domingo, maio 25, 2008

Licor Beirão

Pesam-lhe as pálpebras, não sei se do cansaço da vida se do tédio mundano dos copos. Já o vi desperto, a alinhar duas palavras, poucas vezes admito, e a cada uma das vezes mantive a esperança duma conversa, mas não, ele não está para isso, quer que as palavras, as conversas, os outros e ele próprio, se calhar, vão para um sítio que ele lá sabe. De resto, nem a vontade de mandar tudo isso para esse lugar o tira do silêncio… olha sobranceiro e às vezes sorri, como se detivesse uma verdade superior, inatingível à desprezível condição a que nos remete.
Gosto de ler as coisas que escreve nos guardanapos, são pequenas frases, às vezes estende-se em raciocínios mais profundos, chama-lhes escarros. Angustia-me na clarividência.
Às vezes o escarro dos poetas é verdadeiramente desconcertante.

sexta-feira, maio 02, 2008

Grelhados

Existem para aí muitos blogues de divorciados(as). São uma espécie de refúgio, uma forma de ultrapassar a perda através da expiação dos pecados… ou da falta deles, sim, porque também há o caso daqueles que sem culpa alguma se vêm de volta à vida de solteiro(a). E depois escrever faz bem, ocupa o tempo e esclarece, portanto estão desculpados os que recorrem a esta terapia. Mesmo que sobrem disparates, sempre anima a solidão, como é o caso deste texto que por aí encontrei e que me fez sorrir porque curiosamente há nele algo de familiar… dizia às tantas o seguinte:

    “Faz hoje dois meses que a Maria me disse fria e decididamente que precisava de ficar sozinha, fez-me a mala e despachou-me para minha casa. Vivíamos na dela. A minha casa era uma espécie de casa de fim-de-semana, onde reuníamos os filhos de ambos. Ao todo éramos cinco, eu, ela, o filho dela e os meus dois. Às vezes éramos mais, o ex-marido dela, a coberto do filho aparecia com frequência, especialmente à hora de comer. O rapaz é assim, oportunista mas inofensivo. Agora a casa é demasiado grande, os meus filhos vivem com a mãe, só cá vêm de quinze em quinze dias, logo vejo-me perdido na minha própria casa. Vamos ver se me habituo.
    Ainda ando à procura de um nome para este espaço, onde pretendo gastar o tempo que agora me sobra. Não sou propriamente um divorciado, pelo menos com a carga formal que o epíteto carrega. Não casei, nem com a mãe dos meus filhos nem com a Maria, logo não posso divorciar-me, mas dez anos a viver com alguém dão-me o direito de me considerar como tal, afinal o problema não é uma questão de nomenclatura, é mesmo um problema de ruptura, da distância que vai de uma relação a dois a esta solidão que agora me morde.
    Tenho os pés gelados e não comi nada durante todo o dia. Ontem fiz sopa de cenoura e alho francês, acho que ficou boa, se calhar vou cozer uma posta de bacalhau, umas batatitas e pronto… vá lá, hoje dá o Benfica, sempre são duas horitas sem pensar nela.”

      Fiquei ali, a imaginar o rapaz por detrás da página, quase com vontade de lhe ir aquecer a sopa. Mas de repente olho para a caixa de comentários e qual não é o meus espanto quando verifico que só naquele post já contava com 98 comentários. Não resisti, fui ler. Perdi logo a generosidade que me ocorreu, candidatas ao fogão e a outros aquecimentos era coisa que por ali não faltava. Fiquei a pensar, é lá, isto de um gajo se lamentar dá os seus frutos, só aqui no Mulherio a divorciada é que não tem direito a nada. Portanto, meus amigos, a partir de agora vai ser um choradinho de fazer inveja à carpideira mais profissional. Se não resultar retorno ao silêncio, de onde, provavelmente nunca devia ter saído. Venham daí esses grelhados que é a única coisa quente que os homens sabem fazer.