domingo, outubro 29, 2006

O meu homem da pizza

Ontem enviou-me uma mensagem muito pouco profissional. Hoje atirou-se de cabeça. Logo no elevador, onde não raras vezes me ocorre que deve ser um sítio excelente para amar. Creio que é no filme “Atracção Fatal“, que a Glenn Close e o Michael Douglas têm uma cena escaldante no elevador. Embora no filme aquela paixão acabasse muito mal, não me apoquentaram receios nem eu me revi no papel trágico de uma Glenn Close desmesurada.
Soube-me bem ser atirada contra a parede fria de alumínio e invadida por aquele cheiro a perfume masculino. Foi um beijo rasgado, quase roubado pela surpresa do gesto. Teve a delicadeza de não me tocar com as mãos. Só a boca dele rasgando a minha e a pressão do corpo dele sobre o meu. Entrevi-me no espelho, braços descaídos, na mão direita a pasta, o braço esquerdo sabia-o ocupado pelo saco. Não me lembro onde ele tinha as mãos, sei que não me tocou com elas. Eu também não. Ficámos suspensos pela boca, a trocar paladares de café matinal e hálitos a menta dentífrica.
Plim, 5º andar. «Vemo-nos ao almoço…», não percebi se perguntou se afirmou, nem a porta do elevador deu tempo para mais qualquer esclarecimento. Fiquei sozinha, descomposta por dentro, a saborear.
Plim, 7º andar. Saí.
Devolvida à realidade do escritório comecei a congeminar desgraças. Logo agora que já tinha conseguido a tranquilidade emocional que o divórcio me privou. Tão bem que estava, eu a gata e os meus livros, a minha música, os meus filmes, sem nenhum homem no horizonte, livre de mágoas e desamores. Um beijo, um simples beijo veio agitar e criar tumulto nesta minha cabeça, que em vez de estar concentrada no que diz o meu interlocutor, paira e gira e roda com o vento, como liceal iniciada em baile de finalistas.
Passei uma manhã em desassossego, desejando e temendo a hora de almoço. Se ele não telefona é porque vai aqui aparecer. Ele é que disse «vemo-nos ao almoço». Será que perguntou e espera que eu lhe ligue a confirmar. Se quer almoçar comigo é ele que deve telefonar. Eu sou uma rapariga prática, mas nestas coisas de jogos amorosos sou uma nulidade. Não, não lhe posso telefonar. E se ele não telefonar, provavelmente está à espera que eu diga qualquer coisa, pois o elevador não deu tempo para eu responder, mas, se está interessado, podia ligar para combinar. Já sei, vou ligar a dizer que tenho uma reunião perto do meio dia e que não sei se consigo ir almoçar, qual almoçar qual quê, ele não me convidou para almoçar, vermo-nos ao almoço pode ser vermo-nos no bar, onde costumamos tomar café, vou é dizer-lhe que, que… que se lixe, não vou dizer nada.
A cada retinir do telefone nova esperança e eu a sentir-me cada vez mais ridícula, lembrando-me daquela brincadeira da Achadiça a propósito de uma reunião. Nunca mais é meio-dia. Uma manhã inteira e eu não consegui alinhar duas palavras no raio do memorando. Lá vou ter que levar TPC, logo hoje que dá o Empire Falls. E se for almoçar com ele, provavelmente venho tarde e “sabe deus como” e então é que não vou fazer nada...
- Está aqui um moço da “Pizza na Brasa” com uma pizza p’ra doutora.
Uma pizza para mim! E com um bilhetinho... «Espero-a no jardim. Pode trazer a encomenda por favor, enquanto está quentinha?».
Cabrão. Ai que lá vou eu outra vez.

PS: Detesto pizza.

2 comentários:

Cingab disse...

Muita qualidade!... É sempre bom lê-la

PortugaSuave disse...

Muito agradável de ler.
Cumprimentos