
As suas penas já não brilhavam como era hábito e o característico leque da sua extravagante cauda abria-se assimétrico, denotando a ausência de vitalidade que, outrora, o tinha catapultado para a ribalta do poder. A patente decrepitude insinuava o inevitável canto do cisne, essa outra ave, bela, mas agoirenta no prenúncio metafórico. Como tinha chegado a este ponto ele bem o sabia. Erros seus, má fortuna, amor ardente.
A Zézinha por várias vezes lhe tinha dito que aquela paixão bucólica não se enquadrava no perfil de um presidente nem no exercício do poder que a constituição lhe conferia. Mais tarde ou mais cedo aquele envolvimento amoroso revelar-se-ia desastroso.
Mas naquele tempo as reservas dos seus conselheiros e o desagrado da Zézinha eram sistematicamente ignorados. Quando um assessor aflorava a porta do gabinete presidencial já a pergunta ecoava no ar:
- Então quando é que O Galinheiro vem a Lisboa?
Os assessores, alertados pelas recomendações do Chefe de Gabinete tentavam prevenir Sua Excelência o Pavão para o inconveniente daquelas manifestações, mas debalde. O presidente defendia com veemência o direito daquela capoeira reivindicar junto do poder executivo a restauração do Quintal.
A primeira-dama nunca se convenceu daquela boa vontade política, pois bem conhecia os tremores de excitação que acometiam o marido naqueles dias em que O Galinheiro se alvoroçava em excursões à capital. Era com alguma apreensão que o via escolher o melhor fato, alisar convenientemente as penas, colocar os óculos escuros, chamar o condutor, prescindir do corpo de segurança e, incógnito, rumar ao encontro da populaça. Ainda apelava à sensatez do marido dirigindo-lhe advertências e aconselhando-lhe ponderação, mas o presidente na sua exaltação amorosa ignorava-a displicente.
Aproximava-se discretamente daquele amontoado tumultuoso e fixava o olhar, estarrecido, naquelas belas trigueiras de entre serras empunhando fálicos estandartes. O clima daquelas terras altas tisnava-as de um moreno sedoso e desconcertante; as suas bocas deixavam entrever soberbos dentes e hálitos apetitosos; os peitos, roliços e fogosos, arfavam volumes apetecíveis ao ritmo de palavras de ordem e cantorias despropositadas mas não menos excitantes; as ancas, largas e fecundas, deixavam adivinhar abismos de perdição; os rabos, graníticos, enchiam-lhe a imaginação e o ambiente inebriava-o com doces aromas beirões e românticas fragrâncias campestres. Influenciado esteticamente por vivências britânicas, configuradas em paixonetas por frangas esquálidas e loiras deslavadas, estas outras, nutridas por suavidades atlânticas e frios hermínios, despertavam-lhe, agora, ruralidades adormecidas, reminiscências esquecidas de um povo reencontrado. Tentações indisfarçáveis, a avaliar pelo exuberante leque da sua cauda em amplo ritual de acasalamento.
Enciumada com o desconcerto amoroso do marido e atemorizada pela possibilidade de tal comportamento transbordar para a praça pública, Zézinha interiorizou que a única forma de serenar o Pavão era acabar com aqueles encontros. Longe da vista longe do coração – pensava ela. Ora a única forma de travar as visitas inoportunas do Galinheiro seria devolver-lhe o Quintal. Em última estância competia ao marido aprovar tal requisito e, uma vez que ele nutria tanta admiração por aquelas pindéricas com certeza lhes faria o proveito. Conspirou influências junto dos partidos políticos alegando razões de estado e outras vantagens políticas e facilmente obteve o apoio destes. Depois do diploma ter sido aprovado em assembleia só faltava o despacho favorável e conciliador do marido.
O presidente acordou indisposto naquele dia. Sabia que todos os procedimentos legais estavam assegurados e que só lhe restava esgadanhar a assinatura para que O Galinheiro recuperasse O Quintal. Também sabia que isso lhe subtrairia o deleite daquelas ansiadas visitas e o prazer arrebatado daqueles momentos amorosos. Confrontado com este dilema contrariou todas as regras de bom senso. Num rasgo caprichoso de amante obsessivo, negou provimento às pretensões do Galinheiro e recusou esgadanhar o documento. Estava assim assegurada a continuidade das manifestações na capital.
Embora a sua decisão tenha sido vista com alguma perplexidade, foi acatada tranquilamente pelos agentes políticos da república. Afinal presidente é presidente - lá terá as suas razões. Um novo fulgor lhe assomou ao espírito devolvendo-lhe cores e exuberâncias julgadas perdidas. Porém, por razões incompreensíveis ao seu espírito, passaram-se meses e O Galinheiro não retomou as suas digressões, quedando-se lá por terras de Viriato em escaramuças com a polícia de choque e outras confrontações. Instado a pronunciar-se sobre estes acontecimentos o presidente não resistiu à transparência dos seus sentimentos e admitiu pesaroso:
- Isto não é um caso político. Isto é um caso de amor!
De imediato foi convocado o gabinete de emergência, reuniram-se assessores e conselheiros. Por razões de segurança nacional, confiscaram-se câmaras e gravadores, manietaram-se jornalistas e testemunhas e contrataram-se técnicos para adulterar as gravações. Como colmatar esta gaffe inconveniente e comprometedora? Logo o assessor de imprensa, astuto nestas andanças, arranjou prestimosa solução. O que Sua Excelência o Presidente da República afirmou foi que este caso não era um caso de política mas sim um caso de polícia.
Resolvido o “mal entendido” e inviabilizada qualquer fuga de informação, novas preocupações surgiram aos homens do presidente. O Pavão, agora em fim de mandato e angustiado pela saudade, insistia teimosamente em visitar aquelas terras na esperança de rever as suas amadas. Nada o demovia da ideia. Incapazes de o contrariar forjaram-se planos e traçados alternativos, polémicos e especulativos à época, mas eficazes na intenção. O presidente passeou-se por estas bandas mas o desejado reencontro foi evitado. Um mal menor devidamente justificado pelo chefe da Casa Civil da Presidência da República.
O Pavão nunca mais foi o mesmo. Caiu em profunda depressão e retirou-se frustrado, remoendo arrependimentos e desejos inconfessáveis. Ai o amor! O amor, tantas vezes incompreendido.
- Zézinha apaga a luz. Amanhã vamos a Canas de Senhorim.
- Irra! Raios partam o homem.
Bons repenicos
A Zézinha por várias vezes lhe tinha dito que aquela paixão bucólica não se enquadrava no perfil de um presidente nem no exercício do poder que a constituição lhe conferia. Mais tarde ou mais cedo aquele envolvimento amoroso revelar-se-ia desastroso.
Mas naquele tempo as reservas dos seus conselheiros e o desagrado da Zézinha eram sistematicamente ignorados. Quando um assessor aflorava a porta do gabinete presidencial já a pergunta ecoava no ar:
- Então quando é que O Galinheiro vem a Lisboa?
Os assessores, alertados pelas recomendações do Chefe de Gabinete tentavam prevenir Sua Excelência o Pavão para o inconveniente daquelas manifestações, mas debalde. O presidente defendia com veemência o direito daquela capoeira reivindicar junto do poder executivo a restauração do Quintal.
A primeira-dama nunca se convenceu daquela boa vontade política, pois bem conhecia os tremores de excitação que acometiam o marido naqueles dias em que O Galinheiro se alvoroçava em excursões à capital. Era com alguma apreensão que o via escolher o melhor fato, alisar convenientemente as penas, colocar os óculos escuros, chamar o condutor, prescindir do corpo de segurança e, incógnito, rumar ao encontro da populaça. Ainda apelava à sensatez do marido dirigindo-lhe advertências e aconselhando-lhe ponderação, mas o presidente na sua exaltação amorosa ignorava-a displicente.
Aproximava-se discretamente daquele amontoado tumultuoso e fixava o olhar, estarrecido, naquelas belas trigueiras de entre serras empunhando fálicos estandartes. O clima daquelas terras altas tisnava-as de um moreno sedoso e desconcertante; as suas bocas deixavam entrever soberbos dentes e hálitos apetitosos; os peitos, roliços e fogosos, arfavam volumes apetecíveis ao ritmo de palavras de ordem e cantorias despropositadas mas não menos excitantes; as ancas, largas e fecundas, deixavam adivinhar abismos de perdição; os rabos, graníticos, enchiam-lhe a imaginação e o ambiente inebriava-o com doces aromas beirões e românticas fragrâncias campestres. Influenciado esteticamente por vivências britânicas, configuradas em paixonetas por frangas esquálidas e loiras deslavadas, estas outras, nutridas por suavidades atlânticas e frios hermínios, despertavam-lhe, agora, ruralidades adormecidas, reminiscências esquecidas de um povo reencontrado. Tentações indisfarçáveis, a avaliar pelo exuberante leque da sua cauda em amplo ritual de acasalamento.
Enciumada com o desconcerto amoroso do marido e atemorizada pela possibilidade de tal comportamento transbordar para a praça pública, Zézinha interiorizou que a única forma de serenar o Pavão era acabar com aqueles encontros. Longe da vista longe do coração – pensava ela. Ora a única forma de travar as visitas inoportunas do Galinheiro seria devolver-lhe o Quintal. Em última estância competia ao marido aprovar tal requisito e, uma vez que ele nutria tanta admiração por aquelas pindéricas com certeza lhes faria o proveito. Conspirou influências junto dos partidos políticos alegando razões de estado e outras vantagens políticas e facilmente obteve o apoio destes. Depois do diploma ter sido aprovado em assembleia só faltava o despacho favorável e conciliador do marido.
O presidente acordou indisposto naquele dia. Sabia que todos os procedimentos legais estavam assegurados e que só lhe restava esgadanhar a assinatura para que O Galinheiro recuperasse O Quintal. Também sabia que isso lhe subtrairia o deleite daquelas ansiadas visitas e o prazer arrebatado daqueles momentos amorosos. Confrontado com este dilema contrariou todas as regras de bom senso. Num rasgo caprichoso de amante obsessivo, negou provimento às pretensões do Galinheiro e recusou esgadanhar o documento. Estava assim assegurada a continuidade das manifestações na capital.
Embora a sua decisão tenha sido vista com alguma perplexidade, foi acatada tranquilamente pelos agentes políticos da república. Afinal presidente é presidente - lá terá as suas razões. Um novo fulgor lhe assomou ao espírito devolvendo-lhe cores e exuberâncias julgadas perdidas. Porém, por razões incompreensíveis ao seu espírito, passaram-se meses e O Galinheiro não retomou as suas digressões, quedando-se lá por terras de Viriato em escaramuças com a polícia de choque e outras confrontações. Instado a pronunciar-se sobre estes acontecimentos o presidente não resistiu à transparência dos seus sentimentos e admitiu pesaroso:
- Isto não é um caso político. Isto é um caso de amor!
De imediato foi convocado o gabinete de emergência, reuniram-se assessores e conselheiros. Por razões de segurança nacional, confiscaram-se câmaras e gravadores, manietaram-se jornalistas e testemunhas e contrataram-se técnicos para adulterar as gravações. Como colmatar esta gaffe inconveniente e comprometedora? Logo o assessor de imprensa, astuto nestas andanças, arranjou prestimosa solução. O que Sua Excelência o Presidente da República afirmou foi que este caso não era um caso de política mas sim um caso de polícia.
Resolvido o “mal entendido” e inviabilizada qualquer fuga de informação, novas preocupações surgiram aos homens do presidente. O Pavão, agora em fim de mandato e angustiado pela saudade, insistia teimosamente em visitar aquelas terras na esperança de rever as suas amadas. Nada o demovia da ideia. Incapazes de o contrariar forjaram-se planos e traçados alternativos, polémicos e especulativos à época, mas eficazes na intenção. O presidente passeou-se por estas bandas mas o desejado reencontro foi evitado. Um mal menor devidamente justificado pelo chefe da Casa Civil da Presidência da República.
O Pavão nunca mais foi o mesmo. Caiu em profunda depressão e retirou-se frustrado, remoendo arrependimentos e desejos inconfessáveis. Ai o amor! O amor, tantas vezes incompreendido.
- Zézinha apaga a luz. Amanhã vamos a Canas de Senhorim.
- Irra! Raios partam o homem.
Bons repenicos