domingo, dezembro 30, 2007

Provocação 10

Meu Deus peço-Vos sabedoria para entender o meu homem, amor para perdoá-lo e paciência para suportar as suas atitudes, porque se vou pedir força bato-lhe até o matar

terça-feira, dezembro 18, 2007

UCI


A Unidade de Cuidados Intensivos é apertada e a maquinaria que mantém os pacientes sob vigilância electrónica ocupa a maior parte do espaço. Na unidade estão sete doentes.
Com a regularidade das visitas cria-se empatia com os familiares, trocam-se experiências, suposições, especulações, para daí tentarmos extrair uma lógica comum no evoluir da situação. E não adianta virem os técnicos dizerem-nos que cada caso é um caso, que cada doente tem a sua própria forma de recuperar e por aí fora, precisamos de um caso em que tudo correu bem para relacionarmos e verificarmos se o nosso doente vai por esse caminho. A “psicologia” dos enfermeiros na abordagem da situação é académica, são evasivos por formação (ou por deformação), sobretudo quando a coisa está má. Quando o caso corre como esperado, “dentro dos parâmetros normais para este tipo de intervenção”, como dizem naquela linguagem estudada que nos descansa mas não diz nada, lá vão deixando cair esporadicamente uma ou outra informação. Compreendendo as reservas destes profissionais que trabalham com os nossos doentes, restam-nos informações laterais na boca dos familiares mais antigos. Se temos a sorte de confidenciar a intimidade da doença do nosso ente querido com alguém a quem a situação correu bem, vimos de lá animados, confiantes que a natureza humana não é assim tão diferente e se àquele foi assim ao nosso assim será; mas há sempre um mensageiro da desgraça, há sempre alguém que faz questão em fazer-nos lembrar que a Lei de Murphy é extensível à fragilidade humana.
Aguardo pacientemente no corredor e deambulo o pensamento sobre assuntos triviais, como o dinheiro que o estado gasta na gestão destas unidades, um balúrdio. Mas sinto-me satisfeita, estamos sempre a dizer mal do nosso país e acabei de constatar que temos o que há de mais moderno e sofisticado para acudir aos nossos doentes, talvez seja difícil arranjar atempadamente uma vaga, que a procura é muita e a oferta do estado, a avaliar pelas listas de espera para as intervenções cirúrgicas, não chega a todos, mas, talvez pela gravidade do estado de saúde do meu doente, todo o processo se desenrolou com uma brevidade surpreendente, facto que só me deixou mais apreensiva, com tanta rapidez o doente desconfia. São milhões de euros dispostos à volta e à disposição dos enfermos, cada cama tem três monitores que registam através de dezenas de terminais e outros tantos aparelhos cada palpitar do corpo, depois as tais máquinas de apoio, ventilador, ressuscitador, etc. etc., aquelas que mantêm os mortos vivos. Em constante azafama, no silêncio compenetrado que a responsabilidade das tarefas exige, o corpo de enfermeiros analisa os valores de toda aquela maquinaria e ministra os cuidados aos pacientes, tudo de forma pragmática e eficiente, gestos meticulosos, sem hesitação. Este cenário pode parecer mórbido mas se nos abstrairmos dos nossos dramas pessoais, podemos, sem esforço, apreciar este palco “fantástico”, onde vida e morte se debatem, num “espectáculo” onde a ciência humana joga, desta vez, a favor da vida.
Espero cá fora, no corredor, confinada a um cantinho, para não incomodar o exército de salvação. Como todos os exércitos este também tem as suas patentes e as suas fardas. Os médicos fardam de branco e trazem sempre o estetoscópio ao pescoço, os administrativos também mas sem estetoscópio, os enfermeiros trajam de verde-escuro e os auxiliares de azul-bebé. Estes pormenores podem parecer vulgares à primeira vista mas ganham especial importância na nossa primeira incursão à unidade, precisamos de referências, são eles o elo de ligação com o nosso doente, são eles que tomam conta dele, e depois não devemos tratar os enfermeiros por doutores… não é que eles não gostem (lol), mas seria profissionalmente incorrecto um enfermeiro acatar o título num meio onde os doutores são efectivamente os médicos. Lá ao fundo, nas enfermarias, o corpo clínico acode placidamente aos chamamentos dos desafortunados que ainda têm um sopro de energia para clamar, é uma procissão de enfermeiros, técnicos, macas, aparelhos, doentes, e sei lá mais o quê…
Finalmente a médica de cabelos grisalhos, elegante, aparece. Tem um sotaque enganadoramente algarvio. Confidencia-me na penumbra do corredor alguma tranquilidade, o meu doente é mimoso, diz sorridente, as dores que tem não justificam o alarido, vou dar-lhe alta. Simpatizei com ela, ao contrário de uma ou outra auxiliar hospitalar que, aproveitando a fragilidade da situação a que todos ali estamos sujeitos, exercem uma autoridade indisposta, baseada no poder comezinho que lhes é concedido para nos barrar as portas, para questionar o porquê da nossa presença, para nos mandar aguardar eternamente sem qualquer explicação… em caso algum, solícitas para efectivamente auxiliar, como a sua categoria profissional supostamente indica.
Abandono a UCI, a porta fecha-se nas minhas costas, respiro fundo, uma lufada de ar fresco enche-me o peito, sinto uma satisfação interior muito grande, ou um alívio. Levo o meu doente pelo braço, já resmunga, sinal que não deixou o mau feitio na sala de operações. Na sala de espera já se acumulam os próximos candidatos à UCI, lembro-me de estar ali com o mesmo olhar perdido que agora lhes detecto. Apetece-me confortá-los, dizer-lhes que vai correr tudo bem, contar-lhes o meu caso… mas nunca se sabe, como dizem os enfermeiros, cada caso é um caso.

quarta-feira, dezembro 12, 2007

sexta-feira, novembro 30, 2007

Provocação 9

Aquele que, ao longo de todo o dia é activo como uma abelha, forte como um touro, trabalha que nem um cavalo, e que ao fim da tarde se sente cansado que nem um cão... deveria consultar um veterinário.
É bem provável que seja um grande burro.

sábado, novembro 24, 2007

05:30

Julgava vencer a insónia da noite com escritos inconsequentes ao correr da imaginação, mas há dias que os pensamentos correm tão depressa que não existe caneta ou teclado para os fixar, estatelam-se no chão e perdem-se a caminho da urgência do sono, no vai-vem do corredor que me leva ao quarto e me devolve à sala. Esvaem-se como vêm. Nem no hospital há corredores assim, aí as insónias são devidamente assistidas se tivermos a sorte dum enfermeiro enfastiado com as nossas queixas. Não há nada pior que uma insónia entre o quarto e a sala, entre o sofá e a cama, uma insónia de corredor, solitária. O que eu queria mesmo era uma insónia assistida, com companhia, para desbaratar a angústia do copo vazio, essa companhia de merda.
Vale-me não ir trabalhar, como se a folga de trabalho fosse passaporte para a inactividade. Não é, especialmente este fim-de-semana, carregada de filhos, que sendo dele são tão meus como o legítimo… raios que não encontrei outra forma de dizer isto.
Li uma vez um texto que me deixou perplexa, nunca em tão poucas palavras alguém conseguiu descrever tão bem a insónia, pelo menos em português, não me lembro de cor, só sei que está lá tudo o que a insónia tem e o que desesperadamente deixa entrever. Esperem, vou ver se o encontro…
Encontrei, já lá vão dez minutos surripiados à desdita…
Pensei que fosse de um daqueles poetas enciclopédicos, de A a Z, mas não! Chama-se Carlos de Oliveira e sobre o assunto disse:

De vez em quando a insónia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa insuportável.
No segundo caso, o homem que não dorme pensa: “o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração”.


qed

terça-feira, novembro 13, 2007

Terapia da afirmação


A necessidade de afirmação pode resultar de um sentimento de insegurança, de um complexo de inferioridade ou da falta de auto-estima, mas manifesta-se nas nossas relações pessoais das formas mais caricatas, que podem ir de uma selvática agressividade, como é o caso da violência doméstica, até ao comportamento ridículo do peão na passadeira, que faz que anda mas não anda.
As passadeiras para peões são uns autênticos altares à afirmação pessoal, ali, novos e velhos, eles e elas, impõem-se ao condutor e à máquina, satisfazem as frustrações do quotidiano impondo o seu ritmo, ou a falta dele, e uma razoável centelha de dignidade acende-se lá no íntimo das suas almas. Aqui sou gente, aqui mando eu, ponho e disponho, ao abrigo da lei do tráfego. Não havendo pressa há que aproveitar ao máximo o momento. Então, arrastam-se vagarosamente pela zebra desafiando com o olhar, do alto da momentânea superioridade, o condutor impaciente. Aqueles curtos metros de distância transformam-se num domínio absoluto do tempo e do espaço, numa travessia só equiparada em glória à do Mar Vermelho por Moisés, enfim, um breve momento de elevação existencial. Aqui contam, sentem-se importantes, aqui alguém reage à sua presença, noutro sítio qualquer ninguém é obrigado a cumprimentá-los, ninguém os ouve, ninguém levanta os olhos para ver a cor dos seus, mas aqui, o condutor tem que reduzir, desengatar e engatar a primeira, travar, parar, tudo por sua causa. Aqui são senhores, ou senhoras, aqui sentem-se completos, por isso atrasam infinitamente o passo para saborear a plenitude que o momento proporciona.
Descoberta a eficácia deste tratamento para o ego já não são só as passadeiras o único consultório clínico onde estas práticas são exercidas, já qualquer local serve desde que este também sirva o trânsito, mas aqui tiveram em conta o risco do tratamento personalizado, não fosse algum condutor mais ousado desconsiderar o paciente isolado e acabar-lhe ali com o ego e com o canastro. Assim, estes pacientes da afirmação, agrupam-se aos magotes no meio da estrada, pode ser à saída de um casamento, de uma discoteca, à entrada para o futebol ou em qualquer ponto, tem é que ser numa via de trânsito, e ali petrificam, convictos no êxito desta nova forma de terapia psiquiátrica.
E que ninguém interrompa a horda destes tiranos da afirmação, ninguém se atreva a buzinar, a acelerar o motor ou a criticar o vagar ou a inacção dos transeuntes, estamos perante um direito aparentemente adquirido e as retaliações podem ser-nos imediatamente aplicadas no local, sem apelo mas com agravo, pelo que o melhor é sintonizar o rádio na Antena 2 e rezar para que esteja a passar uma daquelas obras clássicas relaxantes.

quarta-feira, novembro 07, 2007

Morabéza


A minha cachopa sabe a chocolate, não sei de mulher que melhor me trate.
Já lá vão uns anos desde a primeira vez que ouvi esta música do Sérgio Godinho, longe de imaginar que um dia teria uma cachopa assim.
A minha cachopa é morena de cintura. Adoro apanhá-la desprevenida no banho, toma aquela posição característica das mulheres surpreendidas na intimidade, uma mão a tapar os seios e outra a fazer de parra, depois relaxa, sou só eu que venho besuntá-la com creme de amêndoas, dizem que é bom para as estrias, que ela não tem, diga-se de passagem. O que ela tem é um corpo perfeito, pele lustrosa e uns cabelos negros que lhe chegam ao rabo. Não é alta, mas é toda proporcionada, a minha cachopa.
Gosto de a ouvir falar crioulo, fica tão doce quando fala crioulo, até quando disparata. Ouve uma altura que lhe pedia para dizer o que lhe passasse pela tola enquanto fazíamos amor, em crioulo, está claro de ver. Ui! Tive que desistir, lá se iam os “timings” requeridos. Agora limitamo-lo, o crioulo, aos preliminares.
Fico sempre de boca aberta quando a vejo nua em contra-luz, só a minha cachopa conseguem captar a luz daquela maneira. A pele retém toda a luz de um lado e a parte oculta é-me revelada de uma forma ténue, criando a ilusão de um semi-corpo fundido no espaço envolvente, a silhueta é um desafio aos sentidos, um quadro sublime, uma foto de antologia, um poema a preto e branco. E os cabelos!? Ai os cabelos. Às vezes parece um leão, põe-se de gatas na sala e desafia-me para a brincadeira, outras, quando vem do banho, faz de gueixa, cabelo arrematado ao alto e vestida com aquele roupão vermelho tentação. De todas as vezes acabo enrodilhado na sua juba.
Ainda não vos contei mas a minha cachopa tem tanto de envergonhada como de desinibida. Parece estranho mas é verdade. A primeira vez que me chamou para a ajudar a depilar as virilhas fiquei aterrorizado. Nunca ninguém me tinha pedido tal. Engoli em seco e, que remédio, uma coisa destas não se nega à nossa cachopa, lá encetei a, como lhe hei-de chamar, a honrosa, a dolorosa, a curiosa, a deliciosa, bem… a tarefa solicitada.
Homem que é homem sabe sempre aproveitar estas deixas, vai daí, propus-lhe uma depilação completa pois era um fetiche que há muito alimentava. Agora tenho que manter o terreno limpo com regularidade, e acreditem, é sempre uma festa. Trata com cuidado, tem tesouro a caixinha da menina, diz-me ela sorridente, em crioulo. Nem imaginam como isto soa bem em crioulo. Pena não dar para transcrever.
É catraia a minha cachopa de S. Vicente, não traz nos olhos a saudade que a Cesária canta nem cachupas no Pantagruel, traz no hálito o morno sabor do cacau de S. Tomé e no corpo uma vontade insaciável de sexo, diz ela que nas virtudes sai à mãe que é sãotomense, se é que o sexo é uma virtude, arremata hesitante, com dúvidas mal dissipadas pela educação religiosa do colégio de freiras, mas certa da competência maternal, demonstrada largamente nos seus sete irmãos.
A minha cachopa veste bem, não é que tenha muito dinheiro, tem é a sorte de trabalhar numa conceituada loja de alta-costura. Não sei como ela faz, mas a indumentária vai e vem como se fosse dela. Ainda bem, faço um figurão quando entro com a minha cachopa em qualquer lado, eu bem vejo os olhares dos paspalhos, hehehe, mas é delas que eu me rio mais, especialmente aquelas mais esclarecidas nestas coisas da moda, ficam de cara à banda a mirar a minha mulata aparecer todos os dias vestida de forma diferente e caríssima. Depois olham para mim avaliando a improbabilidade de ser eu a pagar a ostentação. Sentamo-nos à mesa e rimo-nos disto tudo, destas saborosas trivialidades, como ela faz questão em dizer.
Às vezes é uma chata, a minha cachopa. Quando está com os azeites fica escorregadia de tão lustrosa, ninguém a torce, deve ser herança genética dos degredados das ilhas. O seu pai era português, morreu em Santiago, no Tarrafal. Dele, nenhumas recordações tem, mas qualquer defeito que se lhe aponte e que não encontre paralelo na mãe, é inevitavelmente culpa do pai. Uma boa desculpa. É engraçada a minha cachopa.
Muito havia a dizer sobre a minha cachopa, as cantorias, os amigos músicos, as amigas obstinadas, o seu jeito para contar anedotas, a sacralização da cueca (palavras dela), o padre que lhe prometeu casamento, enfim, não se consegue falar de uma pessoa em tão poucas linhas, quanto mais da minha cachopa.


Oh, nha bida, dj'u sabi, ma n'qrê torna flau
Ma n'ta amau, y nôs passado cata squecedo
N'qrê canta na bo caminho
N'qrê badja, co tudo carinho
Di bo morabéza


Lisboa, 25 de Julho de 1987

quarta-feira, outubro 31, 2007

A menina que amava escrever

Todos nós, uma vez ou outra
Amamos desmedidamente sob lençóis ásperos


Teresinha cresceu sozinha no pátio, entre os líquenes da fossa comum, brincando com as gordas minhocas que o montículo de estrume fornecia. Sem bonecas nem livrinhos aos quadradinhos o seu universo infantil resumia-se a olhar e escutar o mundo lá fora, para lá das grades do portão.
Tinha uns olhos grandes de ver e uma expressão permanentemente matutina, como se tivesse acabado de nascer adulta e estremunhada. Pouco falava, os olhos serviam-lhe de linguagem.
Passou o tempo e o portão do pátio abriu-se para ir à escola. Descobriu que para aprender a ler tinha que falar, um esforço sobrenatural que superou quando se apercebeu que aprendendo a ler também aprendia a escrever. Foi a grande viragem. A partir daí esparramava no papel frases atrás de frases, um rosário interior de pensamentos que nunca tinha ousado dizer.
Escreveu histórias sobre as pessoas que habitavam do lado de lá do portão, historias imaginadas para lá das grades, alheando-se assim da miséria onde fora concebida. Inventou romances e alimentou-os entre linhas e linhas de amor, forjando cenários atrevidos, quiçá inspirada na degradação que reinava lá por casa.
A mãe mete-se nos copos, uma desavergonhada e os outros irmãos estão lá para Coimbra, numa casa de reinserção social, do pai não se sabe, temos que fazer alguma coisa, ouviu Teresinha dizer ao professor de Português, enquanto esperava cá fora, no corredor. O director queria falar com ela por causa de uma composição que tinha feito. Estava assustada, o que é que teria escrito de mal?

"Só quero amar. E tenho tudo para o fazer, tenho uma caneta, um papel e muita vontade. A mãe diz que o amor não traz dinheiro, só desgosto. Eu não concordo, está bem que o dinheiro é preciso, mas amar deve ser a melhor riqueza que podemos alcançar e não entendo como escrever pode trazer desgosto. O meu maior desgosto seria não ter uma caneta e um papel e esta grande vontade de escrever.[...]"

O director tirou os óculos, olhou a miúda enternecido. Escreves muito bem, disse-lhe, mas olha que há outras formas de amar para além de escrever. Ela, moita-carrasco, mas arregalou os olhos grandes de ver, agora, talvez, enormes de amar, como que indagando que outros métodos eram esses.
Um dia bateu com o portão definitivamente, virou as costas ao pátio, sem saudade. Os livros que o director lhe emprestara ao longo dos últimos 4 anos tinham-lhe ensinado muita coisa. Julgou-se preparada para amar. E, quem sabe, ser amada.


terça-feira, outubro 30, 2007

Provocação 8

Marido é como a menstruação, quando chega incomoda, quando se atrasa preocupa.

segunda-feira, outubro 29, 2007

Hips!

Hoje deu-me para andar por aí a navegar a ver os vídeos que a malta coloca nos blogs...
Desesperei! Então não é que ouço e vejo tudo aos soluços. Em verdade isto não é novo, mas como não era uma área que eu explorasse muito não me preocupava, porém agora começa a fazer-me fornicoques esta gaguez. O contrato é de 512 kbps, banda larga, fui verificar a velocidade real a qual ronda uma velocidade de download de 390 kbps, e de upload, 70 kbps.
Isto para mim é chinês. Será que estes valores estão aquém do ideal para ver aqueles vídeos que a malta habitualmente põe nos blogs? Haverá outra razão qualquer, além da velocidade de tráfego, que possa afectar a visualização dos vídeos e dos clips de música? Haverá algumas solução para optimizar este aspecto? Amigos engenheiros digam qualquer coisa sff, hips!

sexta-feira, outubro 26, 2007

Génio Benigno


Já há algum tempo percebemos que não estávamos sozinhas, agora é altura de admitir como estamos bem acompanhadas.
Pode passar despercebido, dada a natureza pessoal do blog e o carácter reservado da sua autora, Citizen Erazed, no entanto tornou-se visita obrigatória para quem acompanha a berlocosfera canense. Estou a falar do Génio Maligno.
Citizen Erazed vai-nos dando conta dos seus gostos musicais, entrecortando a apresentação por pequenos comentários, ora íntimos, ora coloquiais. Um formato muito próximo de um possível programa de rádio.
Atenta ao que se passa no circuito musical do rock alternativo, tendenciosamente britânico, apresenta-nos algumas novidades, quase sempre desalinhadas do mainstreem habitual. Não é por acaso que escolheu um tema dos “Muse” para se identificar…
A sua sensibilidade e um notório conhecimento das obras sugeridas suscitam-lhe uma opinião objectiva, à qual o leitor mais atento não fica indiferente. A escrita é directa, sem redondinhos, eficiente na comunicação, a fazer lembrar uma bem apreendida técnica jornalística.
As suas “curtas” são incisivas, por vezes visam um interlocutor, talvez aquela alma gémea a quem expomos as nossas intimidades; outras, são estados de espírito da própria, sublinhados aqui e ali por passagens literárias ou frases adequadas.
É fresco, atraente e mordaz, revela inteligência e sobriedade. O nome “Génio Maligno” faz justiça à genialidade da sua criadora. Pelo menos a parte do “Génio”. Parabéns, continue a dar-nos música.

Milho, muito milho!


Foto Município Canas de Senhorim

Andamos aqui numa excitação digna de adolescentes em dia de romance. Então não é que depois de muito barafustar, de muito pregar, de muito reclamar, somos presenteadas, para não dizer surpreendidas, com esta excelente produção de milho.
Já tínhamos indicações que este Verão tinha sido propício à produção do referido cereal, mas a contagem levada a efeito no local pelo nosso delegado excedeu as melhores expectativas.
Sim, enviámos um delegado isento, um homem, conforme podem verificar nesta prova documental, isto para evitar apropriações indevidas, pois bem sabemos a fome de milho que infelizmente ainda graça por aí. E se ele está hesitante na contagem não é porque o cálculo se lhe apresente complexo, é tão só porque o amarelo dourado do cereal lhe cega a vista e lhe enriquece a imaginação.
Agora há que saber administrá-lo convenientemente. Em doses equitativas e a intervalos satisfatórios. Nada de desperdícios meninas, amealhem no Verão para que não nos falte no Inverno.

quinta-feira, outubro 25, 2007

Crónicas da Galinha Riça - O Mártir


Após o coffee-break retomaram-se os trabalhos pelas 11H30. S. Exa. a presidente solicitou que lhe fosse transmitido o ponto de situação do "Projecto Colapso". Tomou a palavra o Eng. Encarregado:
- O projecto progride de acordo com as directivas de V. Exa. Estabelecemos contactos informais com especialistas da Al-Quaeda que fizeram deslocar ao local dois conceituados operacionais, os quais nos asseguraram o êxito do empreendimento. Questionados sobre a diferença de procedimentos, uma vez que o cenário da acção era rural e, como sabemos, estes técnicos estão mais vocacionados para operações urbanas, logo nos surpreenderam com a diversidade de recursos e alternativas. Constitui-se um Gabinete de Estudo e após algumas incursões ao terreno os referidos peritos apresentaram-nos um plano viável e tecnicamente infalível. Uma vez que o terreno já está minado por baixo, a norte, em resultado da exploração do minério, e minado por dentro por força da eficácia política de V. Exa., o plano consiste em minar por cima, a sul, criando assim um abraço fracturante que destabilizará o equilíbrio do território e levará toda a zona envolvente ao derradeiro colapso.
Os presentes aprovaram a ideia acenando afirmativamente. O Eng. Encarregado continuou:
- Devo esclarecer V. Exas. que estes contactos e respectivas despesas foram suportados pela própria organização terrorista através de um estratagema digno da sua reputação. É que eles eram parte interessada. Lembram-se daqueles camiões de urânio que saíram da Urgeiriça com destino à Alemanha? Foi no Gabinete de Estudo para o "Projecto Colapso" que toda a operação foi montada. Através de mecanismos alfandegários que ultrapassam a minha compreensão a rede da Al-Quaeda conseguiu desviá-los do destino inicial para o Afeganistão. Sabe-se lá para quê!
-Está bem – impacientou-se a presidente - poupe-nos a pormenores e diga-nos concretamente o que foi feito para pôr em prática o Projecto Colapso.
O Eng. Encarregado pediu licença para ligar o seu portátil ao projector. São passados vários fotogramas da Avenida da Igreja, em Canas de Senhorim, cujos planos incidem exclusivamente no remeximento do terreno em toda a extensão da artéria.
- Como podem constatar neste slide-show, a cintura sul da vila, definida aqui pela Avenida da Igreja, já foi completamente armadilhada. As cargas de TNT foram dispostas ao longo do percurso a intervalos de 10 metros e ligadas a um sistema de controlo remoto que é accionado pelo timbre da voz de V. Exa a cantar aquela música tradicional do “Ponha aqui o seu pezinho devagar devagarinho…”. Agora é só aguardar pelo Inverno para que o terreno esteja mais permissivo ao efeito de aluvião e a explosão faça implodir o lugarejo...
A presidente interrompe bruscamente o Eng. Encarregado.
- Ponha aqui o seu pezinho devagar devagarinho?! Ó Eng. você está bom da cabeça? Ponho lá o pezinho e vou parar à Ribeira Grande, que é o mesmo que dizer vou desta para pior…
- Queira desculpar, mas permita-se corrigi-la, os nossos conselheiros da Al-Quaeda asseguram que vai desta para melhor, que a esperam 100 virgens para a servir e aquela lenga-lenga do costume. Para além disso não abdicaram deste procedimento. Os seus métodos exigem um mártir, e não nos ocorreu pessoa tão qualificada para o efeito como V. Exa, tanto pela experiência em pôr o pezinho no tal lugarejo como na notoriedade que por lá lhe é reconhecida.
A Presidente recostou-se no cadeirão pensativa - ai vocês querem um mártir, pessoa notável e de pé fincado no lugarejo - pegou no telefone e marcou um número interno:
- Ó arquitecto cante-me aí o Pezinho da Vila.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Baixa produtividade da blogosfera canense






    De acordo com o publicado no blog Município de Canas de Senhorym a blogosfera canense obteve no terceiro trimestre de 2007 resultados pouco satisfatórios. As causas apontam, segundo aquele blog, para a desistência de muitos dos participantes e da perda de entusiasmo dos habituais comentadores.
    O Mulherio está em condições de afirmar que a quebra de produtividade se prende mais com a época estival que atravessámos do que propriamente com a motivação ou desmotivação dos participantes. Esta terra é quente e todos sabemos que quando o calor aperta o botão desaperta. Os corpos dilatam e homens e mulheres não são de ferro, se bem que, ainda que o fossem, não estariam a salvo dos alongamentos a que o referido metal está sujeito pela acção da canícula.
    Ao fenómeno já deram atenção engenheiros e arquitectos, designadamente na construção civil, cujos materiais sofrem distensões significativas, na casa dos centímetros. Ora, se a estes materiais acontece isto não menos acontecerá ao corpinho da malta, que vê assim por força do fenómeno as medidas acrescentadas. Ora vejamos, se a um carril de 20 metros o sol acrescenta um centímetro, à carninha, cuja densidade molecular é bem menor, acrescentará… bem é fazer as contas. De qualquer maneira não é o cálculo seguro, que isto de estímulos e medidas cada um é como cada qual e nesta matéria não há ninguém igual.
    Se a isto somarmos o efeito de estufa, o torpor próprio da época e a aberração legislativa do governo de Sócrates, só nos resta mesmo aproveitar a disposição física que o fenómeno induz e mergulharmos reconhecidamente no suor morno do parceiro ou da parceira, preferivelmente à tardinha, para que o efeito da insolação não definhe. Que se lixem os blogs.
    Em jeito de conclusão, pode dizer-se que a produção bloguista é inversamente proporcional à prática sexual. Mas isto já eu venho defendendo há muito tempo, portanto nada de lamentações, pois o baixo índice de produtividade da blogosfera canense é o consolo de muita gente.

    sexta-feira, outubro 05, 2007

    Diálogos encrespados. Ao telefone.

    Trimmmmmm
    Ele - Olá, estás bem? Tens algum compromisso hoje?
    Ela - Não estou a entender nada...
    Ele - Estás sem filhos?
    Ela - Sim.
    Ele - Estava a pensar irmos jantar, conversar um bocadinho...
    Ela - Vou aos anos da Leonor.
    Ele - Ah, então diverte-te...

    Trimmmmmmm
    Ele - Viva! Então, estás bem?
    Ela - Nem por isso.
    Ele - O que é que se passa!
    Ela - Estou doente, acho que me vão tirar o útero.
    Ele - O quê!
    Ela - Diagnosticaram-me um tumor...
    (pausa)
    Ele - Não te preocupes, vais ver que tudo se resolve.
    Ela - Mas estou bem, sinto-me é um pouco fragilizada. Queres sair, conversar um pouco...
    Ele - É pá, prometi ir aos anos da Leonor, mas amanhã vou ter contigo.
    (Ela em pensamento)
    - Filho da puta.
    (Ele em pensamento)
    - Fosga-se.

    quinta-feira, outubro 04, 2007

    Alfa Pendular. Sábado à noite.


    Espero que não venhas tão cedo.
    Poderia dizer-te terríveis pequenas coisas com este título, mas não me apetece usar palavras que nos esguicham na boca como amargas malaguetas. A menos que o picante ande a fazer falta e queiramos levar o sabor e o tempo para outras melodias.
    Já te vi chegar de muitas maneiras, algumas maravilhosas, outras nem por isso. Esperei-te de todas, desde aceitar-te com alegria e sem condições até ser só alívio e indiferença.
    De repente damo-nos conta e criámos dois universos paralelos que coabitam o mesmo espaço e se tornam cada vez mais taciturnos. Palavras, só as essenciais, só aquelas que servem para matar as outras, como a malagueta para abafar o mau sabor do guisado, ou então as que desviam a conversa para assuntos insignificantes, onde as palavras esvoaçam como borboletas de papel enlouquecidas no fumo dos nossos cigarros.
    Estamos entrincheirados em queixas insignificantes ditas aos berros, outras, maiores e caladas no ruído da ausência. Atolados de culpa, rebeldia e outras trapalhadas, esgueiramo-nos para dentro de nós próprios até que se torna um vício. Manietamos os nossos impulsos como se tivéssemos medo um do outro e fechamo-nos em frágeis esferas de vidro que não podem tocar-se. Tornamo-nos cada vez mais pequenos e por isso mais afastados, apesar do espaço continuar a ser o mesmo.
    É claro que o caminho podia ser enchido com descrições mesquinhas e outras reivindicações cujas palavras de tão gastas são ridículas e por isso só servem para pôr em prática, não para serem ditas.
    Também já te vi sair de muitas maneiras, aprumado e bonito, desfeito e vacilante, decadente, zangado ou a dormir, familiar ou um completo estranho.
    Hoje, sábado, eu estaria descansada e disponível para sair mas tu já estavas em rota de colisão. Sabia que hoje estarias todo rebentado e não irias sair comigo.
    Aperaltaste-te e disseste ‘vou sair’. Eu limpei a cara ao avental. Não estávamos no mesmo plano. Não foi o meu companheiro que saiu aquela porta.
    Estás por tua conta, minha cara, de nada te serve o esforço. Precisas de um pai de família e o que tens é uma família sem pai. Isto não é uma acusação. Sinto-o sem mágoa e com a mesma ternura que sinto pelo rapazola tolo que foste e continuas a ser. Tarefa demasiado gigantesca. Só um grande amor ousaria vencer.
    Espero que não venhas tão cedo, digo-o por medo, porque sei que achas que devo dizer-te alguma coisa, mas essas são as palavras tampão que só servem para evitar todas as outras. Não vou pedir-te desculpa e não tenho nenhuma maneira natural de to dizer. Lamento. Somos belos mas demasiado vencidos.

    domingo, setembro 30, 2007

    Provocação 7

    Um casal vinha por uma estrada do interior sem dizer uma palavra. Uma discussão anterior havia levado a uma zanga e nenhum dos dois queria dar o braço a torcer.
    Ao passarem por uma quinta em que havia mulas e porcos, o marido perguntou sarcástico, para desanuviar:
    - Parentes teus?
    - Sim - respondeu ela - cunhados e sogra.

    sexta-feira, setembro 28, 2007

    I'm living in a box



    Eu até gosto do Santana. Tem charme, é bom pai, ao que parece bom amante, atencioso e sedutor.
    Claro que estes predicados não lhe garantem o correcto exercício da governação, pelo menos ao alto nível, como de resto ficou provado pela efemeridade do seu mandato como primeiro-ministro. Paciência, que aquilo não é para todos nem o corporativismo tradicional da moldura política portuguesa é compatível com a sua postura de "bon-vivent", diria até que a classe política em geral (inclusive a do seu próprio partido) olha para ele com um certo desdém, desacreditando aqui e ali a sua capacidade intelectual, isto apesar de lhe apreciarem e energia e a fogosidade no combate político e lhe reconhecerem mérito no aproveitamento e manipulação dos meios e comunicação.
    Santana promoveu com facilidade a sua imagem e a sua carreira à custa dos media, especialmente a televisão. O homem gosta de câmaras e sente-se como peixe na água perante as objectivas, desde que não o troquem por outro monstro marinho (mourinho, se quiserem). Podemos condescender e reconhecer que aquilo não se faz, não se convida uma vedeta para a vexar em público, mas não podemos associar-nos ao tom de indignação com que Santana Lopes reagiu, afinal é de muito mau gosto cuspir na mão de quem já nos alimentou.
    Como diria o outro, nota dez para Santana.

    segunda-feira, setembro 24, 2007

    Às delicodoces recheadas


    Depois de tanto me queixar que as mulheres de Canas não alinhavam nestas coisas dos berloques, tenho que dar a mão à palmatória, afinal elas andam aí, reservadas mas activas, e, como é seu apanágio, bem recheadas, com muito açúcar mas pouco sal, o que por um lado é bom, pois como se sabe os baixos valores de açúcar no sangue provocam hipoglicemia, responsável pelo incorrecto funcionamento de muitos dos sistemas orgânicos, nomeadamente o cérebro que é muito sensível a estes valores dado a glicose ser a sua principal fonte de energia, mas por outro algo perigoso, atendendo à importância do sal no correcto processamento dos impulsos nervosos do sistema neurológico, é que um baixo nível de sódio pode desencadear alterações ao nível da pressão osmótica das células e, em casos extremos, desequilibrar todo o organismo. Não sei quem anda bem ou mal recheada, mas isso agora também não interessa nada…
    A bem da verdade já cá andavam quando tivemos a veleidade de vir para aqui cacarejar, só que, por desconhecimento da sua morada não nos foi possível reconhecê-las. Quando demos por elas ainda tentámos uma aproximação, mas fomos logo postas na ordem, aquilo era um espaço decente, organizado por um grupo de amigas que não abdicavam da sua privacidade internauta(?) e muito menos se permitiam partilhar o milho e o farelo com as malucas do Mulherio. Portanto, distância, que o respeitinho é muito bonito e a antiguidade é um posto.
    Assim seja, até porque estas canenses merecem a nossa consideração, e não é só por se despirem do anonimato que habitualmente reveste as personagens deste universo, sim porque estas corajosas berloqueiras assinam com os seus próprios nomes, assumem os seus próprios textos, expõem-se sorridentes para a fotografia e, acima de tudo, não envergonham os pais (tirando um ou outro erro ortográfico), não é como as abjectas figuras do Mulherio que se escondem por detrás de disfarces mais ou menos carnavalescos e andam para aí a apelar ao amor livre - uma vergonha. Mas dizia eu que o apreço não é só por se identificarem, o que lhes garante o estado de graça é a alegria com que vivem a vida, o riso fácil, a juventude, a amizade embrionária, a placenta onde celebram os restos imortais da adolescência – a casa da alegria.
    Todos nós já tivemos a nossa casa da alegria e esta definitivamente não é nossa. Cada macaco no seu galho pois foi assim que Deus e a natureza se entenderam quanto à administração dos poleiros, a bem da preservação das espécies, seja o modelo criacionista ou evolucionista, não vá a mistura ofender a lei universal e o cruzamento parir um monstro.
    Pronto. Aqui fica o nosso reconhecimento por estas jovens canenses, as delicodoces recheadas.

    sexta-feira, setembro 14, 2007

    Crónicas da Galinha Riça - O Obelisco


    Rafeirava por ali sem destino que não fosse o de marcar território, repondo aqui e ali a micção própria da sua natureza, quando o seu apurado olfacto detectou um aroma virgem, inodoro, que para a sensibilidade olfactiva deste animal também é uma forma de cheiro. Estacou, avaliou a direcção de onde provinha e prontificou-se a encontrar a misteriosa fonte, tomá-la só para si com uma expressiva mijadela como mandam as boas regras da sociedade canina. Fosse assim com os homens e nem a lua teria escapado enxuta à conquista americana, isto apesar das dificuldades gravitacionais implícitas.
    Sacudiu-se destas cogitações e lá foi em busca do território anunciado, nariz ligeiro, desbravando curtos horizontes, não que fosse estreito de vista, era sim curto de patas, o que lhe dificultava sobremaneira ver aquilo que o nariz confirmava existir. Ia ligeiramente desconfiado, pois os sinais que lhe chegavam indiciavam algo de inusitado e, como ele bem sabe, novidades públicas nesta terra que lhe calhou em sorte não abundam. O odor intensificou-se e ele, cão prudente, tratou de avaliar a matriz ao local, pois já noutras alturas, impelido pela urgência do instinto mictório tinha negligenciado o da sobrevivência e avançado despreocupado por quintais acabadinhos de plantar, o que lhe custou escaramuças escusadas e fugas pouco honrosas. Baixou a guarda após confirmar que o sítio era público. Que ele saiba ainda não privatizaram as rotundas e esta, embora recente, era-lhe familiar, já por várias vezes ali tinha deixado o seu cunho, como agora confirmava em sondagem mais cuidadosa.
    E lá estava, um obelisco quadrangular levantava-se erecto no meio da rotunda, virgem de cão e prontinho a desflorar. Não hesitou, alçou a pata e aliviou-se tantas vezes quantas arestas haviam acessíveis, desenhando elipses à altura das suas limitações, pois como sabemos este cão é rasteiro de pernas. Finda a marcação admirou a obra, não a sua, mas a dos homens: não está nada mal, pensou, quatro paredinhas ao alto, espaçosas, um mictório canino elegante, os humanos andam generosos. Elevou o olhar e leu pausadamente a mensagem a dourado fúnebre inscrita no frontispício: béu béu, béu béu, pardais ao ninho, tudo muito bonito, uma homenagem aos mártires cá da terra, também eles há procura de novos quintais fresquinhos para verter águas, que isto de linguagem de cão só não a percebe quem não quer. Cumprido o ritual preparava-se para farejar outras paragens quando o seu olhar afilado, sim porque este cão o que lhe falta nas patas sobra-lhe em visão, detectou algo muito estranho escrito num dos lados do obelisco: véu véu! Mas que raio! Releu e tresleu, porém, por mais que soletrasse saía-lhe sempre aquele latido invulgar – véu véu, véu véu. Engrossou o tom, rosnou, assanhou-se, mas o melhor que conseguiu da leitura foi um vréééuu pouco dignificante para a sua condição de cão, mesmo que rafeiro. Por fim desistiu, olhou em redor a confirmar que ninguém o tinha ouvido, meteu o rabo entre as pernas, afastou-se e desabafou entre dentes: estes canenses são loucos.

    quinta-feira, setembro 13, 2007

    Mulherio, Moda Inverno


    Conforme já tinha revelado chegou a altura de trocar de roupa. O antigo símbolo nunca nos convenceu, lembrava uma marca de pensos higiénicos, por isso decidimos proceder a modificações radicais na vestimenta. Após negociações mais ou menos atribuladas, aquando da minha nomeação como editora, acordámos que o melhor era apresentarmos cada uma de nós uma solução diferente para o cabeçalho do berloque. Depois haveríamos de chegar a um consenso. Entretanto surgiram as férias e a alteração foi adiada, por isso só agora vos apresentamos o Mulherio na sua nova versão. De entre vinte e uma possibilidades optámos consensualmente por esta. Espero que vos agrade.
    Quanto à roupa interior, essa vai continuar a ser a mesma, embora nos esforcemos por vo-la apresentar todos os dias lavadinha, assim haja tempo, sabão e nódoas. Portanto, façam favor de pôr umas dedadas na roupinha cá do Mulherio para que o entusiasmo da higiene diária não esmoreça.

    terça-feira, setembro 11, 2007

    Diálogos crispados. Na piscina.

    ela - Tira os óculos. Não falo de nós contigo escondido.
    ele - Não quero que me vejas chorar…
    ela - Devias ter pensado nisso antes. Agora encara-me e diz-me se eu tenho o olhar límpido, como antes fazias questão em afirmar.
    ele - Não, não está.
    ela - Pois não. Escureceste-me o olhar, aquele olhar que segundo dizias iluminava caminhos, ofuscava luas cheias. E eu acreditei que o meu olhar te servia, então, para que te banhasses melhor nos meus olhos, perdia-me ao espelho a levantar as pestanas, a liquefazer o rímel, para que te pudesses ver reflectido em mim, para que a transparência dos meus olhos disfarçassem as mazelas que as noitadas denotavam nos teus. Não te chegaram os meus olhos!
    (silêncio)
    ele - Acho que nunca a olhei nos olhos.
    ela - Nunca a olhaste nos olhos! Nunca a olhaste nos olhos! Quero lá saber se olhaste ou não olhaste…
    ele - Eu seu, eu sei, é uma maneira de dizer.
    ela - Queres saber como vamos resolver isto?
    ele - Hum hum.
    ela - Vou pôr-te os cornos para ficarmos quites.
    (silêncio)
    ele - Tenho alguma alternativa
    ela - Eu tive?
    ele - Não.
    ela - Então…
    (pausa)
    ele - É justo.

    História de Portugal em 7 minutos




    A pedido da Riça... vale a pena dar uma espreitadela.

    E vocês? Ainda estão para as curvas...


      Aqui o Mulherio está entre os 60º e os 120º...

      quinta-feira, setembro 06, 2007

      Relatório de Bordo - Parte 1


      As longas viagens de avião são uma autêntica tortura. Masoquistas repetentes é o que nós somos, que nos sujeitamos a troco de umas férias fugazes a este martírio, e pagamos bem caro o massacre.
      Nestas viagens encontra-se sempre alguém disponível para nos contar a sua vida, por vezes de forma despudorada e quase sempre inconveniente. Apanham-nos ali, atados ao cinto da turbulência, presos ao confessionário, mais perto de Deus, para o melhor e para o pior, como me disse uma vez uma atemorizada senhora numa viagem ligeiramente atribulada, e relatam-nos em voz íntima os casos mais tórridos da sua existência ou, pior ainda, as circunstâncias da morte do ente querido que vão a enterrar na escala de destino. Nem o livro aberto à nossa frente os detém. Aliás, já percebi que o raio do livro em vez de os desencorajar serve de motivo de conversa. Ou porque já leram, ou porque conhecem o autor, ou, embora não conheçam, gostavam de conhecer, enfim, um plano de voo recheado de recursos e astúcia na aproximação ao terreno. O importante é meter conversa, a partir daí já ninguém os segura e, quando damos conta, já estão a falar dos filhos, das netas, da ex-mulher, do raio que os parta.
      Mas, ainda pior, é quando nos calha a criancinha irrequieta mais o som horrível do game-boy e o puzzle espalhado pelo nosso colo, puzzle que a hospedeira em desespero de causa providenciou mas que o melga eficazmente subverteu atirando as pequenas peças pelo ar. Lá vem o pai da criança reparar o irreparável, desculpar o indesculpável, quando a única atitude meritória era um valente tabefe no focinho, mas não pode ser, agora os monstrinhos têm que ser preservados desses correctivos para crescerem monstros capazes, não vá por ali estar um desses pedagogos legalistas defensores dos direitos à monstruosidade para acusar o desgraçado pai de violência infantil. Em vez do tabefe, o conformado progenitor debruça-se sobre mim, de cu para o ar, braços por entre as minhas pernas, cabeça colada aos meus joelhos, tentando recuperar o puzzle perdido. Raios, quem nos visse de soslaio juraria que ele estava a fazer outra coisa.
      Como se não bastasse, depois de muito espernear, de nos ter entornado a coca-cola por cima e de nos ter enchido de migalhas e açúcar, adormece de tédio no nosso ombro sobre o olhar embevecido do pai ao qual não temos a coragem de negar o repouso do pirralho. Deixe estar, dizemos simpáticos, não incomoda nada, quando lá no fundo, a bem da verdade, só nos apetece é despressurizá-lo.
      (continua)

      Relatório de Bordo - Parte 2


      Acomodado o puto, parece que é agora que vamos ter um pouco de paz. Mas não. O avião atravessa uma zona instável, com abanões e perdas súbitas de altitude. Uma agitação nos assentos de trás faz-nos olhar instintivamente sobre o ombro. Um senhor de meia-idade sentiu-se indisposto, saltou-lhe o jorro da indisposição e agoniza perante o incómodo geral. Gera-se a confusão com as pessoas a quererem levantar-se, as assistentes de bordo a dizer que não, que têm que manter os cintos apertados, pois estamos a sobrevoar uma zona de poços de ar, o cheiro a vomitado a entrar-nos directamente para a garganta, alguém que não resiste ao fedor nauseabundo e cede também ao refluxo, mais um que vai ao gregório. Os terroristas do vómito tomam conta do aparelho, multiplicam-se as ameaças e é ver a equipa de bordo, autêntica cruz-vermelha, acudindo vítimas e terroristas. Mais um abanão seguido de uma queda abrupta e a assistente estatela-se no colo de um casal de idosos, sem grandes consequências a não ser a mãozinha atrevida do velhote que apoiou a hospedeira por onde podia, ainda que, anatomicamente, não fosse o local mais conveniente. Ossos do ofício dir-se-ia, se não fosse o caso da ocorrência não corresponder exactamente ao sugerido na expressão.
      Todos aos seus lugares aconselha o comissário de bordo. Os passageiros serão atendidos quando as condições de voo permitirem. O avião estabiliza. Seria altura para respirar fundo e manter a calma, mas respirar fundo naquele antro nem pensar, por isso ficamos pela serenidade possível, engole-se em seco e, se possível, distraímo-nos com o vaivém dos assistentes. Verdadeiros profissionais do vómito, continuam com aquele sorriso plástico, mesmo perante salpicos e odores insuportáveis. Como conseguirão? A que raio de treino serão sujeitos para lidarem com estes bombistas da vomição sempre de sorriso sedutor nos lábios? Nem quero pensar. Lá vem o carrinho de limpeza, os sais, as águas minerais, mais as oportunas máscaras, apesar de insuficientes para os braços prementes que por elas reclamam. Perspicaz, o comissário de bordo impõe prioridades criteriosas baseadas no seu olhar experiente, primeiro os passageiros cujo tom de pele já vai a caminho do branco, não vá isto descambar e acabarmos todos mergulhados num vómito colectivo. Não é à toa que se chega a comissário.
      Ladys and gentlemens… aquela lenga-lenga do costume, já passámos o período de maior turbulência, podem desapertar os cintos. Uff, respiramos de alívio, pois já temos vindo a reprimir a bexiga há um bom tempo ou, no caso dos enjoados, a privacidade da casa de banho sempre trará alguma dignidade à premência do vómito. Mas qual quê, do mesmo mal vêm padecendo todos os passageiros, de maneira que é um ver se te avias para chegar às extremidades da aeronave, atropelos, roça-roça, apertos que o estreito corredor torna inevitáveis, anca com colo, braguilha com rabo, hálito com hálito, o nariz dela no sovaco dele, o cinto dele que prende na blusa dela, o embaraço da situação, de nada vale puxar, só uma dança cuidada, quase sensual, desprende os involuntários amantes, bem, uma autêntica concupiscência, se não soubéssemos que esta gente, embora corra por apelo do corpo, a urgência é de ordem incontinente e nada aponta para que apertos de outra natureza se hajam cumprido.
      Mastiga-se mais uma vez aquela comida inqualificável (para quem não sabe aquela miserável ração custa cerca de 35€, peçam uma factura detalhada nos balcões da companhia e verifiquem) e, por fim, o comandante cheio de enfado, num inglês quase incompreensível, lá se digna comunicar que aterraremos dentro de vinte minutos, céu limpo, temperatura exterior 30º, espero que tenham feito uma boa viagem, a companhia agradece a preferência.
      Fosga-se. E eu que até nem tenho medo de andar de avião.

      quarta-feira, setembro 05, 2007

      quinta-feira, agosto 30, 2007

      Provocação 6

      A casa da sogra não se quer tão perto que ela possa vir de chinelos nem tão longe que queira vir de malas.

      quinta-feira, agosto 02, 2007

      Crónicas da Galinha Riça - O Verão quente de 82

      Nunca uma coisa daquelas lhe tinha acontecido. Logo pela manhã, a fiel carripana que o levava habitualmente à comarca de Mangualde recusou-se a cumprir o percurso. Dois inesperados solavancos silenciaram o motor fumegante e prostraram a resistente companheira ali para os lados da Barragem Velha, na Urgeiriça. A carripana cedeu ao calor que se fazia sentir.
      Estávamos no Verão de 1982 e os telemóveis ainda demorariam alguns anos a obviar estes problemas, pelo que, o Doutor, cofiou demoradamente a barba e foi avaliar o estrago, mais por descargo de consciência do que por capacidade técnica na resolução do incidente.
      - Logo hoje que tenho o processo de pantanas e o julgamento marcado para as 14 horas é que me havia de acontecer isto! Ainda por cima com as férias judiciais à porta – resmungou.
      Homem poupado, nada dado a extravagâncias, recusou a ideia de ir de táxi. Reformulou as possibilidades e verificou que com alguma agilidade poderia apanhar o comboio do meio-dia, o que lhe dava tempo suficiente para comer alguma coisita e apresentar-se no tribunal. Tinha era de ir para casa rever o processo.
      Se assim o pensou, melhor o fez. Voltou para casa a pé, telefonou ao “Rato” para que fosse identificar o mal da carrinha e dedicou parte da manhã ao processo, um complexo diferendo a propósito de direitos de acesso a um lameiro.
      Por volta das 11 horas pegou na pasta e rumou à estação. Estranhou a calma que reinava por ali. As bilheteiras estavam fechadas e não vislumbrou qualquer movimentação que indiciasse a passagem do comboio. Desconfiado, dirigiu-se ao gabinete do Chefe da Estação:
      - Então Doutor, o que é que o traz por cá? – cumprimentou-o amavelmente o Chefe.
      - Venho apanhar o comboio do meio-dia para Mangualde.
      - Ó Doutor então não sabe que os rápidos já não param aqui!
      - O rápido já não para em Canas. Ó que carago! Isto é uma cambada de fascistas. Os reaccionários estão a tomar conta disto e este povo atrasado nem dá conta que lhe estão a comer os ossos…
      Serenou após deixar sair um chorrilho de imprecações, às quais, o pobre do Chefe da Estação, impotente, dava a sua anuência.
      - E o regional? A que horas passa?
      - Às 19 horas.
      - Olhem que uma destas…
      Subiu a penosa Rua da Estação inconformado. Enquanto caminhava ia pensando num estratagema que justificasse a sua ausência no julgamento. Era preciso informar o Dr. Juiz, para que adiasse o julgamento, avisar o cliente, e, acima de tudo, providenciar um atestado médico para ficar acima de qualquer reparo.
      Assim como assim, já não ia a Mangualde, portanto, ia comer calmamente e fazer os telefonemas necessários.
      Almoçou e de seguida dirigiu-se ao Café Rossio onde tomou a bica do costume. Desancou a CP, os fascistas do governo, a Câmara de Nelas e incitou os clientes do café à revolta. Isto assim não podia continuar…
      Por volta das 14 horas foi ao Posto Clínico falar com o médico para lhe apresentar a sua “enfermidade”. Ia na certeza do clínico atender as suas razões, até porque a situação o deixara num tal estado de nervos que por certo lhe mereceria o diagnóstico solicitado. Mas, qual não foi o seu espanto quando foi informado que o médico agora só vinha às segundas e o mais provável era o Posto Médico encerrar de vez.
      -Isto é uma conspiração! É o que vos digo, isto é uma conspiração dos inimigos de Canas. Qualquer dia até para morrermos temos que ir a Nelas…
      Tudo se lhe afigurava uma maquinação, uma trama conspiratória, um castigo político pelo atrevimento de Canas querer ser concelho. Vociferava sozinho contra o estado a que as coisas chegaram. Era preciso fazer alguma coisa. Este pensamento não lhe saía da cabeça.
      Voltou ao café e uma vez mais deu conta aos presentes do que estava a acontecer.
      - Vocês estão todos cegos? Não vêm que nos estão a roubar descaradamente! É preciso fazer alguma coisa.
      Acalmou para repensar a sua situação pessoal. Já tinha feito os telefonemas, o julgamento tinha sido adiado, tinha cinco dias para apresentar o atestado, portanto, só precisava de ir a Mangualde buscar alguns elementos que foram anexados ao processo à última da hora e dos quais não tinha conhecimento. O melhor era enviar um ofício urgente à secretaria do tribunal para que lhe enviassem fotocópias dos documentos, não fossem as más-línguas estranhar a presença do suposto doente.
      Olhou para o relógio. 17 horas em ponto. Rabiscou um texto rápido e dirigiu-se aos Correios para expedir a correspondência com carácter urgente. A funcionária, simpática, selou o envelope mas informou-o que, mesmo urgente, só seguiria amanhã, pois a correspondência do dia já tinha sido recolhida às 16H30, conforme instruções superiores.
      Foi a gota de água. Mais pelas situações desconcertantes de que foi alvo do que pelo sol que apanhou no vaivém dos desfazeres, um tremor de pernas fê-lo sucumbir ligeiramente, a cor do rosto passou de vermelho-raiva a amarelo-desmaio e só uns sais miraculosos providenciados pelo Jorge da farmácia lhe devolveram alguma correcção.
      Recuperou ao fim de uma boa meia-hora. Foi para casa e fez alguns contactos. Era preciso fazer alguma coisa. Nessa noite reuniu no antigo Zé Pataco um grupo de canenses que, solidários com as adversidades do Doutor, delinearam os traços gerais das acções subversivas que teriam lugar no dia 2 de Agosto de 1982 e que extrapolaram para a comunidade os inconvenientes de um dia aziago na vida de um causídico.
      Actualmente comemora-se a data recordando as motivações concelhias que supostamente lhe estiveram na origem. O que pouca gente sabe é que tudo começou com um problema de aquecimento de uma velha e esbaforida carripana e das desventuras do seu proprietário.

      Contrariamente às recomendações...




      este Verão abandone o seu homem

      segunda-feira, julho 30, 2007

      Este Verão proteja o seu homem do Sol


      vai-lhe fazer bem à saúde

      ... e à dele também

      Provocação 5

      O marido pergunta à mulher:
      - Vamos tentar uma posição diferente esta noite?
      A mulher respondeu:
      - Boa ideia, tu lavas a loiça e eu sento-me no sofá...

      quarta-feira, julho 18, 2007

      Uma loura disfarçada de ruiva!!!

      Pois é. A Cris tirou a mascarilha e as pinturas, virou-se de frente e click. Posou tipo capa de revista, e pelo resultado, passou-lhe uma carreira ao lado. Não fica mal no manequim.
      Dizem que o hábito faz o monge, mas de monjas não fala o dito, como tal, nada garante que esta pose corresponda exactamente à pessoa que escreve por detrás do avatar. Mas isso já vocês sabem.
      Gostei da mudança de visual, aliás qual é a mulher que não gosta! Ainda para mais quando a mudança é virtual e não acarreta grande despesa em cabeleireiro e afins. Soltou o cabelo, e vá lá, não se deixou tentar pelo louro que o mariconço do cabeleireiro insistiu em lhe impingir. Já alguns artistas da nossa praça não resistem. Que raio de moda esta dos louros e das louras… eu até compreendo que com o aparecimento das brancas o louro seja o tom mais adequado para as esconder, mas ver raparigas e rapazes novos, na pujança da pigmentação, abdicar do tom sedoso e original que a idade lhes permite, para se camuflarem de “palha sueca”, não concebo. Às senhoras na casa dos quarenta, com brancas precoces, o cabelo louro, se bem pintado e devidamente mantido, ainda vá que não vá, agora aos homens, tipo Herman José, surfista d’Azeitão de papelote dourado, é só rir. Há gente que para contrariar a ideia de envelhecimento cai facilmente no ridículo. Com a mesma intenção, já andou por aí a moda do rabo-de-cavalo. Digam-me lá se a seguir ao unhame comprido do dedo mindinho, há algo que nos tire mais a ponta do que um homem de rabo-de-cavalo! Está bem, há, mas olhem que estes estão no topo da lista.
      Mas o pior vem depois. Com o passar do tempo, começa a instalar-se a inevitável raiz escura do cabelo original e a mentira vem ao de cima, isto quando as sobrancelhas, o bigode e outras pilosidades não denunciam a mentira anunciada. Instala-se um aspecto desmazelado e até suspeito que obriga a correcções várias para satisfação pessoal do maricas do cabeleireiro. “Quérida não tente cólori a raiz em casa não”, ainda diz o capicuas do brazuca, “seu cabelo é como o arco-íris, é um dom da natureza… só aqui o Migéu Ângelo é que sabe pegá”. E lá caminham eles e elas, incansáveis, para as mãos e as tintas do Migéu Ângelo, verdadeiro patrocinador de anedotas, e o mais curioso é que nem a fama de burras que as louras gozam contraria esta tendência. Isto só pode ter uma justificação, assim como assim, isto é mesmo um país de burros e daí, não fazer o louro qualquer diferença.

      (estou proibida de desejar “boas bicadas”, lol)

      segunda-feira, julho 16, 2007

      Novo rumo


      Não foi de ânimo leve que decidi aceitar a responsabilidade editorial do Mulherio. E só o fiz porque vi aceites algumas exigências na reorganização do “berloque”.
      Eu e a Achadiça divergimos substancialmente em alguns aspectos gráficos… ambas fizemos cedências. Ela cedeu na colagem do berloque ao galinheiro e às galinhas e eu tive que abdicar da minha intenção de pintar as paredes do casebre de outra cor. Detesto este rosa-carne. Enfim, lá conseguimos um compromisso que salvaguarda os gostos e as intenções das partes. Felizmente a Riça não se prende a estas miudezas estéticas. Logo que me garantam que o berloque não resvale para a idiotice, disse ela. Coitada, ainda não se percebeu que é isso que temos vindo a fazer desde que foi inaugurado.
      Discussão à parte, sim discussão, nem imaginam o sarrabulho que foi para nos entendermos quanto às alterações que pretendo impor no Mulherio, mas, dizia eu, discussão à parte, aprovámos algumas alterações que, embora não colidam com a natureza do berloque, vêm reformular aspectos de fachada. Designadamente:

      - Extingue-se o MRMCS (Movimento Reivindicativo das Mulheres de Canas de Senhorim) e o cargo de Presidente do Mulherio.
      - Cria-se a "figura" de editora à qual compete determinar as linhas gerais na orientação do berloque.
      - Acaba a estrutura hierárquica do berloque, assente num regime presidencialista e na pseudo-democracia que vigorou até agora.
      - Estabelece-se um regime de liberdade e responsabilidade pessoais, de acordo com as orientações estabelecidas pela editora.
      - O galinheiro é definitivamente encerrado. As galinhas residentes perdem essa condição e rompem com toda a simbologia e referências que as associam à espécie. Acabam as bicadas, as minhocas, os repenicos, as posturas, os cacarejos e por aí fora…
      - O Mulherio passa a permitir comentários anónimos.

      Estas são as principais alterações. Um novo símbolo também está em estudo. Sempre achei aquele muito “penso higiénico”. Só espero que a Achadiça não me venha com retaliações e a Riça com decências puritanas… seja lá o que isto for.
      Embora as nossas divergências tenham sido muitas não posso deixar de enaltecer o trabalho da Achadiça como responsável pela gestão do berloque. Ao longo de um ano deu-lhe cor e forma e contribuiu decisivamente para a sua maturação. De igual forma, exalto os textos da Riça. Esperamos poder continuar a contar contigo amiga, e desta vez sem as referências que tu tanto odeias, hehehe!
      Pronto, para já é tudo. À noite logo se vê

      quinta-feira, julho 12, 2007

      Final do mandato

      Terminei no pretérito dia 8 de Julho de 2007 o cargo de Presidente do Movimento Reivindicativo das Mulheres de Canas de Senhorim (MRMCS) e, por inerência, a responsabilidade editorial do Mulherio. Julgo ter cumprido cabalmente as funções que me foram confiadas, quer denunciando vícios comportamentais severamente enraizados no consciente e subconsciente masculinos, quer contribuindo eficazmente na estruturação e consolidação do Mulherio. Em articulação com a Cristalinda e a Riça, determinantes no sucesso alcançado, pretendi traçar um rumo de orientação que tornasse o “berloque” mais sério e diferenciado, não obstando a isso o tom jocoso que lhe está na génese.
      Foi um mandato tranquilo. Tivemos sempre o cuidado de não exceder o razoável, optando por uma linha moderada, mesmo sabendo que a controvérsia ou a provocação poderiam trazer mais leitores a esta página. Fizemo-lo, porque entendemos que Canas de Senhorim merece um espaço feminino respeitado e respeitador, onde homens e mulheres possam trocar sentimentos e opiniões sem a mácula do desrespeito ou da inconveniência, ao arrepio de abordagens impróprias e de linguagem excessiva. E para isso nada melhor do que dar o exemplo.
      Por comparação com outros “berloques” cá da terra verifico que o “Mulherio” poderá ir mais longe, poderá ter mais visitantes. Esse desafio vai ser assumido pela Cristalinda, à qual passei a responsabilidade editorial do Mulherio no passado dia 08 de Julho.
      Compete-me agradecer às minhas companheiras o excelente trabalho desenvolvido, desde o espírito de equipa que demonstraram, abdicando muitas vezes da sua vontade própria a favor das disposições saídas do grupo, até à excelente qualidade dos textos por elas publicados. À Riça e à Cristalinda o meu muito obrigada. Sem vocês não seria possível manter o “Mulherio”. E desculpem qualquer coisinha.
      Resta-me desejar à Cristalinda o êxito que já antevejo. Estarei sempre ao teu dispor.
      Boas bicadas

      domingo, julho 08, 2007

      Amor

      A minha mulher trouxe-me flores, malmequeres, sardinheiras e outras que a sensibilidade e os meus conhecimentos de botânica não alcançam. Antes, ao telefone tinha-lhe dito para irmos jantar fora... não era um jantar com pretensões românticas, era só o corolário de um fim de semana difícil e cumprido. Trouxe-me flores e recusou o convite. É natural, não se investe em flores para consentir intenções de reconhecimento. Olho para elas embevecido, muito aprumadinhas no solitário, que, assim, perdeu o conceito e ganhou a companhia de um rico ramalhete: em baixo, no apoio do rebordo, a sardinheira, pequenina mas carregada de pétalas incrivelmente vermelhas, depois, ligeiramente acima, desencontrados, cinco malmequeres farfalhudos abrem o conjunto, e a rematar, altivo, um bolbo de múltiplas folhas cor-de-rosa, a tal flor cujo nome desconheço, deslumbrante na forma e delicada na cor. Um rosa-leve a fazer o contra-ponto do vermelho-sardinheira que a projecta. E tudo isto roubado do jardim do ex-marido.
      Boas minhocas

      sábado, junho 30, 2007

      Provocação 4

      - Querida, vamos ter que começar a economizar.
      - Tudo bem... Mas como?
      - Aprende a cozinhar e manda a empregada embora.
      - Está bem... então aprende a fazer amor e podes dispensar o motorista.

      segunda-feira, junho 25, 2007

      Crónicas da Galinha Riça - Memorial dos passeios


      Vieram de longe estes artífices da pedra. A obra era megalómana e o aparato da chegada dos operários trouxe ao adro da igreja muitos curiosos animados pela novidade e pela extravagância da ocorrência. Não era comum nesta vila beirã assistir-se à execução de obra de vulto, facto que desde logo levantou algumas suspeitas, mas, iniciados os trabalhos, logo a suspeição se desvaneceu para dar lugar ao assombro. O ar boquiaberto da assistência não dava lugar a dúvidas, o início da obra não era uma miragem. A maquinaria avançou convicta, seguida de pedreiros, assentadores, calceteiros, tudo numa roda viva, confirmando a sumptuosidade do empreendimento. Qual Torre de Babel, a obra estender-se-ia para além da visão mais apurada, desaparecendo do alcance humano na encruzilhada das Alminhas, à Fonte da Cruz, relação assaz curiosa, como mais à frente ireis perceber.
      Na senda de outros empreendimentos, também este foi planeado em jeito de promessa por graça concedida. Salvaguardadas as distâncias e as circunstâncias históricas é inevitável a comparação entre a execução dos passeios da Avenida da Igreja e a construção do Convento de Mafra, não só pela complexidade do projecto mas também pela motivação dos seus mentores.
      O rei D. João V, amante desenfreado das mais belas freiras do reino, ficou desconcertado na sua virilidade quando verificou a fealdade da sua consorte D. Maria Ana de Áustria. Ora, não havendo falta de freiras à altura, D. João V negligenciou a câmara nupcial da rainha privando-a da sua mui preciosa semente real. Passaram-se assim dois anos sem que D. Maria Ana sentisse o vigor da fertilidade, agravo ainda maior se atendermos às consequências políticas que a falta de herdeiros implicava. Perante o absoluto repúdio que a rainha lhe incutia, D. João V, rodeado das suas acólitas predilectas, fez votos a Sto. António, prometendo construir um grande convento caso visse garantida a improvável descendência.
      Pois de milagres vivem as desonestas intenções. O santo casamenteiro lá se aprestou a virar o gume ao arado e a encaminhar o nosso rei a rego certo. Deste encaminhamento nasceram cinco filhos e com o ouro abundante que lhe chegava do Brasil deu cumprimento à promessa. Mandou construir o convento de Mafra.
      Também aqui por Canas reinam desconfortos conjugais. Todos sabemos que a “madrasta”, cognome que um conceituado cronista cá da praça atribuiu à rainha que nos calhou em sorte, não morre de amores por nós, mas, mesmo de cabeça enfeitada por infidelidades permanentes, insiste neste casamento forçado que se arrasta quezilento há mais de um século. No nosso caso não está em causa a questão da descendência, pois a “madrasta” é estéril e, por mais que lhe enchamos o baú de diamantes, dali não sai nada; o que ambicionamos mesmo é o divórcio pleno, por isso optámos pela via litigiosa, ainda que os frutos colhidos nos tenham, por enquanto, sido amargos.
      Mas, dizia eu, é notória a similitude de processos entre a recusa de D. João V e a cupidez da “madrasta”. Aquele, temendo a desagregação do reino na ausência de herdeiro, invocou o santo por via de promessa conventual para que lhe assegurasse a linhagem, esta, confrontada com a possibilidade de ver o seu território fracturado, rogou a São Salvador que fizesse jus ao nome e lhe salvasse a unidade territorial concedida pelo inusitado matrimónio. Em reconhecimento prometia construir belos e extensos passeios ladrilhados a granito na avenida de Sua santa morada. Para feito difícil, promessa grandiosa, como mandam as regras canónicas.
      Foi atendida a “madrasta” que assim evitou a desagregação do território e consolidou o insensato casamento. Agora, mãos à obra que é preciso pagar a promessa, não vá o Diabo tecê-las.
      Mas esta terra é difícil. Nem os homens cuidam do cumprimento de promessas nem os santos se entendem quanto à administração dos milagres. Iniciados os trabalhos não foi preciso muito tempo para verificar o malogro. Especula-se que foi tanto o empenho dos operários a martelar a pedra e a esburacar os passeios que, as alminhas residentes na encruzilhada da Fonte da Cruz, logo ali, a cem metros dos trabalhos, acordaram do sono secular a que a distracção divina as tinha condenado e urravam agora lancinantes perante os renovados suplícios do purgatório. Tementes a estes fenómenos sobrenaturais, os trabalhadores, crentes e não crentes, ficaram aterrorizados e fugiram desordenadamente, abandonando maquinaria, ferramenta e material. Ainda hoje não se sabe onde eles param.
      Estarrecidos ficaram também os canenses, não por efeito do fenómeno, que ao purgatório já estão habituados, mesmo que o dos vivos, pois que conste, nada prova que seja menos doloroso que o dos mortos. O que os pasmou foi a “madrasta”, pois ao que parece, inspirada nos dons etéreos de Blimunda, anda prestimosa a recolher as vontades dos moribundos agonizantes das Alminhas. Se essas vontades, preservadas em âmbar, tinham o poder de fazer subir a complexa passarola do Gusmão também haveriam de erguer os igualmente difíceis passeios da avenida.

      Bons repenicos

      sexta-feira, junho 22, 2007

      Diálogos encrespados. Jantar comemorativo do 1º aniversário do Mulherio.

      Riça ...porque vocês não têm noção do infinito? A relação do “criador” vs “o criado”...
      M.- Parece-me demasiado infinitesimal...
      Achadiça - Pois, tipo abordagem romântica entre uma roda e um parafuso.
      Riça - Não te despistes por causa do parafuso, o universo é uma engrenagem completa...
      Cristalinda - Ou entre um parafuso e uma roda! Já agora que simbologia atribuis à roda? E ao parafuso? Eu cá tenho uma tendência vulgar para sexualizar tudo isto. Cá para mim isto é tudo conversa de sexo!! Roda, parafuso… está bem de ver.
      M.- Lá tínhamos que ir parar ao sexo! O difícil e a queda residem na ruína do abismo, fundo e vazio. A conversa acerca de Deus é grande e diz-se que se há universo não pode ser infinito. O infinito é um oito deitadinho a dormir uma insónia grande que não há doutor que remédio dê…
      Achadiça, Cristalinda - Porra!! É lá!!
      Cristalinda - Eu insisto no sexo e para esse há doutores e remédios e… doenças. Precisamos urgentemente de uma terceira via sexual, uma forma de…
      M.- Não há mais via nenhuma, o sexo é limitado, uma porta transparente aberta de par em par mas sem entrada nem saída. O clímax está no penetrar? No sair ou no entrar? No orgasmo transparente ou no disfarçado? É só ruído, o sexo é só ruído.
      Riça - Ó M. não bebes mais, estás a ficar tó-tó de todo.
      Achadiça - Depois disto sexo com cavalos é pêra-doce.

      terça-feira, junho 19, 2007

      Diálogos Crispados. Na cama.


      - Onde é que isto nos vai levar?
      - Agora é que perguntas, está feito, está feito, amanhã se verá…
      - Foi bom não foi?
      - Hum hum.
      (silêncio)
      - Achas que podiamos continuar a ver-nos?
      - Não me digas que queres namorar, assim de repente, só porque dormiste comigo! Vais ver que amanhã isso te passa, portanto não me faças perguntas idiotas.
      - Não é namorar, é sairmos mais vezes, conhecermo-nos melhor…
      - É pá ouve lá, já me conheces as entranhas, a partir daqui é só para nos martirizarmos. Ficamos com esta recordação mais ou menos perfeita e, se se der o caso, reincidimos um dia destes, sem compromisso, que a vida já me foi dura para insistir na companhia.
      - A vida já me foi dura para insistir na companhia! Já ouvi isso em algum lado.
      - Pois já, adoptei a frase feita como lema. É pouco original mas traduz muito bem o meu cepticismo.
      - Olha, desculpa lá a minha humanidade, desculpa o facto de não resumir isto a sexo, desculpa lá ainda acreditar, desculpa lá gostar de ti…
      - Não tentes manipular-me com lérias, não vieste por gostar de mim, que sabes tu disso? Vieste porque te agradei visualmente, vieste porque eu quis, querias sexo, eu também… e agora já queres andar de mão dada e amanhã, quem sabe, queres-me a marcar consultas para a próstata.
      (risos)
      - Pelo menos podias dar-nos o benefício da dúvida. Não me podes impedir de gostar e tu sempre poderias reaprender…
      - Ó meu romanticozinho, então andei uma data de anos a desaprender de gostar para agora vires armado em catedrático reensinar-me a matéria dada!
      (pausa)
      - A tua ironia é cruel, mesmo assim gostei da entoação…
      - És mesmo um lérias. Vou dormir que amanhã é dia de trabalho. Dorme bem.
      (silêncio)
      - Gostava tanto que jantasses comigo amanhã?
      (silêncio)
      - Telefona-me. Amanhã se verá.

      quarta-feira, junho 13, 2007

      Meu triste Sto. António

      Dia de Santo António, santo pela palavra e pelo exemplo, também por saber falar com peixes. É um santo casamenteiro. E que o diga eu que à conta dele me casei por uma data de anos.
      Como santo popular, dá-nos o pretexto para continuarmos a ser populares e então lá vamos nós besuntar-nos de sardinhas, mesmo que o preço não seja popular, e de vinho, claro, à moda do português, onde vai um copo vão logo dois ou três. E com isto entramos nas rimas, nas flores de papel, na marcha costumeira deste povo que cheira a sardinha e a vinho.
      Ó meu santo Antoninho, como dizia o José Mário Branco, porque te deram essa sina de casamenteiro. Logo a ti que só me tens proporcionado desgostos.
      Contigo amei, contigo perdi. Contigo continuo a perder. Hoje, por exemplo, perdi mais uma das poucas esperanças que tinha. E tu deixaste-me só. Obrigada santo António de Lisboa, hoje foi um dia memorável, mais um daqueles em que nos apercebemos que estamos sós, completamente sós. Não achas santo António que é hora de desmascarar tudo isto? Que sabes tu do amor, sem ser do amor a Deus? Que salvação encontraste tu, ou te atribuíram, para que permaneças santo ao longo dos séculos e mesmo assim possas ser pretexto para as mais mundanas inutilidades. É assim tão em vão a vida dos santos? Apenas mais uma forma de gerar negócio, nem que seja à custa da sardinha com três dias a um preço exorbitante para encobrir o cheiro.
      Santo António deixaste de dar-me o que quer que fosse. Mas ensinaste-me que a vida não é tão simples como a dos peixes.

      Boas minhocas

      terça-feira, junho 12, 2007

      1:51

      Venho da noite traiçoeira. Desta vez escrevo em meu nome. Jantar fausto, delírios romanceados, copos quase delinquentes. Atravessei a cidade buscando um pouco de música letrada como se um bonito texto apagasse a nódoa das palavras. Artistas simbólicos! Estou farta. Alguns amaram-me, e mal. Já tive homens de muitas cores, e tu tiveste a brecha de entrar sem dares conta... as relações humanas não são relações intelectuais... nunca foi esse o suporte das famílias... e símbolos toda a gente manipula... também há aqueles que fazem encenações....sempre no domínio do simbólico - os homens da minha insatisfação. Estou farta de seráficos. Merda, hoje não devia ser eu.

      segunda-feira, junho 11, 2007

      Alfa Pendular. Catenária.

      Desta vez tens um programa especial.
      Temo os teus programas. Ao princípio ainda ficava entusiasmada com a ideia. Pensava ingenuamente que tinhas feito aquele frango de caril picante e mo desses a provar no conforto da tua sala, convenientemente preparada para uma longa sessão a dois. Isto, quando habitávamos sozinhos a tua sala.
      Gosto da tua sala. Não me canso de olhar as lombadas volumosas dos livros abandonados à desordem do teu método de trabalho. Mas do que eu gosto mais é da biblioteca. Vagueio por entre as estantes em carvalho escuro, repletas de preciosidades literárias, herdadas da tua mãe e acumuladas por anos e anos de religiosa devoção à leitura. Por vezes gracejavas da tua mãe, dizias que tinha gasto a fortuna do senhor coronel em livros. O senhor coronel que sustentava a amante insaciável com literatura. Sempre mais e mais livros, a medida de um amor proibido. Gosto de imaginar as histórias que esta sala enorme encerra. Em frente à janela que dá para o terraço ainda conservas a poltrona onde a tua mãe desfolhava as incontáveis páginas que o coronel providenciava; na mesa de apoio um livro entreaberto resiste à preguiça da leitura; ao fundo, abandonado à tua letargia, o piano geme desafinado, despertando da sua longa hibernação quando lhe acaricio as teclas; nas paredes, os teus antepassados reprovam o atrevimento da intrusa. Saio para o terraço.
      Chamas-me, longínquo. A casa é enorme, daquelas casas aristocratas onde quatro gerações podiam coabitar harmoniosamente. Já foi majestosa, agora deteriora-se, confirmando a decadência das grandes famílias. Ouço vozes femininas. São as universitárias a quem alugas quartos e sei lá mais o quê… tinha que ser, disseste-me, a casa precisa de obras. Não denotam qualquer admiração por me verem ao fundo do corredor, sinal de que é comum a presença de estranhos por aqui. Nada que eu não soubesse.
      Estou no terraço, gritei. Contemplava a vegetação que sufoca o antigo lago do jardim interior. Uma corda arqueava sob o peso da roupa das universitárias. Numa das extremidades ombreavam lado a lado as cuecas dele com as das meninas… mas por que raio haviam de estar presas na mesma mola?
      Libertei-me destes melindres, respirei fundo e voltei à sala. Voltaste do banho que eu recusei. Estava com o período e não me apetecia partilhar amores de banheira nestas condições. Disse-to e tu sorriste compreensivo. Fosse noutros tempos e insistirias na barrela. Tomaríamos um banho dionisíaco e cantarias hinos às bacantes chafurdando alegremente na água tingida de mim. Agora! Agora tens um programa especial…
      Vamos ver “A Gaivota” do Tchekov, disseste de rompante, tentando surpreender-me.
      És sempre tão previsível quando me queres agradar. Há tempos disse-te que o meu actor preferido era o Luís Miguel Cintra. Não te esqueceste…

      Regresso a Canas. O comboio desliza veloz. Não consigo concentrar-me no livro que me emprestaste, aliás que me aconselhaste. Olho a paisagem em fuga e reparo que a única imagem fixa que retenho é a da catenária que acompanha toda a extensão da linha, um imenso estendal, ridículo, repleto de cuequinhas de mão dada, unidas pela mola do meu descontentamento.

      Boas minhocas

      terça-feira, junho 05, 2007

      Festa da Póvoa. Um conto imperfeito.

      Ele sabia que ela estava lá. Talvez rodeada de amigos, inacessível, mas estava lá e isso bastava-lhe.
      Demorou-se em preparos, ora disfarçando uma borbulha inconveniente, ora esfoliando um ponto negro mais teimoso. O cabelo já tinha adquirido a forma desejada e o boião do gel repousava agora vazio, junto do frasco de after-shave barato que a tia lhe tinha oferecido pelo 16º aniversário. Lavou dentes e gengivas, quase até à sangria. Puxou a língua e esfregou-a até ao vómito. Por fim, deu estes preliminares por cumpridos, ajeitou os óculos e lançou um último olhar ao espelho. Invadiu-o uma tremenda sensação de insegurança: porque haveria ela de olhar para ele, sempre deslumbrada pelos betinhos do costume, ou então encantada com os trejeitos dos palhaços que lhe faziam a corte, de piada fácil, desinibidos, a lançar-lhe palavrões aos ouvidos… e ele que só lhe queria dizer palavras bonitas, daquelas de amor.
      Já tinha pensado as palavras que lhe diria, até se dera ao trabalho de decorar umas quantas frases em inglês, sacadas dos seus temas musicais de eleição. Ah como gostava que ela ouvisse as suas músicas e depois ouvir as dela e depois ouvi-la só a ela… ah como desejava que o mundo acabasse e ficassem só eles, na feliz condenação do “Armagedon”; uma nova ordem universal.
      Voltou à realidade. Pelo menos podiam ser amigos, ou fazer parte do grupo dela. Mas como, se ela o ignorava totalmente. Na escola, o ano tinha sido um inferno: as notas miseráveis; a inadaptação às lentes de contacto; os cabrões dos amigos dela, uns crápulas; as namoradas dos outros, sempre ofegantes, a denunciar salivas apetecíveis; as amizades traídas; as amiguinhas dela, levianas, a arrastar a asa a tudo quanto mexia (menos a ele) e ela, insuportavelmente omnipresente, tão perto e tão longe, devastando a pouca auto-estima que lhe ia restando.
      Agora a roupa! As mães nunca antecipam estas ânsias. Logo agora que precisava daquela t-shirt gap é que a mãe tinha decidido dar-lhe sumiço. Interpelou-a furioso e não descansou enquanto a pobre não encontrou o desejado adereço boutiqueiro. Adereço boutiqueiro é como quem diz, que esta t-shirt foi adquirida na feira, contrafacção muito jeitosa que a mãe arrematou por dez euros após o inevitável regateio. Mas pronto, a imitação passava despercebida e nada indicava que algum entendido ou entendida lhe questionasse a autenticidade.
      Finalmente uma última consulta ao espelho. Tudo em ordem. Saiu amparado pela ténue esperança da noite lhe ser favorável. O plano era simples: aproveitar o terreno neutro da festa para se misturar no grupo dela; depois de integrado, tentar chamar a atenção dela, isto é, intervir com graça e inteligência, se possível ser sedutor, mas, acima de tudo, falar com ela.
      Quando magicava o estratagema lembrou-se de um filme que tinha visto, “Fala com ela”, de um realizador espanhol qualquer de que não lembrava o nome. Era uma história engraçada, de esperança e desejo: um enfermeiro apaixona-se pela sua doente em coma e fala com ela como se estivesse consciente, conta-lhe os filmes que vê, os livros que lê, acaba por fazer amor com ela, comatosa...
      Fala com ela, fala com ela... estas palavras ocupavam-no por inteiro.
      Tudo correu como previsto. A inibição inicial foi facilmente ultrapassada e até foi por mais de uma vez contemplado com gargalhada geral aquando de umas graçolas oportunas. Os amigos dela não o hostilizaram e as três cervejitas que bebeu soltaram-lhe a língua. Fala com ela, fala com ela…
      Adoro-te.
      A palavra saiu baixinho, envergonhada. A princípio ninguém se apercebeu.
      Adoro-te, repetiu, agora de uma forma perceptível e com o olhar fixo nela. Alguns dos presentes tomaram consciência do que se estava a passar e calaram-se incrédulos.
      ADORO-TE, insistiu, mas agora de forma incontornável.
      Ela ficou petrificada. Todos se calaram. Os olhares da assistência buscavam ora um ora outro, sem perceberem muito bem o que se estava a passar. Um silêncio pesado e confrangedor tomou conta da mesa. A música do recinto distanciou-se, como a banda sonora dos filmes românticos quando o plano requer o protagonismo dos actores.
      Adoro-te, insistiu ele. Depois baixou os olhos.
      Vergonha. Uma vergonha calada deu lugar ao arroubo inicial e instalou-se incómoda. Valeu alguém comentar qualquer coisa ininteligível para, aos poucos, os convivas recuperarem da surpresa. A música ganhou sonoridade e rapidamente se reinstalou a normalidade na mesa.

      Este “benjamim” não logrou alcançar o beijo apoteótico, nem a malta gritou “aí benjamim”; também não falou com ela. Este “benjamim” secou fundo as lágrimas que havia de chorar mais tarde e abandonou o recinto da festa cabisbaixo, impelido pelo malogro, tomando nas mãos vazias a imperfeição do mundo, desacreditando a ordem natural das coisas, odiando a ordem imperfeita da adolescência.