quarta-feira, janeiro 30, 2008

Provocação 11

Era uma vez uma cobra que começou a perseguir um pirilampo. Ele fugia com medo da feroz predadora, mas a cobra não desistia. Um dia, já sem forças, o pirilampo parou e disse à cobra:
- Posso fazer três perguntas?
- Podes. Não costumo abrir esse precedente, mas já que te vou comer, podes perguntar.
- Pertenço à tua cadeia alimentar?
- Não.
- Fiz-te alguma coisa?
- Não.
- Então porque é que me queres comer?
- PORQUE NÃO SUPORTO VER-TE BRILHAR!!!
E é assim....
Diariamente, tropeçamos em cobras!

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Crónicas da Galinha Riça - Carnavalite crónica


O carnaval de Canas de Senhorim é genético. Algures, na memória dos tempos, os canenses sofreram uma mutação no seu ADN. Este gene mutante, transmitido de geração em geração tomou conta da estrutura celular e foi ganhando proporções virulentas. Não fosse a natureza do fenómeno benigna e o risco infecto-contagioso limitado e estaríamos perante uma pandemia carnavalesca de proporções catastróficas. Estão a imaginar o que é que isto dava à escala nacional, se a nossa rivalidade entre bairros extrapolasse para as cidades e regiões, Lisboa vs Porto, Alentejo vs Algarve, Norte vs Sul… seria caótico, uma ameaça para a integridade nacional. Mas não, a virose está limitada no tempo e no espaço, três simples dias em que o vírus agita o sistema imunitário dos canenses, com as respectivas febres, calafrios, convulsões, arrepios e outras dores de somenos importância. Nada que três pastilhas de mebocaína, três konpensan e outros tantos gurosan não resolvam.
Efectivamente, a “doença”, em determinadas circunstâncias, pode revelar-se contagiosa. Habitualmente o contágio é de origem sexual. Vem o rapaz ou a rapariga de fora, acasala com um nativo e quando dá conta já cantarola as marchinhas. Mas o contágio também pode ser por simpatia, existem casos clinicamente comprovados de achadiços que sem "coiso e tal", vivendo em Canas há dois ou três anos padecem do mesmo mal. Quando dão conta lá vem, escarrapachado no relatório das análises clínicas um alto teor de carnavalite; outros ainda, mais sensíveis ao fenómeno, bastou-lhes passar cá um Carnaval e pronto, chegada a época o bichinho acorda e lá vêm até Canas de Senhorim passear a maleita.
Até a comunidade de Nelas, um lugarejo aqui perto, foi ligeiramente contagiada, não se sabe bem como nem porquê (há coisas que a ciência não explica). Porém os organismos inoculados tinham uma malformação congénita e a nova estirpe degenerou num fiasco, isto apesar do investimento na sua encubação e na manipulação in-vitro da cultura original. Claro que ficámos compadecidos com o fracasso, então anda o edil a brincar ao Carnaval todo o ano e depois na altura de colher os louros, nem corso, nem vestimentas nem foliões… uma arrelia!
A“carnavalite” canense manifesta-se durante três, quatro dias e, regra geral, não deixa sequelas, se bem que há casos isolados de carnavalite aguda devidamente referenciados. Nos primeiro e segundo dias a doença apresenta sintomas débeis, os pacientes podem manifestar tremuras passageiras e desacertos mentais esporádicos, porém ao terceiro dia o vírus recrudesce e toma conta do organismo do doente. Os desacertos mentais iniciais transformam-se em desvario e a tremedeira em frenesim. Estímulos nervosos induzidos pelo vírus nos tecidos neurológicos produzem quantidades substanciais de endomorfina que por sua vez accionam a excitabilidade muscular, ao que o sistema circulatório responde com elevados índices de adrenalina. É o culminar da doença. Nesta fase os doentes revelam comportamentos agressivos e uma euforia descontrolada, só aplacados pelo confronto tribal que ocorre em pleno centro da vila e após descargas maciças de urros, vaias e vitupérios.
Ao quarto dia está tudo acabado, a carnavalite retrocede e volta ao processo cíclico que caracteriza as doenças crónicas. Só passado um ano é que retorna, nem mais nem menos perigosa, nem mais nem menos atenuada. Parece que não tem cura, há quatrocentos anos que afecta esta terra e promete perdurar enquanto houver, pelo menos dois canenses. O que já esteve mais longe.

quarta-feira, janeiro 16, 2008

Diálogos Encrespados, Carnaval


Aproxima-se o Carnaval. O meu Juvenal pela-se por esta época, aproveita os bastidores do evento como justificação para me chegar a casa tarde e sabe Deus como.
- Então isto são horas? - Pergunto-lhe estremunhada.
Meio cambaleante, naquela gaguez delatora de quem já enfiou uns copázios, lá se vai desculpando como pode:
- Ai e tal, os carros estão atrasados, a malta diz que vem e depois não vem, este ano é o último, já estou farto disto…
- Ouve lá, mas pensas que sou tó-tó. Vens para aí aos tombos, a cadela que trazes contigo vem a ladrar desde que entraste ao portão e queres convencer-me que estiveste nos carros!
Ficou muito ofendido. Que não era nada disso, se vinha tonto era por causa da cola…
- Da cola!!!
- Sim da cola, o cheiro entra pelo nariz adentro e fica-se assim…
- Assim mentiroso, com nariz de Pinóquio não é? No ano passado foi o aparelho de soldar que te deu cabo dos olhos. Lá foste para Viseu às urgências e só apareceste em casa às sete da manhã… eu nunca engoli essa história, foste mas foi arregalar o olho sabe-se lá para onde, ou pensas que eu nasci ontem?
Ficou atrapalhado com a revelação, se calhar pensava que eu não sabia destes desvios carnavalescos.
- Mas, mas… então não viste o carro que saiu feito por nós?
- Aquele zingarelho com dois paus ao alto! Foi aquele monumento que te reteve até altas horas da noite durante mais de 15 dias?
- É pá, mas o que é que tu percebes disso para questionares as horas de trabalho… fica sabendo que aquilo exigiu intrincados cálculos físicos e mecânicos, relação esforço/potência do motor, aerodinâmica, peso/contra-peso, ângulos de inclinação, rotores, transmissão, alimentação etc., etc…ou pensas que os movimentos oscilatórios não têm que ser devidamente equacionados? Se fosse tão simples como insinuas porque é que achas que o Rossio não faz carros dinâmicos?
- Pois, pois, dá-me música. Os tais movimentos oscilatórios sei eu muito bem como são equacionados, um copo aqui, outro ali, mais um além, e é ver os movimentos oscilatórios em progressão…
- Bem, não há nada a fazer, estás com um mau feitio que é obra. Deixa-me dormir que amanhã vou bulir.
- Está bem, mas fica sabendo que as chouriças estão contadas. É que nesta época do ano desaparecem misteriosamente da despensa.
- Raios partam a mulher.

Deixei-o em paz por agora. Desconfio que há cinco anos não põe as patas na associação, e se lá vai não é certamente para actividades de intrincada engenharia, como diz. Vamos ver se não tenho que o pôr a pão e água.

sexta-feira, janeiro 11, 2008

Crónicas da Galinha Riça - A Nova Intifada

Foi com elevada consternação que alguns distintos lapenses receberam a notícia do novo trajecto do IC12 e da respectiva localização do nó de acesso a Canas de Senhorim. Agradados pelas expectativas que o antigo projecto apresentava, com a possibilidade de o referido nó ficar nos limites da localidade, circunstância porventura já devidamente equacionada em termos de rentabilidade pessoal e colectiva, viam-se agora despojados do magnífico nó e preteridos no empreendimento a favor da Póvoa de Sto António que, sendo lugar de santo não é mais santificado que a Lapa do Lobo que já teve a piedosa presença do Sr Bispo. E acrescentavam: Mesmo que a comparação entre o santo e o bispo nos seja desfavorável, pois a tanto ainda não chegou a Igreja na santificação dos eclesiásticos vivos, é por demais conhecida a ligação de São Francisco de Assis ao lobo, animal que deu o nome a esta terra. Mesmo que seja improvável ser o animal de S. Francisco o mesmo que o da Lapa também não há provas em contrário. E mais que não fosse não seria o Vale do Boi o melhor sítio para o redondel, local cuja nomenclatura é espiritualmente apropriada para evocar esse animal sagrado que é a vaca, ou o boi, alargando assim o sentido ecuménico aos fieis? Portanto, em matéria de santos, bispos e bestas estamos resolvidos. Neste particular não está a Póvoa melhor apetrechada para que lhe seja oferecida de mão beijada o altar rodoviário.
É claro que estes considerandos canónicos eram a voz da populaça, que, incapaz de perceber os labirintos técnicos do projecto, recorria à velha explicação divina ou semi-divina para tentar resolver a afronta. Do mesmo mal não sofriam os distintos lapenses que convocaram o plenário onde estas opiniões se fizeram ouvir. Após aturados esforços de esclarecimento lá convenceram os populares que isto não era uma competição de santos ou de religiões, apesar de a ideia ser tentadora, conforme afirmou um dos oradores. Trazia-se à congregação São Cristóvão, protector dos automobilistas, São Tiago, promotor dos caminhantes, e, com a teimosia argumentativa de Santa Catarina, nossa padroeira, talvez Santo António abdicasse da sua vocação casamenteira e deixasse de andar para aí a dar nós ao desbarato…
Foi uma alusão oportuna. Os entendidos sorriram, cúmplices da ironia oratória e dos laços conspirativos que o comentário exerceu nos crentes. Agora era preciso dar a volta à questão para que o assunto fosse tomado em consideração pelas entidades competentes, e a melhor forma de o fazer era alertar determinadas organizações para os malefícios ambientais que o traçado do novo percurso iria trazer. Elas encarregar-se-iam de solicitar ao Ministério Público uma providência cautelar que embargasse a obra e a devolvesse ao percurso inicial, acautelando o local do ambicionado nó. Mas aqui punha-se um problema, que fundamento iriam utilizar para convencer os ambientalistas? Não temos pinturas rupestres, ossadas de dinossauro, formigas pirilau, sardaniscas pintalgadas, o estorninho não está em vias de extinção, a carriça também não, raios, que vamos nós preservar? O sapo Cocas?
Foi então que um ilustre lapense, até então silencioso, pediu a palavra:
- Meus amigos a vossa visão é pequenina, andam à procura da parte quando têm o todo à disposição. O que é preciso preservar é aquele lugarejo moribundo, semi-abandonado ao seu triste destino. Sim, o que é preciso salvaguardar é a vila de Canas de Senhorim. Se este projecto se confirmar como está previsto, a já agonizante vila ficará sufocada entre a linha de comboio e a auto-estrada, a ver passar carros de um lado e comboios do outro, um garrote fatal, um enclave em “V” a abrir para Carvalhal Redondo e para Nelas, empurrando os canenses de encontro aos seus eternos detractores. É este o fundamento que vocês procuram, evitar a todo o custo aconchegos indesejados, e terá o apoio de todas as partes, dos envolvidos, que por certo não aspiram à aproximação nem são dados a abraços, e das entidades políticas que não arriscarão nestas circunstâncias colocar à disposição dos habituais insurrectos as duas principais vias de acesso ao interior beirão, a linha da Beira Alta e a auto-estrada A35.
Esta sim foi uma tirada iluminada. Logo ali se prepararam alforges e merendas, sem descurar o milagroso líquido de Canã. A ideia era rumar à pedreira do Vale do Boi, tomar as instalações da empresa e ali entrincheirados resistir ao insidioso projecto.
Anuncia-se assim em primeira mão uma nova intifada na Vila de Canas de Senhorim, a qual, desta vez, a avaliar pela matéria-prima que o local proporciona, promete aguerrida resistência.