terça-feira, agosto 01, 2006

Uma história em três actos - Acto II

Rita conheceu e apaixonou-se pelo Vasco. Encontraram-se a meio caminho, entre a urbanidade desencantada dela e o apelo rural dele.
Ele, Beirão de nascença, espreguiçava da boémia parisiense e dos prazeres mundanos com que preencheu a vida, acalentando vagamente o retorno às origens na companhia desta paixão tardia, convicto que a felicidade pode bem ser uma casinha pequenina onde se possa amar com bonomia. Homem experimentado, inteligente e espirituoso não se deixou intimidar pela responsabilidade que implicava assumir aquela paixão e, reflectidamente, terminou a relação gasta com a sua ex-mulher, para se entregar de corpo e alma a esta outra, mesmo que consciente do quão imprevisíveis eram os caminhos deste amor e da volatilidade caprichosa da Rita.
Ela abraçou a vida aos trinta e tal com o mesmo ímpeto que abraçou a droga aos catorze. É possessiva e de paixões desenfreadas; tudo ou nada - no meio não tenho virtude nenhuma - diz ela, insinuando o gesto obsceno, reminiscência de deambulações pelo Casal Ventoso – tenho ânsias de viver que me turvam a razão… e depois? Egoísta eu! Apanhei a último vagão do comboio da vida, mereço-o todo… tenho pressa de viver que a vida é água a correr, venho do fundo do tempo, não tenho tempo a perder. Sem licença! Sem licença, sem licença quero passar, trago boca p’ra comer e olhos para desejar – aqui, ao poema do Gedeão, acrescenta a respectiva música e eu, deleitada com a sua avidez, aquiesço com um sorriso complacente.
Vasco fez projectos, galgou quilómetros, apoiou, deu, deu-se. Rita porém, na sua busca de vida, brincava com o homem que elegera amar. As traições, embora inconsequentes, sucediam-se e, ainda que Vasco as desvalorizasse com a compreensão de homem mais velho, quase paternal, a sua complacência ameaçava esgotar-se perante a temeridade e o estouvamento dela. Várias rupturas e outras tantas reconciliações ocorreram nestes seis anos de relação. Os amigos habituaram-se aos desencontros cíclicos do casal e deixaram de questionar aquele amor, aceitando aquela realidade com a naturalidade possível. Eu, expectante, mas crente na paixão dos dois, aplacava queixas e inconformismos mútuos próprios de quem ainda se quer, enternecida pelos tropeções daquele namoro que rapidamente assumiu contornos de normalidade aos nossos olhos, mesmo que invulgar ao olhar alheio.


(continua)

1 comentário:

PortugaSuave disse...

Já não me lembrava desse poema do Gedeão. Acho que era cantado pelo Samuel (o que será feito dessa alma). Mas o poema é fantástico...alias como todos os do Gedeão. A história é verdadeira ou é ficção? Isto é uma pergunta estúpida, mas se for verdadeira a sua amiga, independentemente dos desvarios, deve ser uma pessoa interessante de conhecer... não de amar, pelos vistos.