sexta-feira, janeiro 25, 2008

Crónicas da Galinha Riça - Carnavalite crónica


O carnaval de Canas de Senhorim é genético. Algures, na memória dos tempos, os canenses sofreram uma mutação no seu ADN. Este gene mutante, transmitido de geração em geração tomou conta da estrutura celular e foi ganhando proporções virulentas. Não fosse a natureza do fenómeno benigna e o risco infecto-contagioso limitado e estaríamos perante uma pandemia carnavalesca de proporções catastróficas. Estão a imaginar o que é que isto dava à escala nacional, se a nossa rivalidade entre bairros extrapolasse para as cidades e regiões, Lisboa vs Porto, Alentejo vs Algarve, Norte vs Sul… seria caótico, uma ameaça para a integridade nacional. Mas não, a virose está limitada no tempo e no espaço, três simples dias em que o vírus agita o sistema imunitário dos canenses, com as respectivas febres, calafrios, convulsões, arrepios e outras dores de somenos importância. Nada que três pastilhas de mebocaína, três konpensan e outros tantos gurosan não resolvam.
Efectivamente, a “doença”, em determinadas circunstâncias, pode revelar-se contagiosa. Habitualmente o contágio é de origem sexual. Vem o rapaz ou a rapariga de fora, acasala com um nativo e quando dá conta já cantarola as marchinhas. Mas o contágio também pode ser por simpatia, existem casos clinicamente comprovados de achadiços que sem "coiso e tal", vivendo em Canas há dois ou três anos padecem do mesmo mal. Quando dão conta lá vem, escarrapachado no relatório das análises clínicas um alto teor de carnavalite; outros ainda, mais sensíveis ao fenómeno, bastou-lhes passar cá um Carnaval e pronto, chegada a época o bichinho acorda e lá vêm até Canas de Senhorim passear a maleita.
Até a comunidade de Nelas, um lugarejo aqui perto, foi ligeiramente contagiada, não se sabe bem como nem porquê (há coisas que a ciência não explica). Porém os organismos inoculados tinham uma malformação congénita e a nova estirpe degenerou num fiasco, isto apesar do investimento na sua encubação e na manipulação in-vitro da cultura original. Claro que ficámos compadecidos com o fracasso, então anda o edil a brincar ao Carnaval todo o ano e depois na altura de colher os louros, nem corso, nem vestimentas nem foliões… uma arrelia!
A“carnavalite” canense manifesta-se durante três, quatro dias e, regra geral, não deixa sequelas, se bem que há casos isolados de carnavalite aguda devidamente referenciados. Nos primeiro e segundo dias a doença apresenta sintomas débeis, os pacientes podem manifestar tremuras passageiras e desacertos mentais esporádicos, porém ao terceiro dia o vírus recrudesce e toma conta do organismo do doente. Os desacertos mentais iniciais transformam-se em desvario e a tremedeira em frenesim. Estímulos nervosos induzidos pelo vírus nos tecidos neurológicos produzem quantidades substanciais de endomorfina que por sua vez accionam a excitabilidade muscular, ao que o sistema circulatório responde com elevados índices de adrenalina. É o culminar da doença. Nesta fase os doentes revelam comportamentos agressivos e uma euforia descontrolada, só aplacados pelo confronto tribal que ocorre em pleno centro da vila e após descargas maciças de urros, vaias e vitupérios.
Ao quarto dia está tudo acabado, a carnavalite retrocede e volta ao processo cíclico que caracteriza as doenças crónicas. Só passado um ano é que retorna, nem mais nem menos perigosa, nem mais nem menos atenuada. Parece que não tem cura, há quatrocentos anos que afecta esta terra e promete perdurar enquanto houver, pelo menos dois canenses. O que já esteve mais longe.

10 comentários:

Cingab disse...

lolololo

PortugaSuave disse...

lol
Com a vossa licença permitam-me também levar este vírus da "carnavalite" para o MCdS.

Anónimo disse...

Fabulosa esta visao carnavalesca.....

Cristalinda disse...

Só te esqueceste de dizer que no ano passado o vírus esteve adormecido lá para os lados do Paço. Espero que não degenere...

Achadiça disse...

Não. o que a Riça se esqueceu é que em vez do vírus adequado vos deu a floxera... espero que este ano tenham sido sulfatados.

Achadiça disse...

O Rossio é um perigo para a saúde pública, o Sócrates, à semelhança da lei do tabaco também está a pensar em criar um espaço único para vocês se recriarem. Vão para lá fazer barulho sozinhos...

O Maluco disse...

Excelente texto.

Achadiça disse...

Maluco = Einstein????

não sei se são a mesma pessoa, de qualquer das maneiras seja bem vindo Maluco, esteja à vontade, certamente não vai estar sozinho

Então Cris quem é que anda adormecido? Vexame total... vai dar uma vista de olhos ao blog do carnaval, aos vídeos da vossa banda, lolololololol

VaneideDelmiro disse...

Muito criativo. Adorei!

Riça disse...

Obrigada