefe da Casa Civil da Presidência da República.
O Pavão nunca mais foi o mesmo. Caiu em profunda depressão e retirou-se frustrado, remoendo arrependimentos e desejos inconfessáveis. Ai o amor! O amor, tantas vezes incompreendido.
- Zézinha apaga a luz. Amanhã vamos a Canas de Senhorim.
- Irra! Raios partam o homem.

Bons repenicos

terça-feira, maio 23, 2006

Fujam! Vem aí o Mundial

Vem aí o mundial de futebol e com ele um autêntico vendaval doméstico. Alteração de horários, altercações e clamores pouco habituais, amigos porta dentro à última hora sem o conveniente pré aviso, cerveja a rodos, fumo de tabaco nas entranhas dos armários, eu de sorriso condescendente, em atavios menos próprios, disfarçando a ausência do banho com respingos apressados de perfume, a gata que se refugia dentro da máquina de lavar, a vistoria apressada à casa de banho, não tenha a pressa matinal deixado vestígios menos próprios, a chouriça e os amendoins, o bagaço para assar a puta da chouriça, o pão que não chega, a lufa-lufa para o ir buscar, já agora jantam cá, aproveita e compra uma garrafita de whisky sussurra-me o meu juvenal, o juvenal que se desfaz em mimos para com os amigos, os abraços e as falsas preocupações dele para comigo, não vá eu desatinar, os sofás, lavadinhos na semana passada, vítimas dos descuidos próprios de quem não sabe o que é lavar sofás, a televisão em altos berros, palavrões descuidados e o olhar indulgente do meu Juvenal em desculpas silenciosas, o telefone a tocar, atende aí sff, é para ti, agora não posso, agora não pode está a ver a bola, ó achadissa era preciso dizer que estava a ver a bola, quem era, era o pratas, é pá põe mais um prato que eu vou telefonar-lhe, mais um prato, a gata que entretanto foi para o quintal rondar o entrecosto, o carvão que teima em pegar, o meu telemóvel, a minha mãe, as queixas habituais, o pai, a ciática, a vizinha, porra o óleo na frigideira, a saia que é travada e imprópria para correrias, o tapete que escorrega, não obstante já ter pedido mil vezes ao Juvenal que lhe ponha uns autocolantes, o golo histericamente festejado, mais cerveja, a campainha da porta, entra pratas, intervalo, recomeço, mais impropérios, duas visitas do Juvenal ao grelhador para aliviar a consciência, estamos empatados comunica-me, faz-me o relato digo-lhe eu, sorriso amarelo, não soubesse ele que a minha ironia não augura nada de bom, fim do jogo, jantar na mesa, o árbitro, aquele falhanço, dois fora de jogo mal assinalados, o treinador, podia ser pior, o empate não está mal, batatas fritas com entrecosto, devorados em dez minutos que outro jogo se avisa na tv, sozinhas na cozinha eu e a gata, sozinha na cozinha a gata, que eu, tomei banho, peguei no carro e rumei porta fora, não sem antes deixar recado, bem alto, para todos ouvirem – vou sair, quero tudo lavado e arrumado quando chegar, agora sim, estamos empatados.

B:»

sábado, maio 20, 2006

Rosa Púrpura

Encontrei a Rosa num bar, numa noite de sábado. Daquelas em que podemos entrar noite dentro sem a preocupação do dia seguinte. Rosa Púrpura. Rosa de nome, púrpura de estado de alma, dou-me a quem quero, como quero. De verdade dou-me apenas nos beijos que dou noutras bocas, como ela diz, em jeito de auto-retrato.
Atrevidamente apetitosa aos olhares sórdidos dos homens, espartilhava volumes em escassa indumentária, no abandono solitário do balcão. Insinuava, entre goles de vodka e cigarros acabados, olhares de quem está ali para se mortificar à volúpia dos sentidos e dos amores efémeros da noite. Despudorada.
Não era bonita, mas tinha a postura fácil de quem quer agradar e não recusa ser agradada. A maquilhagem escondia traços desfavoráveis e conferia-lhe brilhos apetitosos. E ela sabia disso e queria que fosse assim.
Olhou-me fixamente como quem nada teme. Não sorriu, não compôs o cabelo, não trejeitou maneios. Fixou intencionalmente os seus nos meus olhos, levou o copo de vodka aos lábios, pousou-o delicadamente, levantou-se e dirigiu-se à porta, sempre com os seus olhos enterrados nos meus, evidenciando a premência do convite. Saiu serena e perfumada, despertando olhares diagonais. Fiquei petrificada.
Ela não sabia que eu sabia. Ela desconhecia que eu a conhecia. Ignorava que eu detinha, discreta, o fascínio dos seus segredos e fantasias. Ou talvez não. Com a Rosa nunca se sabe!

Nota da autora: A Rosa Púrpura morreu a 30Jun2005. Quem quiser visitar a sua campa deve possuir um espírito aberto e fazê-lo solitária e recatadamente. Contém inscrições eventualmente chocantes.
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quinta-feira, maio 11, 2006

Crónicas da Galinha Riça - O Peru

Na minha crónica anterior abordei a incontornável obsessão dos habitantes do Galinheiro pela reconquista do extenso Quintal, quimera perseguida ao longo das últimas três décadas e transmitida de geração em geração por várias e consecutivas sublevações populares.
O Quintal, durante este período, foi administrado por aves insensíveis, que, a contento de alguns, sempre se revelaram adversas à causa do Galinheiro, impedindo a sua emancipação e dificultando a legítima pretensão de também debicarmos as apetecíveis dádivas da natureza que aquele espaço promete. Dessas aves, porém, uma se destacou: O Peru Corrécio.
Determinado a resolver definitivamente o conflito que se arrastava com o nosso Galinheiro e que comprometia a sua liderança e o exercício do domínio absoluto do Quintal- desaguisado que já tive oportunidade de abordar em crónica anterior - o Peru dedicou especial atenção ao problema da restauração do coito.
Embora da mesma ordem que os demais conterrâneos, os Galliformes, esta abjecta ave distinguia-se por pertencer à família dos Meleagrididae, o que lhe conferia a insolência e a vaidade de se pavonear arrogante acima dos outros da sua espécie. Ostentava orgulhosamente a sua indiferença pelos vários galinheiros da sua jurisdição, mas, pelas razões atrás apontadas, preocupava-o particularmente a insatisfação que reinava na nossa capoeira.
Decidido a pôr cobro às reclamações emergentes da perda do coito, institui, na legitimidade que a Lei lhe conferia, o “Direito de Pernada” sobre o Galinheiro. Perguntam os incólumes o que é o Direito de Pernada. O Direito de Pernada é um legado medieval criado por D. Pedro I, o Justiceiro, aquele da Inês, que conferia ao senhor feudal o direito de passar a primeira noite com as nubentes do seu feudo. Pensava o Peru que, com tal medida, restituía por caminhos tortos o que nos era devido por direito.
Instigado pela volúpia da sua missão e legitimado pela condição de suserano avassalou-se indiscriminadamente de nubentes, pitas impúberes, frangas, galinhas feitas e outras por fazer, não olhando a meios nem a métodos para reintroduzir o reclamado coito no Galinheiro.
No início, gerou-se um clima de tolerância expectante perante aquelas investidas indulgentes, no entanto, com o passar do tempo, acometido por uma ambiguidade de apetites e não satisfeito com o espírito da Lei, decidiu alterá-la a seu belo prazer e tirar satisfações púbicas de tudo quanto mexia em desenfreada fornicação. Está bom de ver que tamanha actividade acabou por afectar física e psicologicamente toda a comunidade.
Ora, come se sabe, de coitados a fornicados pouca diferença dista e, mal por mal, mais nos valia sucumbir aos inconvenientes da escravidão doméstica do que à vil tirania do Peru e dos seus apetites insaciáveis. Foi neste contexto que se reafirmou a vontade de tomar o Quintal e que o galo Luísio, perante a passividade de todos, quem sabe se tolhidos pelos hábitos do Direito de Pernada, acedeu à liderança do MRQ (Movimento de Restauração do Quintal).
Neste particular, bendita a hora em que o galo Luísio assumiu os destinos do Galinheiro, pois a ele se deve o fim do esfregulhanço a que nos sujeitámos durante anos e anos. Inconformado com o nosso destino, e aproveitando o cansaço e o desgaste do Peru Corrécio na sua cruzada pagã, tratou de derrubar o desavergonhado, substituindo-o por doutorada galinha, Isa Pedrês de seu nome, argumentando que, pelo menos com esta, dada a natureza do género e a inerente inviabilidade anatómica para o efeito, o Direito de Pernada seria definitivamente abolido, e mesmo que por embuste ou trapaça política, isso não acontecesse, ele próprio, Luísio Cantorias, se entregaria, qual aio Afonsino, em sacrifício penitencioso, ao folguedo requerido.
A História está cheia de casos em que as intenções se confundem com os factos e vice-versa. Neste caso, fosse subliminar intenção ou facto previamente acordado, a verdade é que o galo Luísio se viu obrigado a condescender aos caprichos da doutora em doces arrulhos e outros compromissos de pernada e, agora, por força do fogoso aviamento prometido, da tempestade fez bonança e da contenda conformismo e pesaroso lamenta, citando aquele não menos desconsolado general romano - que raio de Galinheiro este que não se governa nem se deixa governar!
Contudo, o espírito da nossa capoeira não perde o pio facilmente. Se as andanças políticas são armadilhas efémeras, as verdadeiras mudanças, as de atitude e de mentalidade, essas parecem continuar vivas e inquietas para agitar o galinheiro; se o Movimento de Restauração se encontra em estado comatoso ou de letargia, isso não significa o fim das nossas reivindicações. Vindo do mais fundo desejo de conquistar definitivamente a dignidade das nossas penas, um novo movimento emerge, agora, na voz do Mulherio. Mas desse movimento ocupar-me-ei noutras crónicas. Queira deus se tornem factos históricos.

Bons repenicos

quarta-feira, maio 10, 2006

Acta n.º 1


Aos dias 6 e 7 de Maio de 2006, reuniram em casa da Cristalinda, a própria, a Achadiça e a Riça, com a finalidade de constituirem formalmente o MRMCS (Movimento Reivindicativo do Mulherio de Canas de Senhorim).
Para o efeito a ordem de trabalhos era a seguinte:

- Constituição da comissão política;
- Constituição dos estatutos;
- atribuição dos cargos: Nomeação da presidente do Movimento;
- elaboração de “O Manifesto”
- plano de acção;
- outros assuntos, eventualmente domésticos.

Passados os trinta minutos regulamentares, e não se tendo verificado a presença de outras interessadas, o grupo inicial, composto pelas três galinhas já referidas, deu início à ordem de trabalhos, começando por discutir a constituição da comissão política responsável pela definição e redacção dos estatutos e restantes tarefas que a constituição de um movimento com esta envergadura exige.

A Cristalinda lembrou que antes de estruturar o Movimento urgia responder à nossa querida amiga Donadaprima, que delicadamente declinou o convite para presidir ao Movimento, mas que por manifesta solidariedade se disponibilizou para outras tarefas. Assim, foi redigida uma resposta cujo teor é o seguinte:


Ex.ma Dona da Prima
Cara amiga, reconheçemos-lhe o direito de escusa relativamente à presidência do MRMCS. Porém, não podemos deixar de discordar dos argumentos apresentados. A nossa questão não se prende com a prestação individual de cada macho per si. O facto de o seu Galaró ser de préstimo considerável não resolve o problema emergente da falta de qualificação dos demais nem o desconsolo das respectivas companheiras. O nosso objectivo é de âmbito comunitário e pretende colorir a totalidade deste galinheiro de prazenteirice. O que está aqui em jogo é a causa pública e nesse contexto o problema dos outros e das outras reflecte-se em nós, independentemente da folia que reina em cada poleiro. Compreendemos a sua indisponibilidade para tão controverso cargo dadas as repercussões sociais que daí podem advir. Já estamos a imaginar a populaça - olha a presidente do Movimento do Mulherio, a Doana da Prima, a mal amada mor! - não a julgamos mal e assiste-lhe todo o direito de preservar a sua vida privada.
Congratulamo-nos com a sensibilidade demonstrada a esta causa e estamos a considerar qual o melhor cargo ou forma de contributo a propor-lhe por forma a não comprometer a dignidade da Dona da Prima nem o brio do seu Galaró.

B:»


Retomou-se então a ordem de trabalhos e uma vez que as tarefas são muitas e a força de trabalho presente se verificava apenas pela presença de três corajosas galinhas, o conselho deliberou passar à frente questões já sobejamente enfatizadas e começar por arregaçar as penas e acumular democraticamente as diversas tarefas a desempenhar. Assim, foi deliberado o seguinte:

- Achadissa - por ter sido a primeira a dar voz ao desconsolo generalizado das galinhas- porta-voz e ralações públicas do movimento;

- Riça - dada a erudição e sensatez de que já deu provas e, por motivos de saúde, incapacitada para cargos operacionais – presidente da comissão ética ( é claro que acreditamos engrossar o número das nossas vozes e por isso acreditamos que ela venha a presidir a uma vasta comissão representativa de todas as tendências e interesses das galinhas).

- Cristalinda – por gostar de jogos de palavras e de palavras de ordem – responsável pela redacção das propostas de estatutos, manifesto e plano de acção do movimento a discutir na próxima reunião do conselho que, esperamos, seja mais participada do que esta. Além de ‘ideóloga’, acumulará ainda a responsabilidade pela coordenação operacional, armada ou não, assim como, a direcção do sector de propaganda política.

Passando ao ponto dois da ordem de trabalhos, a discussão acentuou-se: sem um rosto, um movimento não tem identidade, já dizia Lapalisse. Perante a recusa da amiga Donadaprima, aliás perfeitamente compreensível, em dar a crista ao manifesto, ficámos com um problema de rosto. Levantou-se, claro, a questão do avatar e, logo, os olhares se concentraram na nossa bela achadiça. Mas a Cristalinda objectou considerando que tal escolha padecia da influência subliminar do partido inimigo que, infiltrado sob a forma de um certo cingab, pretendia minar o movimento, desviando a atenção das galinhas para assuntos triviais, e como tal inofensivos, de natureza estética dúbia, como dúbia é a máscara preta e branca de palhaço triste, apesar de rico, quer é como quem diz – com um olho chora, com o outro repenica. Enfim o clássico finório que se introduz na história para intrigar interesses entre fortes e fracos e ficar a rir no fim. Muito teatral, digamos.
A Achadiça pediu, então a palavra, insurgindo-se contra as insinuações da Cristalinda, alegando que das visitas do amigo Cingab à capoeira não se pode extrair tal ilação, na medida em que as suas bicadas foram sempre de solidariedade e que embora sóbrias e comedidas, não deixaram de constituir indícios favoráveis à nossa causa. A Riça, no seu papel de ponderada oficial do movimento chamou a atenção das presentes para a necessidade de não deixar descambar o diálogo para galinhices, reintroduzindo a pertinência da ordem de trabalhos.

A Riça sugeriu, dado o adiantado da hora e a divergência de posições quanto à questão da presidência, que a reunião fosse adiada e que a respectiva ordem de trabalhos fosse retomada dia 13 de Maio, pelas 22H00.

Canas de Senhorim (Figueira do Leite), 7 de Maio de 2006

A Comissão Instaladora do MRMCS
(assinaturas irreconhecíveis)

sexta-feira, maio 05, 2006

Exma Dona da Prima

Exma. Dona da Prima

Um grupo de cidadãs, melhor dizendo, de vilãs, melhor ainda, três galinhas descontentes com a prestação dos machos do nosso galinheiro, decidiram fazer ouvir o seu cacarejo contra a ineficácia desconcertante que por cá graça, não poupando poleiros, classes, credos, raças e faixas etárias.

Perante as queixas recorrentemente confidenciadas, verificámos que a sua origem radica na intimidade de cada poleiro, o que por natureza dificulta a adesão e a frontalidade com que gostaríamos de expor estas preocupações, sob o risco de provocarmos atritos conjugais e pessoais escusados.

De facto esta circunstância retira a amplitude desejável às reclamações o que impede que sejam do domínio público. A vergonha, o conformismo, o receio, as limitações culturais e tradicionais são ainda aspectos que intimidam grande parte das galinhas.

Somos galinhas conscientes e responsáveis. Não estamos agrilhoadas a qualquer poder instalado, político ou económico. O que nos move é a solidariedade devida a todas as companheiras de infortúnio.

Esta luta pode ser reforçada com o contributo de todas as galinhas em torno do MRMCS (Movimento de Reivindicação do Mulherio de Canas de Senhorim), que se presta a exigir de galos e frangos uma adequada e eficaz participação nos acometimentos requeridos e para os quais a natureza os dotou convenientemente.

Após controversas negociações a propósito de qual de nós seria a mais indicada para liderar o Movimento, e confrontadas com vocações pessoais diversas que não as da liderança, ocorreu-nos por unanimidade o nome da Dona da Prima para o exercício do cargo.

Assim, e caso a Dona da Prima se dignar aceitar esta responsabilidade, consolidaremos a criação do MRMCS da seguinte forma:

Liderança- Dona da Prima
Braço Político- Galinha Riça
Comando Operacional- Cristalinda
Porta Voz e Relações Públicas- Achadiça

A estrutura orgânica será posteriormente acordada.

Atenciosamente
Aguardamos a sua resposta

Canas de Senhorim, 05 de Maio de 2006
(assinaturas irreconhecíveis)

quinta-feira, maio 04, 2006

Liderança do MRMCS

O que a natureza lhe deu em beleza(?) tirou-lhe em discernimento.
Então a amiga quer criar um movimento anti-natura… contra os homens!!! E convida-me a liderá-lo!!!!
Só poderei permitir-me considerar a possibilidade dessa incumbência se o espírito do movimento for de reflexão e transformação interiores, nunca de oposição aos homens. Naturalmente que compreendo e comungo das suas preocupações, mas aconselho-a a repensar a metodologia e a reavaliar a sua posição de confronto declarado. Os homens mediterrânicos ainda não estão preparados para acareações de desigualdade sexual, como pode constatar nos mais elementares comportamentos masculinos. È na educação dos pintos que está o cerne da transformação desejada e é na educação deles que podemos fomentar os princípios da igualdade, da solidariedade e do bem estar, físico e mental. Se a menina apela à revolta, com sugestões e insinuações de ordem sexual, o mais que pode ou podemos ganhar é um valente par de cornos, porque haverá sempre outras galinhas que não se revêem nas suas posições ou, que se revendo nelas, aproveitarão o primeiro ensejo para a atraiçoar. Dobro o meu pescoço à Achadiça que honestamente declarou essa fraqueza ao declinar o convite que a menina lhe endereçou.
Se achar por bem reconsiderar a sua posição nesta matéria, de acordo com os preceitos referidos no parágrafo anterior, estarei disposta a reflectir sobre a possibilidade de aderir ao MRMCS, sempre numa base de diálogo e reflexão, única forma, no meu ponto de vista, de alcançar os objectivos que perseguimos.
Da adesão à liderança tolda-se-me o raciocínio, pois, sendo segunda escolha, e não tendo, até agora, qualquer vislumbre de apoio das bases, hesito entre o meu merecido repouso e o desafio que me propõe. Se concordar com as directrizes enunciadas, peço-lhe uma semana para sondar as diversas sensibilidades do mulherio e decidir em conformidade.

Bons repenicos

Líder precisa-se

D. Riça, perante a recusa da Achadiça, que por certo já é do seu conhecimento, em assumir a liderança política do MRMCS (Movimento Reivindicativo do Mulherio de Canas de Senhorim), alegando no seu declinar que as suas convicções seriam facilmente abaladas ao primeiro catrapiscar de crista que lhe fosse dirigido por algum dos elementos da oposição, que como sabe, militam no partido mais controverso do nosso palco político – O PH (Partido dos Homens) – não confundir com o ilustre e farto galo sportinguista, que de pinto já só lhe resta o nome, nem com teores alcalinos ou outras simbologias incendiárias), julgo reconhecer na minha amiga as condições requeridas para abraçar a presidência desta causa. Tem o dom de cacarejar soberbamente na nossa capoeira e os assuntos do Quintal são abordados de forma tão elucidativa que o meu Almerindo, sempre que falo de si e dos seus escritos, fica logo atiçado como frango do Paço a desfilar no Rossio e incomodado vocifera “vê lá mas é se não te metes em caldinhos”. Enfim, ainda arremata defendendo que as lutas políticas são coisas de macho, sobretudo tratando-se de presidentes de capoeira com aspiração a poleiros mais elevados ou de movimentos populares amotinados, com correntes, penas pelos ares, polícia, GNR, padre e bombeiros, tudo à mistura, ignorando indulgentemente que as nossas motivações são outras e as formas de luta bem menos pacíficas.
Nas suas arengas históricas, a minha amiga veio introduzir finalmente alguma imaginação no galinheiro, pois começo a cansar-me de diálogos de crenças e comentários de tasca, cujo único propósito é os galos terem um espaço para estarem uns com os outros, que é onde se sentem bem, nem que tenham de fazer de conta que se trata de assuntos sérios e mágoas legítimas.
A minha amiga tem o potencial político e a imaginação necessários à causa que eu defendo. Aliás, que eu aqui pretendo defender – no Mulherio de Canas. Refiro-me ao velho e estafado problema da desigualdade que se verifica em todas as capoeiras entre galos e galinhas, independentemente das causas políticas que oponham os respectivos líderes. Mesmo correndo o risco de ouvir a ironia do meu Galo, “a ilustração já chegou ao galinheiro”, diria que se trata de um assunto de máxima urgência, ou extinguir-se-ão as grandes galinhas que, como convém, devem estar por detrás dos grandes galos, e diria mais, pela frente, de lado, por cima ou por baixo, mas estando, que é como quem diz, fazendo cumprir. Acredite, Riça, que há assuntos domésticos que galinhas politicamente responsáveis, como nós, não podemos ignorar, sob pena de pormos em risco, não só, a sanidade da capoeira, do Quintal e,até, o próprio futuro da espécie.
Gostaria de ver a minha amiga discorrer a sua prosa sobre estas questões com o mesmo empenho que vem colocando nas suas crónicas e que considerasse a possibilidade de assumir a liderança política do MRMCS.
Aguardo resposta.

Boas minhocas
Cristalinda