segunda-feira, maio 07, 2007

Amores quase perfeitos

“Soubesse eu amar como sabes escrever”, dizes, como se isso me servisse de grande coisa.
Soubesse eu escrever como gosto de amar e contar-te-ia histórias infindáveis, daquelas que tu detestas, sobre as mil maneiras de amar. E de como precisas de te esgotar, primeiro, para reconhecer o quanto gostas disso.
“Gosto muito de ti”, murmuras culpado. Como se só nesse momento o descobrisses e, com o acto de mo comunicar, expiasses o pecado de andar o tempo todo a negá-lo. Ou, como forma de te redimires, por seres tão levianamente narcisista, a ponto de dizeres isso, no mesmo tom com que dirias, logo a seguir, depois de me ter metido as mãos entre as pernas, “estou farto de mulheres, mas não gosto de homens”.
Sorrateiro. Vens estafado dos velhos truques, mas o ter farejado os lugares das velhas caçadas, aguça-te o instinto moribundo. Queres sexo! Com falinhas mansas enrolas-me! Queres tratar-me bem, queres-me para ti, que eu te faça vir e depois te deixe dormir. E eu, que já conheço o filme - apazigua-me entre as tuas pernas e não me faças perguntas - mais vale um pássaro na mão, aproveito o ensejo e troco a elevação da escrita pelo ritual envergonhado do amor em versão porno-decadente.
“Soubesse eu escrever como gosto de amar”, e poderia contar-te muitos outros romances, do género dos que tu detestas, mas tu dormes profundamente destilando abismos. Os amores perfeitos brilham ao sol no parapeito da janela que eu não posso abrir, para não te acordar. Se estivessem do lado de dentro, diriam, “está um dia tão bonito lá fora e nós aqui mais mortos do que vivos”...
Levanto-me e saio do quarto tentando não te acordar. Visto o fato de treino. Vou caminhar. Preciso de fazer ginástica. Estou a engordar, a perder a cintura, tenho de fazer alguma coisa, senão...
De repente o computador faz um pequeno ruído. Os miúdos deixaram-no ligado! Vou até ele. Deparo-me com os “amores perfeitos” e ponho-me a pensar na subtil profundidade que queres que eu reconheça nas tuas palavras. São belas, cheias de referências e sensibilidade, mas não conseguiram apagar o impacto da confissão inicial.
Por que razão haverias tu de “saber amar como eu sei escrever”, se sabes, muito melhor do que eu, escrever memórias tristes de putas perfeitas e amores de cama à janela aberta!
Está frio nesta casa! Afinal é demasiado tarde e já não vou caminhar. Tenho de te acordar...

Sem comentários: