segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Delírios

Adoeci neste carnaval. No estertor da gripe vi-me confrontada com febres altas e delírios surrealistas, situação que por certo adulterou completamente a minha interpretação dos factos. Não concebo outra explicação para os acontecimentos que me foram dados apreciar.
Portanto, desculpem, se a minha alucinação febril moldou os acontecimentos na forma como os presenciei.
Tudo começou no Domingo de carnaval. O Paço causava furor com uma excelente frente de marcha, onde ponteavam belos trajes e uma alegria inigualável. Depois, ao longo da marcha podiam apreciar-se inúmeros grupos foliões que mostravam originalidade e bom gosto. Os carros alegóricos de elevado recorte artístico, complementavam um corso fantástico que, incorporando a tradicional Banda de Música, arrematava com uma alusão satírica às condições do sistema de saúde. Pelo meio podíamos apreciar o excelente efeito produzido pelo movimentos dos golfinhos num carro simples mas muito bem conseguido, a divertida sátira da “Bandalhoca”, os "ghostbusters" dos computadores, as “Floribelas”, enfim, uma diversidade de referências e representações que asseguraram a genuinidade do nosso carnaval.
Por oposição, o Rossio causava dó. Lá levava a marchita meia composta, mas desfilando sem graça nem criatividade. Os carros eram de bradar aos céus e, foi nesta atitude que lá consegui vislumbrar um carrito jeitoso, único na mostra. Uma águia mijona, que a cada movimento mecânico, derramava óleo por tudo quanto era lado. Ainda têm muito que aprender para se meterem nestas coisas mecânicas.
Mas a coisa até passava despercebida se a páginas tantas não dou comigo a ouvir a marcha do Rossio interpretada por uns rapazes enfastiados e pouco convictos do papel que estavam a representar. Lá iam vestidos no rigor do funeral, sem uma fantasia, uma pintura, algo que nos indicasse que integravam efectivamente um cortejo carnavalesco. Uma tristeza. Ressalvo o cantor que tentava contrariar aquele triste quadro sonoro.
Com o passar dos dias a febre foi aumentando, mas mesmo assim, na terça-feira, lá fui até às Quatro-Esquinas para assistir ao despique. Mas a febre não perdoa e com ela veio o completo delírio. Então não é que, e juro que foi isto que vi, ou que a alucinação deixou entrever, dou com o Rossio a gritar histericamente sozinho, abandonado à sua teimosia e reduzido a meia dúzia de gatos-pingados. Ainda surpresos, interrogavam-se frustrados sobre o porquê de tamanha ingratidão, logo este ano que cumpriram meticulosamente o acordado na reunião preliminar entre as direcções de ambos os bairros. Já não vale a pena sermos honestos e cumpridores da nossa palavra, comentavam.
Consciente que a alucinação febril estava a toldar-me a mioleira fui meter-me rapidamente entre mantas para ver se recuperava a tempo de dar uma saltada ao baile do Paço que, como sabemos vem perdendo adeptos de ano para ano e como tal convém apoiar e participar. Mas que raio! De novo o delírio febril atacou sem dó nem piedade. Então não é que o Salão dos Bombeiros estava completamente cheio. Velhos e novos dançavam acaloradamente ao ritmo das marchas e outras músicas adequadas.
Definitivamente, o meu estado de saúde deteriorava-se de hora a hora e foi com alguma mágoa que abandonei o baile.
Acordei na quarta-feira com a sensação de que as minhas visões só poderiam ter resultado da febre gripal que me atacou. Nesse dia ainda não estava bem certa da realidade dos acontecimentos. Se eram efectivamente reais ou não passavam de delírios febris. Era bom demais para ser verdade. Comecei a melhorar e arranjei tempo para navegar nos berloques. Bom, lá vou ser confrontada com a realidade, pensei eu, quando acedi ao berloque do Carnaval. A princípio, ainda tímida, comecei a gostar do que via. Afinal estavam ali registos que coincidiam com os meus. As fotos não enganavam, os filmes também não, os testemunhos idem aspas... queres ver que está tudo alucinado e a delirar!!!
Aos poucos lá fui percebendo que afinal eu não fui a única atacada pelo vírus. Havia muitos mais, todos com a mesma versão dos acontecimentos. Eu já tinha ouvido falar destes comportamentos colectivos. Acontecem frequentemente nos campos de futebol e noutros sítios onde a catarse colectiva é motivada pela fé e pela paixão. Um livre dois metros fora da área pode, através deste fenómeno, transformar-se por acordo colectivo, num indiscutível pénalti. Portanto ainda não estou bem certa se tudo o que eu aqui disse aconteceu e se os demais relatos que vamos lendo na net ou ouvindo na rua são efectivamente dignos de crédito. Mas o Carnaval de Canas de Senhorim é mesmo assim. É dado a delírios. Até para o ano e boas bicadas.

7 comentários:

Farpas disse...

Muito bom, bela avaliação!

Ass: "Mais um provável doente"

PS- (consegui escrever este comentário antes que alguém fizesse algum trocadilho sobre a gripe das aves, mas já agora estrago a piada!)

foll disse...

Confesso..., também sofri da mesma doença durante o periodo referido...!!!!!
Parabéns pelo texto!!! Muito bom!
Eu diria mesmo, melhor impossível....!!!!
Continua assim!

Cingab disse...

Delírios...

Tomahock disse...

Este tipo de febres aconteceu à pouco tempo se bem se recordam o Vírus Do Moranguito!

Mas acho que este vírus só apareceu às pessoas do Paço ou às pessoas mais sóbrias de pensamento porque ao mesmo tempo que este vírus se propagou pelas bandas do Paço houve outro que propagou pelos lados do Rossio! Aquele vírus que as pessoas dizem que não se tem que cumprir a palavra e que o conjunto é melhor para a marcha (Sim isto deve ser temporário pois à pouco tempo diziam que com banda ficava muito melhor!!)

Mas felizmente para alguns já passou... devem ter ido ao médico ou assim. para outros contínua bastante activo o vírus!

[]

MCS disse...

... desordens no sono, episódios de alucinações e uma variedade de desconfortos físicos são sintomas de uma síndrome muitas vezes referida como "delirius tremens". Muitas vezes têm origem em hábitos excessivos e continuados de consumo de álcool e acontecem especialmente quando a pessoa afectada é privada desse consumo.
Achadiça, retome urgentemente os seus hábitos para que a serenidade lhe devolva a precária sensatez.

Achadiça disse...

Seja bem vindo Sr Paulo, entre à vontade... não, não é por aí... ai é invisual, desculpe não tinha reparado, dê-me a sua mão, a bengala pode ficar. Opps, a pernita não ajuda, ai é uma prótese! Ó Sr Paulo, tanto azar. Vá lá eu ajudo, dê-me o seu braço. O braço homem, O BRAAAÇO. Poxa que o homem é surdo. Áh, também não tem braço, coitado. ENTÃO AO QUE VEM? VEM FALAR MAL DE MIM É? Ó homem eu de gestos não entendo nada... ai é mudo! Porra! Cego, perneta, maneta, surdo e mudo!!!!! Olha que em trinta anos a pôr ovos nunca uma destas me tinha acontecido. PRONTO. DEIXE-SE FICAR AÍ QUIETINHO QUE EU VOU BUSCAR UMA FOLHA DE PAPEL PARA ESCREVER. Então Sr. Paulo, que tremedeira é essa! Humm, quer um copito para ver se passa.
Glu,glu,glu,glu glu,glu,glu glu, glu, glu ahaa. Ó Sr Paulo, então despejou-me a garrafa toda! Pronto não há problema, mostre lá o que escreveu.
“estou todo mijado, ajude-me sff ”
ESTÁ TODO MIJADO!!! Olha a minha vida. Cego, perneta, maneta, surdo, mudo, alcoólico e incontinente... só podia ser mesmo um gajo do Rossio.

Cingab disse...

Está lá? está lá? Tou?...
Alô, alô D. Rosa... Sua filha... O Quê? é do Galinheiro?
Não se ouve... Está fundida... A lâmpada!...