Ai queridas, estou toda depenada do toutiço das bicadas do meu Almerindo que não anda nada satisfeito comigo. Em primeiro lugar, por eu andar aqui a dar bicadas em jeito de reivindicação, pois que isto de política é coisa de galos, no que deve ter alguma razão, pois, se formos pelos nickenames, isto é mesmo coisa de machos (salvo a querida dona da prima , por quem eu não poria as mãos no fogo, pois pode ser, ainda assim, um galo a querer dar ao disfarce), e que o conteúdo das reclamações da Achadiça davam muito mau aspecto sobre a virilidade ateniense dos nossos galos que também pretendem instituir na História um novo conceito de Pólis.
É claro que me irritou o paternalismo intelectual dele ao pretender que vozes do mulherio não deviam ir além da capoeira, quanto mais destes mistérios internéticos que, passe a inocente pretensão, podem sempre tornar-se maiores do que aquilo que se espera e ainda mais do que o que se adivinha. Isto para não falar nas impensáveis aplicações pirata que material com o quilate das crónicas da Riça possa vir a ter. Há enormes confusões históricas que começaram por menos. Depois, irritou-me a minha ignorância cibernética e a concomitante comiseração dele por me meter nestas andanças, que segundo ele são blogues e termos em virtuês, provocando- me uma vontade imensa de romper a rede da capoeira e dar uma escapadela como ele se permite dar.
Fiz, por assim dizer, um movimento de emancipação interior que se traduziu catastroficamente na segunda razão pela qual o meu Almerindo ficou tão danado comigo e me pôs a poupa neste estado. Irritada com a mania que os galos têm de que cantam sempre melhor do que as galinhas e ainda mais com a ideia de que as galinhas são sua propriedade, não só material como intelectual, decidi trajar as penas e fazer uma incursão nocturna pelas tascas da terra. Queria ver o que faziam os galos quando se escapam das respectivas galinhas e se põem a cantar uns com os outros. Se me queria emancipar também podia sair sem o meu galo, direito que ele, como muitos que eu cá sei, julga ser exclusivo dos galos.
Primeiro fui ao Quebracristas. Era sobretudo franganada nova. Frangotes de andar atrevido a transbordar de hormonas desajeitadas e alguns galos capões de olhar comprometido muito abismados por me verem ali, á solta, de penas penteadas e bico pintado de vermelho. Alguns ainda olhavam à volta como quem se pergunta “onde andará o Almerindo?”. Por lá beberiquei uns coquetéis modernaços com essências importadas dos grandes aviários, mas o barulho estrangeiro da música dos frangos fez-me sentir deslocada e pus-me a andar para o gamelão do Ilídio a ver se lavava a goela com ração de Penalva e outras comedorias.
Ali, o ambiente discreto de café nas traseiras do centro, fazia afluir aqueles que gostam de dar nas vistas de forma mais madura. Intelectuais, pelo menos um que cofiava a barbela em ar de quem pensa no próximo artigo do jornal; líderes políticos e outros comprometidos que falam em ar de conspiração, assim como nós quando cacarejamos umas com as outras sobre a displicência dos nossos galos; filhos de ilustres que vêm apenas mostrar-se; outros que só lá estão porque sempre lá foram e ainda por cima podem ver o futebol a um palmo do bico. E eu, a ser cumprimentada por todo aquele cortejo-de-asas à laia de quem cumprimenta a esposa do Galo tal...
Gostei da ração de Penalva e mandei repetir, o que transformou o manejar cerimonioso dos presentes em olhares de soslaio e sorrisinhos cúmplices de pensamento comum: se fosse a minha galinha, punha-lhe ordem naquelas penas. Tive a sorte de não encontrar lá o Almerindo que, como se sabe, passa todas as noites à solta, mas além disso, e da ração que já começava a pôr-me a crista num vermelho embaraçoso, não encontrei a resposta que procurava que era saber por que carga de água gostam tanto certos galos desta capoeira de sair à noite e deixar as galinhas em casa. Sim, meninas, não foi só raiva e rebeldia que me levou ao devaneio. Movia-me uma inquietação intelectual e, sobretudo política, aliás, a verdadeira razão pela qual me pus a navegar nestes blogues que já de si não inspiram nenhuma confiança ao meu Almerindo.
Como quem persegue grãos de milho, dirigi-me para terrenos mais afastados e fui acabar noutro quintal, no poleiro do Galo do Laço, onde há sempre festa da rija. Aí franganotes já conhecidos e muito bebidos esganiçavam-se no palco num frenesim de barulho ao vivo e a sensação que se tem é de que está tudo bêbado. Entrei e alguns conhecidos olharam para mim como quem procura o habitual Almerindo a emborcar copos. O facto de estar sozinha não pareceu incomodar ninguém, antes pelo contrário. O galo patrão desfez-se em delicadezas de ração e outras melodias. Gostei, e quando voltei à capoeira já o dia tinha rompido e já o Almerindo cantara a aurora no pior dos seus garganteios - então já não lhe chega cacarejar, agora já pula fora da capoeira? Se queres abrir a asas, abre-as agora e cacareja lá.- e foi assim que fiquei com o toutiço neste estado.
Mas fizemos as pazes, e eu até gostei. Tem razão a amiga da Achadiça: mulher que não reclama, padece na cama. Isto é, gostei pelo menos da primeira parte, pois o meu Almerindo quando está zangado gosta de afirmar-se pela displicência. Primeiro faz questão de se mostrar muito farto, só para desmentir as bicadas que andou a dar. Depois, para deixar bem claro que o poder é do galo, quando chega à última bicada, come todo o milho que resta e eu fico com o bico vazio no último grão. Penso que é só para me irritar, pois uma capoeira política e culturalmente empreendedora, como a nossa, não pode esquecer o mandamento fundamental de não fazermos ao outro o que não queremos que nos façam a nós e, muito menos, chocar galos que desprezam o orgasmo das galinhas.
Mas deixemo-nos de milho. Essa é uma questão cuja pertinência política fica para outra altura. A preocupação, também política, que me move nesta bicada é a de compreender as razões pelas quais a noite faz desaparecer as galinhas deixando os lugares de convívio nocturno ao domínio completo dos galos. Uma galinha perdida numa tasca é logo fixada pelos radares vindos de todo o tipo de galos à solta, uns janotamente ajeitando as asas, outros de crista descaída a emborcar copos, outros, descaídos de outras coisas, a tentar disfarçar, e outros que até dá pra ver. E as galinhas? Que lhes fazem quando não é Carnaval? E se esta não é uma questão pertinente, então, porque andam eles aparentemente tão solitários tanto nas tascas como na net? Estes solitários galos não têm mulheres a cacarejar como eu? Ou, tal como o meu Almerindo, assumem, ainda, que assuntos de mulherio não são assuntos realmente sérios, esquecendo que grandes problemas políticos foram chocados na capoeira.
Pois, minhas amigas, se eles não arrebitam daquelas cristas, anuncia-se uma verdadeira revolta das galinhas e a consequente alteração das regras do jogo, segundo princípios mais equitativos na distribuição do milho. Prometo-vos mais congeminações, assim me assista a razão e não me falte a ração.
Boas minhocas
É claro que me irritou o paternalismo intelectual dele ao pretender que vozes do mulherio não deviam ir além da capoeira, quanto mais destes mistérios internéticos que, passe a inocente pretensão, podem sempre tornar-se maiores do que aquilo que se espera e ainda mais do que o que se adivinha. Isto para não falar nas impensáveis aplicações pirata que material com o quilate das crónicas da Riça possa vir a ter. Há enormes confusões históricas que começaram por menos. Depois, irritou-me a minha ignorância cibernética e a concomitante comiseração dele por me meter nestas andanças, que segundo ele são blogues e termos em virtuês, provocando- me uma vontade imensa de romper a rede da capoeira e dar uma escapadela como ele se permite dar.
Fiz, por assim dizer, um movimento de emancipação interior que se traduziu catastroficamente na segunda razão pela qual o meu Almerindo ficou tão danado comigo e me pôs a poupa neste estado. Irritada com a mania que os galos têm de que cantam sempre melhor do que as galinhas e ainda mais com a ideia de que as galinhas são sua propriedade, não só material como intelectual, decidi trajar as penas e fazer uma incursão nocturna pelas tascas da terra. Queria ver o que faziam os galos quando se escapam das respectivas galinhas e se põem a cantar uns com os outros. Se me queria emancipar também podia sair sem o meu galo, direito que ele, como muitos que eu cá sei, julga ser exclusivo dos galos.
Primeiro fui ao Quebracristas. Era sobretudo franganada nova. Frangotes de andar atrevido a transbordar de hormonas desajeitadas e alguns galos capões de olhar comprometido muito abismados por me verem ali, á solta, de penas penteadas e bico pintado de vermelho. Alguns ainda olhavam à volta como quem se pergunta “onde andará o Almerindo?”. Por lá beberiquei uns coquetéis modernaços com essências importadas dos grandes aviários, mas o barulho estrangeiro da música dos frangos fez-me sentir deslocada e pus-me a andar para o gamelão do Ilídio a ver se lavava a goela com ração de Penalva e outras comedorias.
Ali, o ambiente discreto de café nas traseiras do centro, fazia afluir aqueles que gostam de dar nas vistas de forma mais madura. Intelectuais, pelo menos um que cofiava a barbela em ar de quem pensa no próximo artigo do jornal; líderes políticos e outros comprometidos que falam em ar de conspiração, assim como nós quando cacarejamos umas com as outras sobre a displicência dos nossos galos; filhos de ilustres que vêm apenas mostrar-se; outros que só lá estão porque sempre lá foram e ainda por cima podem ver o futebol a um palmo do bico. E eu, a ser cumprimentada por todo aquele cortejo-de-asas à laia de quem cumprimenta a esposa do Galo tal...
Gostei da ração de Penalva e mandei repetir, o que transformou o manejar cerimonioso dos presentes em olhares de soslaio e sorrisinhos cúmplices de pensamento comum: se fosse a minha galinha, punha-lhe ordem naquelas penas. Tive a sorte de não encontrar lá o Almerindo que, como se sabe, passa todas as noites à solta, mas além disso, e da ração que já começava a pôr-me a crista num vermelho embaraçoso, não encontrei a resposta que procurava que era saber por que carga de água gostam tanto certos galos desta capoeira de sair à noite e deixar as galinhas em casa. Sim, meninas, não foi só raiva e rebeldia que me levou ao devaneio. Movia-me uma inquietação intelectual e, sobretudo política, aliás, a verdadeira razão pela qual me pus a navegar nestes blogues que já de si não inspiram nenhuma confiança ao meu Almerindo.
Como quem persegue grãos de milho, dirigi-me para terrenos mais afastados e fui acabar noutro quintal, no poleiro do Galo do Laço, onde há sempre festa da rija. Aí franganotes já conhecidos e muito bebidos esganiçavam-se no palco num frenesim de barulho ao vivo e a sensação que se tem é de que está tudo bêbado. Entrei e alguns conhecidos olharam para mim como quem procura o habitual Almerindo a emborcar copos. O facto de estar sozinha não pareceu incomodar ninguém, antes pelo contrário. O galo patrão desfez-se em delicadezas de ração e outras melodias. Gostei, e quando voltei à capoeira já o dia tinha rompido e já o Almerindo cantara a aurora no pior dos seus garganteios - então já não lhe chega cacarejar, agora já pula fora da capoeira? Se queres abrir a asas, abre-as agora e cacareja lá.- e foi assim que fiquei com o toutiço neste estado.
Mas fizemos as pazes, e eu até gostei. Tem razão a amiga da Achadiça: mulher que não reclama, padece na cama. Isto é, gostei pelo menos da primeira parte, pois o meu Almerindo quando está zangado gosta de afirmar-se pela displicência. Primeiro faz questão de se mostrar muito farto, só para desmentir as bicadas que andou a dar. Depois, para deixar bem claro que o poder é do galo, quando chega à última bicada, come todo o milho que resta e eu fico com o bico vazio no último grão. Penso que é só para me irritar, pois uma capoeira política e culturalmente empreendedora, como a nossa, não pode esquecer o mandamento fundamental de não fazermos ao outro o que não queremos que nos façam a nós e, muito menos, chocar galos que desprezam o orgasmo das galinhas.
Mas deixemo-nos de milho. Essa é uma questão cuja pertinência política fica para outra altura. A preocupação, também política, que me move nesta bicada é a de compreender as razões pelas quais a noite faz desaparecer as galinhas deixando os lugares de convívio nocturno ao domínio completo dos galos. Uma galinha perdida numa tasca é logo fixada pelos radares vindos de todo o tipo de galos à solta, uns janotamente ajeitando as asas, outros de crista descaída a emborcar copos, outros, descaídos de outras coisas, a tentar disfarçar, e outros que até dá pra ver. E as galinhas? Que lhes fazem quando não é Carnaval? E se esta não é uma questão pertinente, então, porque andam eles aparentemente tão solitários tanto nas tascas como na net? Estes solitários galos não têm mulheres a cacarejar como eu? Ou, tal como o meu Almerindo, assumem, ainda, que assuntos de mulherio não são assuntos realmente sérios, esquecendo que grandes problemas políticos foram chocados na capoeira.
Pois, minhas amigas, se eles não arrebitam daquelas cristas, anuncia-se uma verdadeira revolta das galinhas e a consequente alteração das regras do jogo, segundo princípios mais equitativos na distribuição do milho. Prometo-vos mais congeminações, assim me assista a razão e não me falte a ração.
Boas minhocas
2 comentários:
Diz bem pouco, este comentário do sr. Município de Canas de Senhorim.
Pelo contrário, é bastante eloquente no respectivo blogue.
Perdoe- me a ignorância 'evirtual',e a mania de inventar palavras, mas devo entendê-lo como consulta curiosa ou 'insulta' apenas publicitária?
graciosamente
E, já agora, parabéns pelo 'blogue',conhecê-lo foi um prazer, e pela oportunidade de me comentar a mim mesma que também adoro.
Uma galinha ao seu dispôr.
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