quarta-feira, março 19, 2008

Sou professor: tirem-me daqui!

Sou professora há tempo suficiente para já estar no antigo oitavo escalão da carreira quando foram decretados os célebres congelamentos que aceitámos contrafeitos, mas justificados na nossa boa intenção do bem comum e na retórica propagandística do nosso primeiro-ministro.

E quando veio o novo estatuto não se fez grande alarido. Além das institucionais vozes de protesto, a que ninguém liga, desgastadas que estão pelo ritual político-partidário e pelo profissionalismo sindical, ouviam-se na sala de professores os contestatários habituais com os quais todos concordávamos pontualmente mas nunca ao ponto de pormos em causa o facto de sermos avaliados.

Nem mesmo a sinistra figura do professor titular nos assustou, convencidos que estávamos que a credibilização do ensino em Portugal passava pela criação de corpos estáveis, e devidamente qualificados, na gestão e coordenação pedagógica das escolas. Nem tão pouco, ficámos em pânico quando percebemos que tínhamos que trabalhar durante muito mais anos para ganhar menos, arrastados que íamos na necessidade urgente do sacrifício geral, em particular da função pública, para bem da salvação económica do país e do bem-estar da nossa velhice.

Mas quando vimos que o concurso a professor titular introduzia as maiores injustiças em termos de reconhecimento do nosso trabalho e que, em vez de assegurar a qualidade dos quadros de gestão pedagógica das escolas, apenas introduzia diferenças arbitrárias entre colegas, sobretudo se forem de escolas diferentes, tendo como efeito prático tão-somente reduzir as despesas do Estado, sentimo-nos malogrados na nossa boa fé.

Quando nos vimos feitos os bodes expiatórios da má qualidade do ensino no nosso país e confrontados com um modelo de avaliação que a todos queria passar um atestado de incompetência, sentimo-nos revoltados.

Sentimo-nos revoltados porque fomos nós que, bem ou mal, fomos todos os dias para dentro das salas de aula e assegurámos ao longo destes anos o ensino em Portugal, num ambiente de completa deriva legislativa e completo desgoverno educativo. Somos nós que damos a cara e nos responsabilizamos diariamente por um ensino que nunca teve um rosto coerente, que tem andado às apalpadelas desde que se democratizou à pressa.

Somos acusados, pelo sistema que nos formou, por nos termos visto em papos de aranha para interpretar toneladas de despachos contraditórios, por termos tido de seguir directrizes vagas e incoerentes, por termos tido de pôr em prática currículos cujos conteúdos programáticos são incompatíveis com os objectivos pedagógicos e com as finalidades do ensino. Somos responsabilizados pelo insucesso e pelo abandono escolar como se a degradação geral do tecido social não tivesse nada a ver com isso. Somos publicamente denegridos pelo mau resultado dos números quando isso é apenas um dos indicadores do fraco nível do desenvolvimento global do país.

Os milhares de professores que no dia 8 de Março se manifestaram fizeram-no porque se sentiram enganados pelo Sr. Primeiro-ministro, insultados pela Sra. Ministra da Educação, ludibriados pelos pais que delegam nos professores a responsabilidade exclusiva pela educação dos seus filhos, difamados pela opinião pública invejosa dos privilégios mas ignorante do seu preço, esmagados contra um tecto de carreira cada vez mais baixo e assustador, sufocados na heresia dos relatórios descritivos, dos planos de recuperação, das justificações e das fichas disto e daquilo, paralisados nas aplicações informáticas que o Ministério manda ensaiar na escola e que engata todo o trabalho já feito e por outros tantos papéis aos quadradinhos que cada vez mais insistem em tornar-nos simples burocratas. Tudo isto desviando os professores da sua verdadeira função – o acto de ensinar.

Os professores vieram finalmente para a rua para fazer lembrar ao nosso Primeiro-Ministro, à nossa Ministra da Educação e ao país em geral que podemos não ser os professores ideais mas somos os professores reais, aqueles sem os quais, quer queiram quer não, não será levada a cabo nenhuma reforma no ensino.

E somos competentes, tão competentes que não saímos a espectáculo público por razões de gratuito descontentamento, tão competentes que fizemos questão de dizer que sabemos quando nos estão a atirar areia para os olhos, tão competentes que percebemos aquilo que o Sr. Primeiro-ministro parece não ter percebido – não é lançando abruptamente a grande maioria dos professores do nosso país (os que estão mais ou menos a meio da carreira) para o fim da sua progressão na carreira, que encontrará a energia positiva necessária para melhorar o seu desempenho.

Esta maioria de professores sabe muito bem dar aulas e não tem medo de ser avaliada, não terão de fazer senão aquilo que sempre têm feito para defender a sua categoria. E, uma vez que lhes rouba todas as expectativas de promoção, também não terão de fazer muito mais nos outros tantos anos que ainda permanecerão no ensino. O efeito será, no mínimo, paralisante, Sr. Primeiro-ministro. Afinal não se distinguirá muito do actual estado de coisas, só que ainda mais triste.

E é escusado acenar-nos com a outra carreira, a de titular, pois como todo o país já percebeu, nem o Sr. Primeiro-ministro acredita nisso.[Rosalinda]

2 comentários:

Achadiça disse...

Rosalinda, primeiro quero agradecer ter-nos enviado este texto, o qual não pode ser mais actual, visto toda a polémica em que a política da educação anda envolvida. Compreendo as suas preocupações e a sua revolta, afinal não foi por acaso que em torno desse sentimento se juntaram 100 mil professores, coisa nunca vista no Portugal democrático.
Fica a minha solidariedade para com a vossa classe e a esperança que o ensino em Portugal encontre o caminho certo.
Obrigada

MANUEL HENRIQUES disse...

A manifestação foi um êxito estupendo. Só funcionou porque, mais do que contestar um tema concreto, o protesto (justo) visou protestar contra o re-baixamento moral e social que está a ser feito aos professores e à Escola Pública.

A resposta que se espera dos professores é que não se deixem instrumentalizar politicamente e liderem uma campanha pELA "reformar" do Ensino em POrtugal, expulsando os arautos do eduquês ( normalmente licenciados em Ciências da Educação) e recuperando valores como rigor, excelência, aprovação/reprovação, escola centrada no saber, disciplina e autoridade ( qb).

A escola que os nossos politicos estão a desenhar (desde Roberto Carneiro) está a produzir um enorme retrocesso social pois os filhos das familias mais humildes cada vez aprendem menos, perdendo a escola a capacidade que tinha de ser uma alavanca contra a pobreza e pela mobilidade (de classe) social.

Não contem contudo com os Sindicatos para esta reforma. Nos temas que referi são almas gemeas da "maltosa" do M.E