Por oposição ao espírito moderno que em nome da universalidade da razão se libertou das tutelas do sangue e da fé, afirmando a crença no futuro e no progresso, as sociedades pós-modernas estabelecem-se em plena crise desse optimismo romântico.
O indivíduo perante o estilhaçar de todas as suas crenças, reduzido brutalmente aos limites da morte, já não quer saber do futuro e muito menos de uma ideia de infinito. Infinitas são as possibilidades de consumo e o sujeito já não se projecta numa ideia, consome-se antes na efemeridade do gozo, na realização do desejo e na desculpabilização hedonista do ócio.
O conceito platónico do belo como ideia e o ideal de contemplação levaram a uma desvalorização das artes considerando-as simples imitação, assim como a uma desvalorização individual do artista. A verdadeira arte é a da clarificação dos conceitos, a da filosofia, e não a da aparência ilusória e transitória dos objectos físicos. Belo, Verdade e Bem consubstanciam-se na afirmação da origem imutável das ideias e consequentemente na desvalorização da obra de arte enquanto imitação imperfeita, corruptível, da verdadeira realidade que é de natureza ideal e, portanto, impossível de traduzir na materialidade da obra de arte. Esse ideal, fisicamente irrealizável, deve, no entanto, ser a referência absoluta do artista que deve procurar ser o mais fiel possível a esse ideal de perfeição, funcionando a ideia como modelo e a obra como cópia. E o artista, o que será? O demiurgo que estabelece a relação entre dois mundos ou o falsificador que através da obra desvia o olhar da verdadeira essência da realidade?
Com o advento do Cristianismo, a arte, enquanto representação alegórica de conteúdos sagrados, faz diluir a personalidade do artista por detrás da superioridade da mensagem a transmitir. Os temas bíblicos e a sua evocação dominam a arte medieval e o conceito de Belo dilui-se perante a urgência de salvação e penitência. Belos são os actos e o compromisso da alma com a própria salvação. Belas serão as obras quanto melhor realizarem a mensagem de fé. A arte não é para usufruir, mas para fazer acreditar e, como aquilo que ela representa é de ordem espiritual, só pode assumir um conteúdo alegórico. Basta recordar que na Idade Média, as artes plásticas se afirmam na estatuária sacra e na pintura representativa de cenas bíblicas, o teatro nasce dos autos de fé e da representação da via sacra e a arquitectura afirma o poder secular da igreja que na terra assegura o poder da palavra divina.
Com o Renascimento, o gosto pelos temas clássicos, o naturalismo associado ao ‘saber de experiência feito’, recupera o corpo físico para a arte, tornando-o objecto não só de contemplação estética, mas também de curiosidade científica. O artista torna-se um visionário e um sábio, recordemos Da Vinci, e reabilita-se o estatuto social do artista, assim como a sua visão iluminada. Reabilita-se também a ideia clássica do Belo enquanto expressão perfeita da harmonia geométrica do mundo das ideias e do equilíbrio orgânico entre o corpo e a alma. Evoquemos a este propósito as semelhanças entre a representação do corpo humano em Da Vinci, ou em Miguel Ângelo, e a Vénus de Milo, e outras esculturas clássicas. Comparemos a forma como o corpo é representado na arte sacra medieval, escondido por camadas de roupa que, ao contrário de o sugerir ou desvelar no seu potencial estético, antes, o escondem, reduzindo-o à dimensão do pecado e da concupiscência; recordemos particularmente o corpo das mulheres que para cobrirem as paredes das igrejas eram transformadas em objectos bojudos cobertos de “cortinas”, evocando do corpo apenas a sua dimensão maternal - a mulher, objecto de adoração enquanto santa, e portanto exemplar, e nunca como objecto de desejo e posse, excepto enquanto prefiguração do pecado e da condenação eterna.
Com o Renascimento, mantém-se a dimensão ideal do conceito de belo e o ideal da arte é ainda a representação, recuperando-se, no entanto o gosto pela estética do físico e o sentido original da aisthésis grega. A arte é dos sentidos e é também ciência e poder. Facilmente, o conceito da arte evolui no sentido da figuração fiel. A arte será representação mas não só dos temas bíblicos e laiciza-se representando a vida social e a concomitante ascensão da burguesia, ao mesmo tempo que a obra de arte se torna o símbolo social do poder daquele que a possui e o artista é elevado à categoria de génio inventor.
Mas a realidade transformada em função desse espírito científico haveria de eclodir com a Revolução Industrial, e os males sociais e as misérias do proletariado haveriam de impor-se ao artista, chamando-lhe a atenção para a função social da arte e o papel de denúncia que lhe compete, enquanto criador ao serviço de uma ideologia. Ao desviar-se a atenção do artista para as vicissitudes da vida humana e para a miséria irracional das suas existências individuais, o conceito de Belo, começa a perder essa dimensão ideal e ganha contornos bastante mais mutáveis.
Com a invasão do Inconsciente e a queda definitiva da essência racional do homem, a subjectividade liberta-se da submissão a um princípio infinito fundador e rapidamente assume todas as formas de expressão possível. O artista liberto de uma ideologia exprime-se a si próprio e à sua relação com o mundo. A descrença no progresso e a angústia pelo absurdo da existência, libertam expressões artísticas como o surrealismo cujas categorias estéticas já não são medidas pelo conceito de belo.
A pós-modernidade é herdeira da criação e aniquilação de todas as metafísicas, do poder eufórico da técnica e das suas catastróficas consequências ambientais, da crise de todas as ideias de perenidade. Perante a queda de todas as crenças, a representação mais original será a representação de si. A arte torna-se plena expressão. Mas essa possibilidade criativa confere ao artista, desprovido de crenças seguras, a consciência da fragilidade do seu estatuto social, tanto mais que desapareceram os cânones que definiam o que era a arte. O individualismo crescente das sociedades pós-modernas implica para o artista a possibilidade de se tornar objecto de culto e simultaneamente ser engolido por esse culto do indivíduo, nas malhas gerais do consumo.
A efemeridade da moda, e do desejo nela projectado, é elevada a categoria estética e o conceito de obra de arte deixa de ter a perenidade como uma das suas características necessárias, evoquemos as artes do espectáculo e particularmente essa psicadélica invenção dos anos 60, o chamado happening.
Por todo o lado, a arte é grito, é expressão, provocação, horrível, belo-horrível, o pop, o kitsch. A arte pode ser tudo, mas independentemente daquilo que entendemos por arte ou por belo, ou por estético, o certo é que, mesmo nesta sociedade de consumo, a disposição para o belo, a atitude estética, essa parece revelar-se como a única categoria indiscutível, ninguém entra numa loja e pede que lhe vendam os sapatos mais caros e mais feios que houver disponíveis.
B~~
O indivíduo perante o estilhaçar de todas as suas crenças, reduzido brutalmente aos limites da morte, já não quer saber do futuro e muito menos de uma ideia de infinito. Infinitas são as possibilidades de consumo e o sujeito já não se projecta numa ideia, consome-se antes na efemeridade do gozo, na realização do desejo e na desculpabilização hedonista do ócio.
O conceito platónico do belo como ideia e o ideal de contemplação levaram a uma desvalorização das artes considerando-as simples imitação, assim como a uma desvalorização individual do artista. A verdadeira arte é a da clarificação dos conceitos, a da filosofia, e não a da aparência ilusória e transitória dos objectos físicos. Belo, Verdade e Bem consubstanciam-se na afirmação da origem imutável das ideias e consequentemente na desvalorização da obra de arte enquanto imitação imperfeita, corruptível, da verdadeira realidade que é de natureza ideal e, portanto, impossível de traduzir na materialidade da obra de arte. Esse ideal, fisicamente irrealizável, deve, no entanto, ser a referência absoluta do artista que deve procurar ser o mais fiel possível a esse ideal de perfeição, funcionando a ideia como modelo e a obra como cópia. E o artista, o que será? O demiurgo que estabelece a relação entre dois mundos ou o falsificador que através da obra desvia o olhar da verdadeira essência da realidade?
Com o advento do Cristianismo, a arte, enquanto representação alegórica de conteúdos sagrados, faz diluir a personalidade do artista por detrás da superioridade da mensagem a transmitir. Os temas bíblicos e a sua evocação dominam a arte medieval e o conceito de Belo dilui-se perante a urgência de salvação e penitência. Belos são os actos e o compromisso da alma com a própria salvação. Belas serão as obras quanto melhor realizarem a mensagem de fé. A arte não é para usufruir, mas para fazer acreditar e, como aquilo que ela representa é de ordem espiritual, só pode assumir um conteúdo alegórico. Basta recordar que na Idade Média, as artes plásticas se afirmam na estatuária sacra e na pintura representativa de cenas bíblicas, o teatro nasce dos autos de fé e da representação da via sacra e a arquitectura afirma o poder secular da igreja que na terra assegura o poder da palavra divina.
Com o Renascimento, o gosto pelos temas clássicos, o naturalismo associado ao ‘saber de experiência feito’, recupera o corpo físico para a arte, tornando-o objecto não só de contemplação estética, mas também de curiosidade científica. O artista torna-se um visionário e um sábio, recordemos Da Vinci, e reabilita-se o estatuto social do artista, assim como a sua visão iluminada. Reabilita-se também a ideia clássica do Belo enquanto expressão perfeita da harmonia geométrica do mundo das ideias e do equilíbrio orgânico entre o corpo e a alma. Evoquemos a este propósito as semelhanças entre a representação do corpo humano em Da Vinci, ou em Miguel Ângelo, e a Vénus de Milo, e outras esculturas clássicas. Comparemos a forma como o corpo é representado na arte sacra medieval, escondido por camadas de roupa que, ao contrário de o sugerir ou desvelar no seu potencial estético, antes, o escondem, reduzindo-o à dimensão do pecado e da concupiscência; recordemos particularmente o corpo das mulheres que para cobrirem as paredes das igrejas eram transformadas em objectos bojudos cobertos de “cortinas”, evocando do corpo apenas a sua dimensão maternal - a mulher, objecto de adoração enquanto santa, e portanto exemplar, e nunca como objecto de desejo e posse, excepto enquanto prefiguração do pecado e da condenação eterna.
Com o Renascimento, mantém-se a dimensão ideal do conceito de belo e o ideal da arte é ainda a representação, recuperando-se, no entanto o gosto pela estética do físico e o sentido original da aisthésis grega. A arte é dos sentidos e é também ciência e poder. Facilmente, o conceito da arte evolui no sentido da figuração fiel. A arte será representação mas não só dos temas bíblicos e laiciza-se representando a vida social e a concomitante ascensão da burguesia, ao mesmo tempo que a obra de arte se torna o símbolo social do poder daquele que a possui e o artista é elevado à categoria de génio inventor.
Mas a realidade transformada em função desse espírito científico haveria de eclodir com a Revolução Industrial, e os males sociais e as misérias do proletariado haveriam de impor-se ao artista, chamando-lhe a atenção para a função social da arte e o papel de denúncia que lhe compete, enquanto criador ao serviço de uma ideologia. Ao desviar-se a atenção do artista para as vicissitudes da vida humana e para a miséria irracional das suas existências individuais, o conceito de Belo, começa a perder essa dimensão ideal e ganha contornos bastante mais mutáveis.
Com a invasão do Inconsciente e a queda definitiva da essência racional do homem, a subjectividade liberta-se da submissão a um princípio infinito fundador e rapidamente assume todas as formas de expressão possível. O artista liberto de uma ideologia exprime-se a si próprio e à sua relação com o mundo. A descrença no progresso e a angústia pelo absurdo da existência, libertam expressões artísticas como o surrealismo cujas categorias estéticas já não são medidas pelo conceito de belo.
A pós-modernidade é herdeira da criação e aniquilação de todas as metafísicas, do poder eufórico da técnica e das suas catastróficas consequências ambientais, da crise de todas as ideias de perenidade. Perante a queda de todas as crenças, a representação mais original será a representação de si. A arte torna-se plena expressão. Mas essa possibilidade criativa confere ao artista, desprovido de crenças seguras, a consciência da fragilidade do seu estatuto social, tanto mais que desapareceram os cânones que definiam o que era a arte. O individualismo crescente das sociedades pós-modernas implica para o artista a possibilidade de se tornar objecto de culto e simultaneamente ser engolido por esse culto do indivíduo, nas malhas gerais do consumo.
A efemeridade da moda, e do desejo nela projectado, é elevada a categoria estética e o conceito de obra de arte deixa de ter a perenidade como uma das suas características necessárias, evoquemos as artes do espectáculo e particularmente essa psicadélica invenção dos anos 60, o chamado happening.
Por todo o lado, a arte é grito, é expressão, provocação, horrível, belo-horrível, o pop, o kitsch. A arte pode ser tudo, mas independentemente daquilo que entendemos por arte ou por belo, ou por estético, o certo é que, mesmo nesta sociedade de consumo, a disposição para o belo, a atitude estética, essa parece revelar-se como a única categoria indiscutível, ninguém entra numa loja e pede que lhe vendam os sapatos mais caros e mais feios que houver disponíveis.
B~~
5 comentários:
cristalinda o texto é óptimo e não resisti...pode ser que o cingab altere a estética dos seus cacarejos, ihihih, jinhos
B:»
:-)
não adianta, logo agora com um texto pequenote como este
Quero aqui deixar bem claro que a publicação deste texto é da exclusiva responsabilidade da Achadiça. Repudio veementemente as insinuações sub-reptícias coladas à sua publicação, nomeadamente quando a Achadiça refere a existência de segundas intenções por parte da autora, a propósito de alegados interesses pessoais decorrentes das tímidas incursões de um certo visitante a esta capoeira. Pondero a possibilidade de terminar a minha participação neste berloque, caso a administradora insista em usar os meus textos com outros fins que não aqueles honesta e previamente acordados.
A Bem da Capoeira, e do Movimento
B~~
cris (grande brincalhona) sabes muito bem que a intenção deste texto é credibilizar a competência do Mulherio. o texto rompe com a temática tradicional deste berloque e transmite aos mais incautos ou distraídos as vastas capacidades das suas humildes(?) representantes. o resto são brincadeiras inofensivas com o Cingab que, como sabes, merece
toda a nossa consideração. como diria o portuga não te amofines...
venham lá mais textos destes para ver se ficamos a falar sozinhas :P, pois como diz o cingab a disponibilidade para a leitura é milimétrica
B:»»
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