quarta-feira, maio 16, 2007

Crónicas da Galinha Riça - O Decepado

Corria o ano de 1476 quando portugueses e castelhanos se defrontaram na batalha de Toro. Conta-se que um tal de Duarte de Almeida, alferes-mor de Afonso V, acossado pelos castelhanos, resistiu heroicamente ao confronto mantendo o estandarte real português nos dentes após diversos golpes do adversário lhe terem decepado os membros superiores e sabe-se lá que outras partes do corpo, não fosse o pudor histórico da heroicidade sensível a descrições mais pormenorizadas.
Mas esta é a história oficial contada aos quadradinhos nos compêndios infantis com que se apela ao patriotismo das criancinhas. Na verdade, os acontecimentos foram muito diferentes, ainda que, como veremos, o resultado tenha sido o mesmo.
Por morte do rei de Castela, D. Henrique IV, O Impotente, casado com D. Joana de Portugal, irmã do nosso rei, D. Afonso V, acusada de ser amante de um tal de D. Béltran de La Cueva, relação que originou o aviltante título de “A Beltraneja” à então infanta Joana, única herdeira ao trono de Castela, ficou a sucessão comprometida, uma vez que, conjuntamente com a impotência, pendia sob D. Henrique IV a suspeita de homossexualidade e sob D. Joana de Portugal a prática de adultério (jeitosos, estes). Perante este regabofe, dividiu-se a nobreza castelhana que impugnou a coroação da infanta Joana, alegadamente filha ilegítima, a favor de sua tia, D. Isabel, irmã de D. Henrique IV.
Ora, o nosso rei, descortinando vantagens para a coroa portuguesa e desconhecedor ainda do célebre ditado “de Espanha nem bom vento nem bom casamento”, não quis saber destes desvios de alcova. Casa com a sobrinha, a infanta Joana, reclama para si o direito de reinar sobre Portugal e Castela e invade o país vizinho. O desenrolar desta invasão culmina na batalha de Toro, ali para os lados de Zamora, que opôs portugueses e alguns castelhanos que apoiavam a pretensão de Afonso V a castelhanos e aragoneses que apoiavam a irmã de D.Henrique IV, D. Isabel. É verdade que esta união não tinha muitos adeptos por parte de Castela, mas mesmo assim ainda tivemos o apoio de alguns nobres castelhanos que tinham jurado fidelidade à princesa “Beltraneja”. E é aqui que começa a confusão que viria a dar origem à verdadeira história do Decepado.
Naquele tempo as diversas casas nobres, como a do duque de Barcelos ou do Duque de Coimbra, tinham os seus próprios brasões que hasteavam nos respectivos porta-estandartes. Para além de identificar a sua posição no campo de batalha serviam de sinalética para desenvolver estratégias de combate. Dada a presença de alguns nobres castelhanos, fiéis à princesa e aliados de Portugal, na preparação da batalha de Toro, para evitar confusões de cores e garantir a eficácia das manobras, determinou-se que todos os bastiões lutariam debaixo do mesmo pavilhão, o brasão da casa real portuguesa, neste caso o brasão pessoal de D. Afonso V. Porém, à revelia do combinado, um dos bastiões portugueses não acatou tal determinação e integrou um dos flancos do exército português com um estandarte cujo brasão não correspondia nem às cores nem à forma estabelecidas. Ainda hoje não se sabe ao certo, mas alguns historiadores afirmam que tal atitude reflectia um certo sentimento de impunidade de alguns aristocratas que entretanto tinham acumulado poder e constituíam verdadeiros reinos dentro do reino. Seja como for, tenha sido por soberba, incúria ou negligência grosseira, o certo é que o alferes Duarte de Almeida, por inerência, responsável pelo estandarte cujo estranho brasão desirmanava dos demais, foi de imediato bordoado por uma carga de valentes portugueses que no tropel da batalha o julgaram cavaleiro da hoste inimiga. Foi tal o desentendimento que o acossado acabou desmembrado pelos feros golpes dos próprios camaradas de armas. Valeram-lhe os castelhanos que, testemunhando a carnificina e julgando-o dos seus, o recolheram moribundo e lhe pagaram tributo em vida pelo controverso acto de bravura.
A batalha foi um fracasso. Sem honra nem glória os nobres portugueses deram conta a D. Afonso V da história do malogrado Duarte de Almeida. Com a mestria que caracteriza os grandes soberanos o nosso rei viu ali uma oportunidade para que nem tudo tivesse sido em vão. Perdida a honra salve-se o convento, vociferou o monarca.
Todos sabemos que para ultrapassar psicologicamente uma grande derrota são necessárias pequenas vitórias, sobretudo se coloridas com actos heróicos de reconhecida valentia. Foi com este pensamento que o rei ordenou que se voltasse ao campo de batalha aproveitar o desaproveitável para disso fazer glória escrita. Por entre amputações e esquartejamentos arrecadaram-se as preciosas sobras anatómicas dos mutilados que, para orgulho nacional, haveriam de contar a história do Decepado.
Da moral desta história tirai vós as vossas conclusões.

Bons repenicos

3 comentários:

Achadiça disse...

Ai!

Cingab disse...

lolo

Anónimo disse...

Até à persente data só conhecia a a historia aos quadradinhos, que me foi contade quando criançinha. lol. só hoje fikei a conhcer a verdadeira historia do decepado, e acreditem que é bem melhor que qualquer anedota que ja me foi contada. é de rir a nossa história, embora reconheça que a historia espanhola tambem deve ter os seus musts. concerteza....