Ninguém se consegue divorciar realmente em Canas. Pode-se oficialmente adquirir esse estatuto, agora divórcio pleno, não me parece. Não será uma situação exclusiva da nossa terra pois o problema é transversal às terras de pequena dimensão, mas das outras não conheço os meandros, por isso fiquemos pela nossa.
A percentagem de divórcios vem, à semelhança dos índices nacionais, aumentando significativamente. As razões são muitas e variadas, desde a mais ténue insatisfação à extrema violência que se instala no seio familiar. Se, noutros tempos os elementos do casal se sujeitavam a uma vivência dolorosa, mantendo aparências e conveniências materiais, hoje em dia, o direito ao inconformismo impõe novas regras e precipita o casal para a separação, a bem da sanidade mental de ambos, a bem dos filhos e da dignidade pessoal de cada um.
Mudaram muitas coisas, mas o que basicamente tornou possível a quebra das regras de outrora foi a mudança de mentalidade e a autonomia financeira que as mulheres entretanto conquistaram.
A idade em que maior parte dos divórcios ocorre situa-se entre os trinta e os quarenta anos. E aqui é que as coisas se complicam para os divorciados(as) canenses. Não ignorando as dificuldades que os homens divorciados também sentem, sinto-me mais à vontade para falar delas, de nós, mulheres.
Uma mulher com cerca de 35 anos divorcia-se. Ultrapassada a fase emocional da questão pensa reorganizar a cabeça e relançar a sua vida amorosa, mas logo verifica que isso não é simples. Como a distância é pequena, o ex-marido não lhe sai da porta, ou à caça de uma sopita, ou porque quer ver o filho, ou porque teima em não levar a tralha e a cada necessidade invade a casa.
Isto aplica-se a quase todos. A casa, que ainda é dos dois, embora o usufruto seja dela e do filho, dá-lhes direitos de visitas repentinas, isto quando não vêm de mansinho matar saudades do sofá predilecto. Aparecem sem um telefonema, um aviso e sempre com fome. Às vezes fome de amor, estampada no rosto e nas mãos. E nós, eternamente maternais, condescendemos.
Menos frequentes mas de igual modo confrangedoras são as visitas dos avós paternos. A avó debita o discurso do costume, “olha o que cresceu o nosso netinho! E está cada vez mais parecido com o pai. Ó rapariga, nem imaginas como ele anda triste… ó João dá aí 20 euros p’ró menino”, o avô tira contrariado o dinheiro da carteira e continua a sondar os cantos à casa, na expectativa de encontrar rasto de macho cobridor. Sai-se de casa angustiada, a perguntarmo-nos quando cortamos definitivamente com estas visitas, mas lá fora a situação não melhora. Na rua, nos cafés, no mercado, enfim, em todo o lado, lá estão os cunhados, os amigos dele e, inevitavelmente, o próprio, o ex-marido. O puto corre para o pai e lá ficamos nós penduradas, na incerteza do gesto a adoptar: sentarmo-nos ao pé do ex-marido, como se o divórcio fosse um capricho, ou aguardarmos estupidamente de pé pelo fim dos afagos que o pai faz questão em eternizar? Preserve-se acima de tudo o rebento - Sr. Ilídio, uma bica dupla… por acaso não tem por aí o jornal? – ou então, em desespero, a desculpa esfarrapada do costume – anda, vamos embora que ainda tens que fazer os trabalhos de casa. E o puto que não, que não tem TPC. E nós à beira de um ataque de nervos.
Mas há mais. Canas é uma terra em que habitualmente os jovens casam cedo. Por volta dos vinte seis, vinte e sete anos, está tudo despachado. Os que restam ou são cromos ou algum problema devem ter, logo estão dispensados. Ora, digam-me lá para onde se vira uma divorciada com trinta e poucos anos? Pois, não se vira nem há quem a vire. Homens casados estão fora de questão, os divorciados trazem para a cama a ex-mulher, os filhos e até o cão, enfim, a nostalgia do casamento falhado; e os rapazitos novos, ainda que apetecíveis, não possuem a discrição recomendada. Mesmo assim, se porventura arranjarmos alguém concertado, sentimos logo os olhares censuráveis da populaça e o juízo crítico dos familiares, já para não falar da birra ciumenta do ex-marido. Perante isto, digam-me lá qual a solução para uma divorciada canense com trinta e poucos anos?
É por isso que amanhã vou a Lisboa ter com o meu homem da pizza. Isto se o meu ex-marido ficar com o miúdo e não ler este texto.
Boas minhocas e bom fim de semana para vocês também.
A percentagem de divórcios vem, à semelhança dos índices nacionais, aumentando significativamente. As razões são muitas e variadas, desde a mais ténue insatisfação à extrema violência que se instala no seio familiar. Se, noutros tempos os elementos do casal se sujeitavam a uma vivência dolorosa, mantendo aparências e conveniências materiais, hoje em dia, o direito ao inconformismo impõe novas regras e precipita o casal para a separação, a bem da sanidade mental de ambos, a bem dos filhos e da dignidade pessoal de cada um.
Mudaram muitas coisas, mas o que basicamente tornou possível a quebra das regras de outrora foi a mudança de mentalidade e a autonomia financeira que as mulheres entretanto conquistaram.
A idade em que maior parte dos divórcios ocorre situa-se entre os trinta e os quarenta anos. E aqui é que as coisas se complicam para os divorciados(as) canenses. Não ignorando as dificuldades que os homens divorciados também sentem, sinto-me mais à vontade para falar delas, de nós, mulheres.
Uma mulher com cerca de 35 anos divorcia-se. Ultrapassada a fase emocional da questão pensa reorganizar a cabeça e relançar a sua vida amorosa, mas logo verifica que isso não é simples. Como a distância é pequena, o ex-marido não lhe sai da porta, ou à caça de uma sopita, ou porque quer ver o filho, ou porque teima em não levar a tralha e a cada necessidade invade a casa.
Isto aplica-se a quase todos. A casa, que ainda é dos dois, embora o usufruto seja dela e do filho, dá-lhes direitos de visitas repentinas, isto quando não vêm de mansinho matar saudades do sofá predilecto. Aparecem sem um telefonema, um aviso e sempre com fome. Às vezes fome de amor, estampada no rosto e nas mãos. E nós, eternamente maternais, condescendemos.
Menos frequentes mas de igual modo confrangedoras são as visitas dos avós paternos. A avó debita o discurso do costume, “olha o que cresceu o nosso netinho! E está cada vez mais parecido com o pai. Ó rapariga, nem imaginas como ele anda triste… ó João dá aí 20 euros p’ró menino”, o avô tira contrariado o dinheiro da carteira e continua a sondar os cantos à casa, na expectativa de encontrar rasto de macho cobridor. Sai-se de casa angustiada, a perguntarmo-nos quando cortamos definitivamente com estas visitas, mas lá fora a situação não melhora. Na rua, nos cafés, no mercado, enfim, em todo o lado, lá estão os cunhados, os amigos dele e, inevitavelmente, o próprio, o ex-marido. O puto corre para o pai e lá ficamos nós penduradas, na incerteza do gesto a adoptar: sentarmo-nos ao pé do ex-marido, como se o divórcio fosse um capricho, ou aguardarmos estupidamente de pé pelo fim dos afagos que o pai faz questão em eternizar? Preserve-se acima de tudo o rebento - Sr. Ilídio, uma bica dupla… por acaso não tem por aí o jornal? – ou então, em desespero, a desculpa esfarrapada do costume – anda, vamos embora que ainda tens que fazer os trabalhos de casa. E o puto que não, que não tem TPC. E nós à beira de um ataque de nervos.
Mas há mais. Canas é uma terra em que habitualmente os jovens casam cedo. Por volta dos vinte seis, vinte e sete anos, está tudo despachado. Os que restam ou são cromos ou algum problema devem ter, logo estão dispensados. Ora, digam-me lá para onde se vira uma divorciada com trinta e poucos anos? Pois, não se vira nem há quem a vire. Homens casados estão fora de questão, os divorciados trazem para a cama a ex-mulher, os filhos e até o cão, enfim, a nostalgia do casamento falhado; e os rapazitos novos, ainda que apetecíveis, não possuem a discrição recomendada. Mesmo assim, se porventura arranjarmos alguém concertado, sentimos logo os olhares censuráveis da populaça e o juízo crítico dos familiares, já para não falar da birra ciumenta do ex-marido. Perante isto, digam-me lá qual a solução para uma divorciada canense com trinta e poucos anos?
É por isso que amanhã vou a Lisboa ter com o meu homem da pizza. Isto se o meu ex-marido ficar com o miúdo e não ler este texto.
Boas minhocas e bom fim de semana para vocês também.
2 comentários:
lol
Vá lá então carregar essas baterias :D
Cumprim
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