sexta-feira, setembro 14, 2012

Post mortem


Passados três anos do encerramento do Mulherio volto a estas páginas bolorentas. Não o fazia há muito tempo, mas o reencontro com uma das nossas amigas assim o ditou. Dei uma leitura geral ao berloque e agora, que a distância apura a análise, faz algum sentido aceder à sugestão da Cris, isto é, varrer a lixarada mais intima e disponibilizar a quem quiser algumas bicadas destas vossas amigas que durante outros tantos anos para aqui andaram a reclamar a vossa atenção.
Não antevejo qualquer possibilidade de retomar a antiga actividade do Mulherio, muita coisa mudou entretanto, como aliás seria de esperar. Portanto aqui fica o último fôlego em jeito de réquiem. Espero que se divirtam com algumas memórias nele inscritas e, quem sabe, algum futuro atrevimento das colaboradoras.

sexta-feira, março 06, 2009

Vens ao Rossio "xantinha"...


Carnaval e política de mãos dadas parece-me bem. O popular ditado "é carnaval, ninguém leva a mal" poder-se-ia até estender à política e aos políticos: é política, ninguém leva a mal. Não rima! Então poderia ficar “é política local, ninguém leva a mal“. Pronto.
Mas o facto é que há gentinha que ficou muito indignada com o apoio da Câmara de Nelas. Mas que raio de hipocrisia é esta, então aquele bairro mamão andou ano atrás de ano a receber as verbas negadas ao Rossio, numa falta de solidariedade quase ofensiva, borrifando-se para as dificuldades financeiras que o Rossio teve que ultrapassar para não deixar cair o Carnaval de Canas (sim porque não há Carnaval de Canas só com um bairro) e para manter a sua dignidade intocável, e agora, que está finalmente a ser ressarcido desse período negro, não devia anunciar os bons ventos que nesta matéria vêm lá de cima. Poupem-me. Vão mas é trabalhar, como dizia o outro.
Do meu Rossio engalanado não posso deixar de elogiar a performance do “baile de roda” nas quatro-esquinas, muito bonito, a fazer lembrar outros tempos. Para quem não sabe, há muitos anos atrás, era costume pelo Carnaval rapazes e raparigas dançarem o “baile de roda”, os do Paço no terreiro da Igreja e os do Rossio nas 4-esqinas e no largo do Rossio de Baixo, junto ao chafariz. Estão de parabéns a organização e os marchantes por recuperarem esta tradição (julgo que no berloque do Carnaval há lá fotos antigas a documentar esse costume esquecido).
De resto, já nem vale a pena falar, a marcha do Rossio sobrepôs-se à do Paço como é habitual: é um prazer ver as nossas músicas e letras antigas cantadas e revitalizadas pela garganta dos mais jovens, até as crianças já as sabem de cor. Quase que vou às lágrimas a ouvi-los cantar - vens ao Rossio "xantinha" buscar a cartinha - coisas de velhos, como diz o Patxi. Enfim, Canas de Senhorim pode orgulhar-se do seu bairro.
Quanto a vocês, pessoal do Paço, não desanimem, deitem mãos a picaretas, camartelos e baldes do lixo, alarguem a rua do Paço, e pode ser que para o ano vos façamos a vontade… quem sabe se não iremos ao Casal, à Urgeiriça, ao Carvalho, aos Pardeiros e, por que não, ao Pisão... até lá, ficam a falar sozinhos, que eu vou retirar-me serenamente para deglutir esta saborosa vitória carnavalesca. Já agora aproveitem bem os passeios antes que a doutora se arrependa :), faz-vos bem à saúde… física e mental.

terça-feira, março 03, 2009

Crónicas da Galinha Riça - Cinzas

De repente assistimos ao desmoronar de duas “instituições” canenses: primeiro foi a impensável descaracterização da marcha do Rossio, com alusões publicitárias de carácter duvidoso, sob o compromisso de uns quantos votos na urninha da doutora; depois, na sequência da queima do Entrudo, reduziram a cinzas o berloque do Município, último reduto da sublevação restauracionista que por aqui grassou.
Difícil é não fazer associações entre uma coisa e outra. Canas e os seus agentes parecem caminhar para o servilismo que amorosamente a “senhoria” lá de cima nos propõe, no primeiro caso por manipulação, no segundo por omissão.
Arrancada à prostração por estes acontecimentos bombásticos, decidi contar a coisa como ela se passou, aqui no berloque, que, à semelhança do outro, ou muito me engano ou também está condenado a arder nos quintos do inferno. Vamos lá então:
A doutora “senhoria”, estratega experimentada, avaliou a radiografia do inquilino do rés-do-chão, mirou-a de perto, de longe, pelo direito e às avessas, e detectou dois focos de infecção, aparentemente inofensivos, é certo, mas, pelo sim pelo não, o melhor era não correr riscos: antes que alastrem aplica-se já o antibiótico, se possível pela retaguarda, em supositório, para que surta o efeito desejado. Entretanto mandou chamar o Sr. Silva.
- Ó Silva convoque aqueles do Carnaval do Rossio ou lá como é que eles se chamam e veja também se identifica os mandadores daquele panfleto digital, um tal de Município, que anda para aí na net ao serviço dos insurrectos.
O Silva aproveitou logo a oportunidade para demonstrar que estava bem informado e sem qualquer reserva esclareceu:
- Doutora, quem manda naquilo é o candidato da terra… tem lá uns peões a barafustar, tipo testas de ferro…
- O quê, o panfleto é do candidato! Então não são os restauracionistas que mandam naquilo?!
- É confuso, parece que o candidato anda de braço dado com os restauracionistas.
- Ui, ui, não sei o que é pior. Então e quanto àquele bairro carnavalesco que tem a mania de criticar e mal-dizer aqui a “senhoria”, ainda por cima com o dinheirinho que generosamente lhes damos?
- Não se preocupe doutora, esse está vacinado, inoculámo-lo com blocos de cimento. Eu próprio distribuí o “kit”, tudo muito higiénico e sem efeitos secundários.
- Pronto, então divirta-se, e bom Carnaval… ah, não se esqueça de convocar os panfletários…
- Vai-lhes oferecer uma sede… uma capela… um trombone… uma rotunda?
- Não Silva, vou dar-lhes um tratamento adequado.
O Silva saiu e a doutora recostou-se no cadeirão presidencial, permitiu-se mesmo espreguiçar a sagacidade que entreviu no seu raciocínio. Depois pegou na caneta e rabiscou na ficha clínica, anexa ao processo:
“Diagnóstico reservado. O inquilino demonstra melhoras. Mantêm-se os passeios. Ministrar Xanax aos restauracionistas e quejandos… para prevenir reincidências.”

segunda-feira, março 02, 2009

Paço vs Bairro em Cima do Povo!!!!!!!!

Agora que recuperei da surpresa já me posso permitir a deixar algumas impressões sobre o Carnaval. Estou a ficar velha e posso afirmar que já vi um pouco de tudo, que já nada me causa espanto, mas, como eu também já deveria saber, nunca confiando, que estas gentes do Rossio são capazes de reviravoltas alucinantes.
Que o Carnaval do Rossio anda pelas ruas da amargura já nós sabemos há muito tempo, que lhes falta a arte e o engenho na construção dos carros, também, que não cumprem compromissos acordados, já não é de agora, que fogem a sete pés da Rua do Paço, até é normal, não vá a beleza do nosso bairro deprimi-los, agora apaixonados pela Câmara de Nelas, com direito a Corações do Dão ao ritmo da bagunçada, não quis acreditar que era possível. Pasmei perante aquele quadro sórdido e indigno: uma barracada a troco dum barracão.
E isto não é pouca porcaria… vá lá, se ainda disfarçassem a vendilhice num qualquer taipal das caranguejolas que por aí arrastam, do mal o menos, assim como assim, ninguém olha para aqueles trecos-trecos, e passava despercebida a afronta, mas não, destacaram o andor da infâmia bem na frente da procissão, com beatas, acólitos e carpideiras marchando em adoração!
Espero que não, mas por este andar ainda hei-de ver o Paço obrigado a rivalizar com o Bairro em Cima do Povo, numa comunhão carnavalesca tão imprevisível como a presença daquele andor nas ruas de Canas.

Rossio, Rossio meu
Já foste mais do que tudo
Agora não sei que te deu
És a vergonha do Entrudo

sábado, dezembro 13, 2008

o meu juvenal...


Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma

quarta-feira, novembro 05, 2008

Crónicas da Galinha Riça - Regabofe

Não consigo evitar uma gargalhada perante a promiscuidade com que certos políticos animam os corredores onde desenrolam as querelas pelo poder. O caso do nosso concelho e das lutas pelo poder concelhio é um manancial de traições e infidelidades, um autêntico regabofe. Senão vejamos:
José Correia, abandona o PSD há cerca de 20 anos, muda-se para o PS e ganha a câmara de Nelas. Por sua vez, Isaura Pedro que acompanha José Correia no PS e na Câmara, rompe com ele, abandona o PS e concorre pelo PSD às eleições de 2005, as quais viria a ganhar com o apoio do então Vice-Presidente Borges da Silva, o qual, após alguns meses no executivo, abandona o PSD para catrapiscar os olhos ao PS.
Confusos? Calma que ainda há mais… José Correia, após perder a Câmara, apoiou para a liderança do PS, Francisco Cardoso, um militante de Canas, curiosamente a freguesia onde tem os seus mais impiedosos inimigos políticos. Porém, num golpe de asa, o PS tira da cartola o desconhecido Adelino Amaral e remete José Correia para terrenos independentes, onde, mantendo a senda do regabofe, alinha numa parceria anti-natura com Borges da Silva, o tal, que em tempos, a propósito do caso Topack, disse cobras e lagartos dele, mas, pelos vistos, não tão mal que impeça agora este casamento anunciado. Diz-se que ambos estão ressabiados com a Curandeira, José Correia pela derrota em 2005 e Borges da Silva pelo afastamento do executivo camarário… isso mesmo, ambos acusam incómodo perante a técnica de palpação rectal que lhes foi infligida pela doutora. Vai daí, aprestam-se juntos a recuperar o poder, imbuídos no mesmo espírito de vingança e partilhando o mesmo sentimento de humilhação.
Mas não fica por aqui: do outro lado da barricada, isto é, cá do nosso lado, o MRCCS luta por “Canas de Senhorim a concelho”, mas apoia a Junta que se identifica com o PSD, partido da Curandeira, que por sua vez se opõe à divisão do concelho.
Mas ainda não acabou: o gato Peneirento, pura raça siamesa, educado nos melhores colégios felinos do país, exímio no francês e no piano, amancebou-se com gata suspeita e está prestes a instalar-se de malas e bagagens em quintal alheio. Bem lhe acenamos com caviar e outras iguarias irrecusáveis, mas não é que o ingrato não larga a pulguenta.
Um autêntico regabofe.

quarta-feira, outubro 15, 2008

domingo, outubro 12, 2008

quarta-feira, outubro 08, 2008

Crónicas da Galinha Riça - A Tourada Medieval

Não importa sol ou sombra
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro
as feras.

Ninguém nos leva ao engano
toureamos mano a mano
só nos podem causar dano
espera.

Entram guizos chocas e capotes
e mantilhas pretas
entram espadas chifres e derrotes
e alguns poetas
entram bravos cravos e dichotes
porque tudo o mais
são tretas.

Entram vacas depois dos forcados
que não pegam nada.
Soam brados e olés dos nabos
que não pagam nada
e só ficam os peões de brega
cuja profissão
não pega.

...

Entram velhas doidas e turistas
entram excursões
entram benefícios e cronistas
entram aldrabões
entram marialvas e coristas
entram galifões
de crista.

Entram cavaleiros à garupa
do seu heroísmo
entra aquela música maluca
do passodoblismo
entra a aficionada e a caduca
mais o snobismo
e cismo...

Entram empresários moralistas
entram frustrações
entram antiquários e fadistas
e contradições
e entra muito dólar muita gente
que dá lucro as milhões.
E diz o inteligente
que acabaram as canções.

Fernando Tordo/Ary dos Santos



E lá se passou mais uma Feira (Viagem) Medieval, desta vez com sol, camarotes, barreiras, cavalos e demais bicharada, sendo que os camarotes ficaram reservados para os altos dignitários da realeza política que se dignaram visitar-nos. Bem, visitar-nos não é o termo, pois para isso têm todo o ano e não põem cá os pés, portanto, digamos que vieram diplomaticamente apalpar o terreno e estabelecer cordialmente uma base negocial (e operacional) para presentes e futuras conspirações eleitoralistas.
À boa maneira portuguesa nada melhor do que, entre uma febra e um copo de vinho, discutir negócios, que é o mesmo que dizer, traçar orientações para governar esta plebe mal agradecida.
Mas é festa, não há lugar a rancores nem dissonâncias. Vai daí, presta-se a populaça à respectiva vénia, ao fim e ao cabo o dinheirinho chegou disfarçado de bodo, há que comer e beber que a festa é brava…
Depois vem a cultura! Ai a cultura, tão bonitinha, tão mal-tratadazinha: uma panóplia de referências anacrónicas onde artefactos made Hong-Kong aliados à crendice das fitinhas brasileiras da Nª Sª do Bonfim competem vorazmente com materiais mais ou menos fidedignos. Mas pronto! Ninguém repara, e os que reparam esboçam um sorriso de compreensão, afinal isto não é um museu, é uma recriação.
Deitando contas à vidinha andava o tesoureiro-mor, andarilho dos sete-caminhos, diplomata capcioso. Obviando as dificuldades no apuramento dos impostos régios aboliu corvélias, talhas e capitações, e substituiu-as por um imposto único “por conta” cobrado aos mercadores nómadas que por cá se instalaram. Devidamente recolhido pelo cobrador-real há-de reverter sabe Deus para quem, que esta vila não é franca para ninguém.
Assegurar absoluto rigor nesta crónica é difícil, mas daí não vem mal ao mundo, sobre a "tourada medieval” cada herege acrescenta o que quer que da inquisição já nada há a temer.

terça-feira, setembro 23, 2008

Far away eyes


So if you're down on your luck
I know you all sympathize
Find a girl with far away eyes
And if you're downright disgusted
And life ain't worth a dime
Get a girl with far away eyes

Rolling Stones


Apoderou-se da rapariga uma melancolia profunda. Não raras vezes foram dar com ela no telhado, inexpressiva, a olhar além do Caramulo. Os pais, atentos, tentavam compreender e encontrar soluções, não fosse a filha descambar, logo agora, no final da adolescência.
Quem diria, uma rapariga tão alegre, entusiasta, apagou-se de rosto, fechou as comportas e secou por fora, comentava preocupada a tia Alzira, madrinha da moça.
A avó Alice lançava um olhar de censura aos pais e, na sua análise de mulher sabida, arremetia pela centésima vez:
- Não medrou bem, essa é que é essa, eu bem dizia que aquela rapariga andava com a solitária, eu bem avisei, magricela, sem apetite, não comia nada, e o pouco que comia embuchava-a…
- Ó mãe – impacientava-se a filha – já ninguém tem bichas solitárias hoje em dia. A Lisinha está a atravessar uma fase menos boa, talvez uma paixão, talvez uma inadaptação qualquer, reflexo da mudança de idade.
- Ou algum mau olhado, ou o bucho virado… - insistia a avó.
O pai mantinha-se em silêncio, fixado no relatório da directora de turma, também ela perplexa com a atitude da Lisinha. A docente tentava apurar motivos, algo se tinha passado, afirmava no documento, pois uma aluna tão participativa como ela era, não adopta esta atitude sem uma razão. Descobrir a causa é meia solução, adiantava peremptória a professora.
A reunião familiar não trazia qualquer esclarecimento às circunstâncias da Lisinha, mas surtia um efeito eficaz no espírito da família, todos uniam esforços para inverter aquele alheamento tão inusitado da rapariga.
- Do mal o menos – concluiu o pai – as notas continuam boas! Não fosse o ar distante e aquele silêncio incompreensível e até diria que estava tudo bem.

Elisa palito, cara de pito
Elisa magricela, cu de gazela
Elisa palito, cara de pito
Elisa magricela, cu de gazela


A cantilena enterrada há muito no seu subconsciente, retornou implacável. Afinal, mesmo depois de o seu corpo ter ganho formas apetecíveis, digo mesmo, perfeitamente delineadas, nunca conseguiu libertar-se do vexame que lhe tinha sido infligido em pequena. Era tão magra (a avó lá tinha as razões dela) que os colegas faziam chacota em coro:

Elisa palito, cara de pito
Elisa magricela, cu de gazela
Elisa palito, cara de pito
Elisa magricela, cu de gazela

Quando ganhou consciência da sua sexualidade e das mãos dos rapazes no seu rabo lá vinham os dichotes martelar-lhe a cabeça. Repelia imediatamente os rapazes, tudo aquilo lhe causava profundo incómodo, por um lado o desejo despontado, por outro o tormento das vozes infantis gritando-lhe ao ouvido “Elisa tripeira vira p’ra cá a peneira, Elisa tripeira vira p’ra cá a peneira “. Tudo se tornava repugnante, os beijos, o amor, a paixão, a vontade e a ideia de sexo e a negação de ambos.
Preferia estar sozinha, não conseguia ouvir as suas amigas trocarem experiências e impressões, não suportava os rapazes à volta dela e muito menos os adultos a questionarem respostas impossíveis. Distanciava-se cada vez mais, desligava-se do mundo, das pessoas e lançava o pensamento para longe. Viajava a sua sexualidade em classe conforto, desenhando corações à prova de seta em areais distantes.
Ultimamente subia ao telhado lá de casa. Quem a visse de perto, poderia entrever-lhe um breve estremecimento no olhar distante. Elisa encontrara a sua forma de amar, um amor vítreo, muito para além do Caramulo...

quarta-feira, setembro 03, 2008

De volta

Bem, é verdade, o berloque partiu para parte incerta, indomável. Quer dizer, não foi o berloque, mas sim as colaboradoras que, perante a tentação do Verão, abandonaram computadores, secretária, Internet, o gato, os cães, amantes imaginários e outros, e puseram-se em fuga. Ah pernas para que vos quero.
Eu já cheguei. Inconformado anda o meu Juvenal que, à boa maneira dos portugueses, depois da folia marítima entrou em depressão, deitando conta aos estragos e calculando os meses de contenção financeira a que nos teremos de sujeitar para recuperar dos pecadilhos das vacances. Que se lixe homem, vão-se os anéis ficam os dedos, digo-lhe eu para o animar, enquanto escondo a minha literatura de férias, não vá ele perceber a pequena fortuna que gastei na aquisição.
Aproveito para destacar, tipo professor Martelo, dois livros que me deliciaram nestas férias: a reedição do “Coca Cola Killer”, de António Victorino de Almeida, obra hilariante, ideal para indispostos - comprei-o a pensar no Juvenal uma vez que nos idos anos 80 eu já o tinha lido, sabendo de antemão que cada parágrafo da saga suscita uma gargalhada - mas não é que o raio do meu homem descobriu este ano a caça submarina e não me saiu do mar, feito um anormal, andar de pata-choca, de tubo, arma, arpão, óculos e barbatanas, a cronometrar apneias e a identificar a fauna marítima da costa. Qual livro qual quê, acabei por ser eu a relê-lo, com a mesma satisfação que o fiz da primeira vez. Se ainda não leram, aconselho vivamente a conhecerem o desconcertante Marcelino, vulgo coca-cola killer, e as pitorescas persongens que sairam da imaginação do maestro Vitorino de Almeida. O segundo livro, “Brando Mas Pouco”, é uma biografia sexual de Marlon Brando, da autoria de Darwin Porter, um conceituado cronista de Hollyood. Para os amantes das celebridades do cinema e da promiscuidade hollyhoodesca será, porventura, um livro de culto, nele desfilam os amantes a as amantes de Brando ao ritmo de dois e três por página. Uma vez que o livro tem cerca de 700 páginas façam as contas. A acreditar em Porter, Marlon Brando revela-se um autêntico predador bissexual, comeu tudo o que mexia e se mais houvera mais lá chegara. Deixo os pormenores para quem quiser ler o livro, mas não resisto à lista de alguns/algumas contemplados/as: Burt Lancaster, Laurence Olivier, John Gielgud, Marilyn Monroe, Marlene Dietrich, Rock Hudson, Grace Kelly, Rita Hayworth, Leonard Bernstein, Noël Coward, Shelley Winters, Ava Gardner, Hedy Lamarr, Anna Magnani, Montgomery Clift, James Dean, Tallulah Bankhead, Ingrid Bergman, Edith Piaf (e muitos mais). Enfim, este não o mostrei ao meu Juvenal, não fosse ele ficar com ideias esquisitas.
Obrigatório, obrigatório, mas mesmo obrigatório é o recente filme de Miguel Gomes “Aquele Querido Mês de Agosto”. E deste nada adianto, vão vê-lo e terão uma agradável surpresa, uma boa maneira de acabar o Verão e as férias.
Até breve. A saga continua.

segunda-feira, junho 16, 2008

Crónicas da Galinha Riça - Os mirins

Revoltaram-se os mirins porque, ao que parece, não têm “choco” para assegurar a reprodução da espécie. Ora, todos sabemos que esta espécie não tem habitat fixo, basta sairmos dos aglomerados populacionais para os vermos, sem razão aparente, deambular por esses campos fora de casa às costas. Preferem o ar livre e é em comunhão com a natureza que atingem altos índices de reprodução. Por isso, legítima ou não, estranhou-se a pretensão.
Com uma estrutura social rígida e um espírito gregário assinalável, organizam-se em clãs, unidades familiares mais ou menos estáveis, lideradas por elementos mais velhos e experientes que lhes ensinam nas caminhadas o verdadeiro sentido da palavra do Senhor, isto é, “crescei e multiplicai-vos”.
Para evitar o perigo da consanguinidade, estas pequenas famílias, intrinsecamente ligados por laços afectivos e cerimoniais, têm necessidade de interagir com outros clãs, pelo que se reúnem frequentemente em grandes agrupamentos, onde podem alargar as possibilidades de acasalamento e dar azo à sua propensão poligâmica sem correrem o risco de comprometerem a espécie ou corromperem a linhagem. Aliás, este comportamento está devidamente previsto no artigo 4º da lei mirim, o qual diz “O mirim é irmão dos demais mirins, independentemente da classe, ou credo a que o outro possa pertencer” (sic). Está assim, legalmente resolvido o problema de identidade que resulta do regabofe daqueles ajuntamentos, ou acampamentos, como alguns preferem chamar… são todos irmãos, não há cá filho deste, filho daquele ou filho da outra, pacificam-se assim as relações familiares entre os vários elementos da espécie. Mais à frente, no artigo 5º, a lei refere que o mirim também é amigo dos animais, artigo polémico que ainda hoje levanta alguma controvérsia no Conselho Jurisdicional Mirim. Não é à toa que usam a expressão “quando o pau bate na rocha quem se lixa é o lobito”… mas adiante, que isto são outras contas e eu já me estou a dispersar.
De facto, uma grande parte da simbologia mirim é indubitavelmente sexual, atentem ao lema “sempre alerta” (“be prepared” no original) - ora o que é que se pretende de um “zezinho” saudável, que esteja sempre pronto -, ou ao pau que habitualmente transportam, representação fálica da virilidade dos machos, ou à “promessa”, acompanhada pelo gesto atrevido de quatro dedinhos no ar, pelo menos quatro estão prometidas, essa é que é essa, ou à vaginiforme flor de lis, excessivamente clitórica, uma provocação aos sentidos menos “alertas”… e poderia ir por aí fora, a sua iconografia está cheia de pintelhices.
É precisamente esta predisposição sexual que preocupa e constrange os mandadores cá da terra que, perante o pedido persistente de uma incubadora, logo entreviram uma praga indesejável de mirins a todo o custo evitável.
David Attenborough, conceituado naturalista, instado a pronunciar-se sobre o quesito, alertou para o perigo que representa para o equilíbrio do sistema esta pretensão, salientando com preocupação a inexistência de predadores que possam travar o seu alto índice de reprodução - uma ameaça para os próprios e para as espécies que com eles convivem - concluiu.
Perante a evidência, toda a gente fez ouvidos moucos à azáfama reivindicativa dos mirins, ignorando os gritos lancinantes de alerta com que anunciaram a revolta. Só a autoridade eclesiástica se mostrou flexível. Incapaz de demover o ímpeto sexual dos sublevados e à revelia de orientações superiores, concedeu a excepcionalidade do uso de preservativo aos insurgentes, garantindo-lhes, também a estes, sinais de coito em local recatado, por sinal bem perto deste outro que ousou negar-lhes provimento.
Que mais posso dizer!? Bravos guerreiros de lenço e calção, perfilai-vos, que já vou no Freixieiro. Dos fracos não reza a História e promessas são para cumprir.

domingo, junho 15, 2008

Provocação 13


Quando uma mulher usa um vestido de cabedal, o coração do homem acelera, a garganta seca, os joelhos tremem e a cabeça começa a pensar irracionalmente...

- Já alguma vez se questionaram porquê?
- Porque cheira a carro nooooovo!!!

domingo, maio 25, 2008

Licor Beirão

Pesam-lhe as pálpebras, não sei se do cansaço da vida se do tédio mundano dos copos. Já o vi desperto, a alinhar duas palavras, poucas vezes admito, e a cada uma das vezes mantive a esperança duma conversa, mas não, ele não está para isso, quer que as palavras, as conversas, os outros e ele próprio, se calhar, vão para um sítio que ele lá sabe. De resto, nem a vontade de mandar tudo isso para esse lugar o tira do silêncio… olha sobranceiro e às vezes sorri, como se detivesse uma verdade superior, inatingível à desprezível condição a que nos remete.
Gosto de ler as coisas que escreve nos guardanapos, são pequenas frases, às vezes estende-se em raciocínios mais profundos, chama-lhes escarros. Angustia-me na clarividência.
Às vezes o escarro dos poetas é verdadeiramente desconcertante.

sexta-feira, maio 02, 2008

Grelhados

Existem para aí muitos blogues de divorciados(as). São uma espécie de refúgio, uma forma de ultrapassar a perda através da expiação dos pecados… ou da falta deles, sim, porque também há o caso daqueles que sem culpa alguma se vêm de volta à vida de solteiro(a). E depois escrever faz bem, ocupa o tempo e esclarece, portanto estão desculpados os que recorrem a esta terapia. Mesmo que sobrem disparates, sempre anima a solidão, como é o caso deste texto que por aí encontrei e que me fez sorrir porque curiosamente há nele algo de familiar… dizia às tantas o seguinte:

    “Faz hoje dois meses que a Maria me disse fria e decididamente que precisava de ficar sozinha, fez-me a mala e despachou-me para minha casa. Vivíamos na dela. A minha casa era uma espécie de casa de fim-de-semana, onde reuníamos os filhos de ambos. Ao todo éramos cinco, eu, ela, o filho dela e os meus dois. Às vezes éramos mais, o ex-marido dela, a coberto do filho aparecia com frequência, especialmente à hora de comer. O rapaz é assim, oportunista mas inofensivo. Agora a casa é demasiado grande, os meus filhos vivem com a mãe, só cá vêm de quinze em quinze dias, logo vejo-me perdido na minha própria casa. Vamos ver se me habituo.
    Ainda ando à procura de um nome para este espaço, onde pretendo gastar o tempo que agora me sobra. Não sou propriamente um divorciado, pelo menos com a carga formal que o epíteto carrega. Não casei, nem com a mãe dos meus filhos nem com a Maria, logo não posso divorciar-me, mas dez anos a viver com alguém dão-me o direito de me considerar como tal, afinal o problema não é uma questão de nomenclatura, é mesmo um problema de ruptura, da distância que vai de uma relação a dois a esta solidão que agora me morde.
    Tenho os pés gelados e não comi nada durante todo o dia. Ontem fiz sopa de cenoura e alho francês, acho que ficou boa, se calhar vou cozer uma posta de bacalhau, umas batatitas e pronto… vá lá, hoje dá o Benfica, sempre são duas horitas sem pensar nela.”

      Fiquei ali, a imaginar o rapaz por detrás da página, quase com vontade de lhe ir aquecer a sopa. Mas de repente olho para a caixa de comentários e qual não é o meus espanto quando verifico que só naquele post já contava com 98 comentários. Não resisti, fui ler. Perdi logo a generosidade que me ocorreu, candidatas ao fogão e a outros aquecimentos era coisa que por ali não faltava. Fiquei a pensar, é lá, isto de um gajo se lamentar dá os seus frutos, só aqui no Mulherio a divorciada é que não tem direito a nada. Portanto, meus amigos, a partir de agora vai ser um choradinho de fazer inveja à carpideira mais profissional. Se não resultar retorno ao silêncio, de onde, provavelmente nunca devia ter saído. Venham daí esses grelhados que é a única coisa quente que os homens sabem fazer.


      quarta-feira, abril 02, 2008

      Uma anedota porque sim


      - Alô! Sr. Silva?
      - Não, é a mulher, Gertrudes...
      - Olhe Dona Gertrudes daqui é o Dr. Arruda do Laboratório. Ontem, quando o médico do seu marido enviou a biopsia dele para o laboratório, uma biopsia de um outro Sr. Silva chegou também e nós agora não sabemos qual é a do seu marido. Infelizmente, os resultados são ambos ruins e terríveis.
      - O que o senhor quer dizer?
      - Bem, um dos exames deu positivo para Alzheimer e o outro deu positivo para SIDA. Nós não sabemos qual é o do seu marido.
      - Isto é demais! Bem, e o senhor aconselha-me a fazer o que?
      - O pessoal do SNS aconselha que a senhora leve seu marido para algum lugar bem longe da sua casa e o deixe por lá. Se ele conseguir encontrar o caminho de volta, não faça mais sexo com ele...

      sábado, março 22, 2008

      Ainda os professores...

      A nossa amiga Rosalinda, a quem aproveito para agradecer o excelente texto que nos enviou, trouxe o assunto dos professores à baila, tema que já por algumas vezes me tinha ocorrido abordar, mas, por me parecer excessivamente complexo para tratar neste formato, não o fiz.
      Depois de ver o vídeo que anda por aí acerca do comportamento de uma aluna e respectiva turma para com a professora, filme que parece estar a gerar grande indignação, como se não se soubesse da frequência destas situações e outras piores dentro das salas de aula (e fora delas), como se fosse preciso o registo-vídeo para convencer os “São Tomés” da dificuldade com que os professores se debatem diariamente, perante a permissividade e impunidade do sistema, decidi escrever sobre o assunto. Não vou abordar a questão da disciplina e da falta de autoridade que inquinam o sistema, isso levar-me-ia muito para além do que um post alcança, vou tão somente realçar alguns aspectos legislativos com que este governo decidiu brindar os professores, e faço-o na esperança que, dito de uma forma simples, quem ler este artigo perceba o que está em causa.
      Na sequência de um discurso político que elegeu a função pública como monstro a abater, a classe dos professores foi igualmente arrastada pela lama e sobre eles recaiu o anátema da culpabilidade. Se o ensino vai mal a culpa é dos professores, são uma classe privilegiada, não fazem nada e ganham bem, ouve-se recorrentemente nos cafés.
      Mais do que todos os meandros deste conflito entre a classe dos professores e governo, está a mensagem que ficou no ar para a opinião pública, a ideia que o fracasso do ensino em Portugal era da responsabilidade directa e indirecta dos professores. E o governo não parou para pensar, centrou quase toda a política do governo para a educação, em matéria legislativa, na carreira e no estatuto da classe docente, dando a entender que era ali que estava o cerne da questão.
      Todos sabemos, à excepção da ME, pelos vistos, que os problemas do ensino são conjunturais, resultado de anos e anos de experiências ao sabor dos diversos governos que foram incapazes de pensar um projecto de educação estável e bem definido. A política de educação requer um pacto de regime, que estabeleça o modelo adequado e que, independentemente de quem estiver no poder, se comprometa a cumpri-lo, não é com remendos nem com sucessivas alterações, muitas delas contraditórias e sem nexo, de forma precipitada e descontinuada, que se criam os pressupostos curriculares e pedagógicos necessários para que o tempo verifique o sucesso da sua aplicação.
      Mas com isto não se preocupa a ME. Para se afirmar, direccionou de forma arrogante, arbitrária e economicista as suas reformas quase exclusivamente para a carreira dos professores, como se neles residisse o problema dos números que nos envergonham perante a CE.
      Vejamos: A avaliação do desempenho é uma treta burocrática, ninguém vai ser melhor ou pior professor por causa da sua implementação. O que se verifica é que, por força do limite de quotas fixado para reconhecimento do mérito, o processo de avaliação vai condicionar a progressão na carreira, isto é( para quem não está mto por dentro do sistema), imaginem que há 100 professores numa escola, uma vez que a quota da menção de avaliação mais alta está limitada a 5%, só 5 professores podem obter essa avaliação, se houver 10 que efectivamente sejam excelentes, lá vai o avaliador ter que fazer malabarismos na ficha de avaliação para que cinco desses professores sejam excluídos do excelente. Ora isto vai ter repercussões na progressão remuneratória do professor, pois a alteração de posicionamento remuneratório está dependente da avaliação do desempenho. O que este sistema faz é determinar que à partida só 5% de professores podem ser excelentes e 20% relevantes, todo o resto é adequado ou inadequado, agora desenrasquem-se, metam a malta nestes números e ponto final. Para isto não era preciso aquela grelha diabólica, aliás a famigerada grelha só vem de uma forma atabalhoada tentar credibilizar uma avaliação que à partida já está condicionada pelas quotas. Conclusão, podes ser excelente mas para ti não há dinheiro. E os tão falados prémios de desempenho (desconheço se este ano os professores são abrangidos) alinham pela mesma bitola, limitados este ano a 5% dos funcionários públicos, não basta ser excelente, é preciso sê-lo e caber dentro da quota. Isto é economicismo puro, disfarçado pela suposta avaliação do mérito.
      Quanto à categoria de Professor Titular é outra vergonha, e já nem falo nos critérios relativos e injustos do concurso, isso daria pano para mangas, limito-me a referir o corte abrupto que tal categoria veio introduzir nas expectativas de progressão da carreira. Imaginem um professor no oitavo escalão da categoria (em circunstâncias normais atinge-se esta posição por volta dos quarenta anos), longe da reforma portanto, que como se sabe também foi adiada. No sistema antigo, se a avaliação fosse favorável e não houvesse outro qualquer impedimento o professor ainda tinha mais duas posições remuneratórias que lhe serviriam de motivação, se não estou em erro, quatro anos para o nono escalão e mais cinco para o décimo, portanto lá para os cinquenta , cinquenta e cinco chegaria ao topo da carreira. O novo sistema veio introduzir a categoria de Titular que arrebanha as últimas duas posições remuneratórias. Assim, quem estava no oitavo, nono e 10 escalões poderia concorrer a Titular, segundo uma fórmula cujos critérios foram mais que injustos (o tal problema das faltas por doença serem consideradas e outros cuja análise não cabe aqui). Com este método quase todas as vagas de Titular foram ocupadas pelos professores detentores do 9º e 10º escalões, acabando as residuais por serem ocupadas por alguns, muito poucos, detentores do 8º. Ora, para aqueles que não obtiveram vaga a sua escala remuneratória esgota-se naquele escalão, o 8º. Congelou-se qualquer possibilidade de progressão. Uma vez que de acordo com a novo estatuto de aposentação a data de reforma aponta para os 65 anos, é fácil prever que os actuais titulares (entre os cinquenta e os sessenta anos) só abrirão vaga entre cinco e quinze anos, isto na melhor das hipóteses, porque se a faixa etária do corpo docente da escola for mais baixa, nem para as calendas gregas. Mas isto ainda é mais complexo, as vagas são afectadas à especialidade (agrupamento disciplinar), o que pode estagnar indeterminadamente a evolução na carreira de um professor que leccione Português, e permitir a evolução de um de outro agrupamento, mesmo com menos tempo de serviço, isto para não falar de níveis de qualificação e outras apetências, que dada a sua subjectividade nem ouso falar, pois isso levava-nos a reflectir sobre as relações inter-pares e outros mecanismos perigosos para distinguir aquilo que não é distinguível. Para além disto, este processo, no futuro, gera uma reacção em cadeia, os professores evoluem com mais ou menos sobressaltos até ao oitavo escalão e ali caducam afunilados a acenarem aos seus pares Titulares, aguardando que algum tenha o bom senso de morrer rapidamente, perdoem-me a humor-negro.
      Claro que esta alteração não concorre em nada para a melhoria do ensino, chavão que a ME tanta gosta de usar, muito pelo contrário, desmotiva qualquer alma, por mais aplicada que seja ao exercício da sua profissão, mas, feitas as contas, poupa uns milhões ao estado, sonegados vergonhosamente aos professores por artifícios legislativos deliberadamente pensados para esse efeito e ao arrepio de qualquer política efectivamente pedagógica.
      A criação da categoria de Titular, embora sirva o propósito, não foi realmente pensada para qualificar os professores na gestão e coordenação pedagógica das escolas, foi, isso sim, uma maneira encapotada de economicismo, fazendo estagnar a carreira de um professor numa altura (por volta dos 40 anos) em que, por norma, qualquer profissional com vinte anos de experiência e outros tantos por cumprir sente necessidade de ver reconhecido não só o valor do seu percurso, como também garantidas as expectativas futuras de progressão na carreira.
      A ME não tem qualquer ideia nem rumo para o ensino em Portugal, limita-se a alinhar na política mesquinha do governo, protagonizada pelo PM, que elegeu os funcionários públicos em geral e os professores em particular como “persona não grata”, causa de todos os males do país. Não há nada como arranjar um bode expiatório para que a sociedade exorcize o mau estar que lhe vai na alma e para disfarçar a incompetência política que grassa no sector da educação.

      quarta-feira, março 19, 2008

      Sou professor: tirem-me daqui!

      Sou professora há tempo suficiente para já estar no antigo oitavo escalão da carreira quando foram decretados os célebres congelamentos que aceitámos contrafeitos, mas justificados na nossa boa intenção do bem comum e na retórica propagandística do nosso primeiro-ministro.

      E quando veio o novo estatuto não se fez grande alarido. Além das institucionais vozes de protesto, a que ninguém liga, desgastadas que estão pelo ritual político-partidário e pelo profissionalismo sindical, ouviam-se na sala de professores os contestatários habituais com os quais todos concordávamos pontualmente mas nunca ao ponto de pormos em causa o facto de sermos avaliados.

      Nem mesmo a sinistra figura do professor titular nos assustou, convencidos que estávamos que a credibilização do ensino em Portugal passava pela criação de corpos estáveis, e devidamente qualificados, na gestão e coordenação pedagógica das escolas. Nem tão pouco, ficámos em pânico quando percebemos que tínhamos que trabalhar durante muito mais anos para ganhar menos, arrastados que íamos na necessidade urgente do sacrifício geral, em particular da função pública, para bem da salvação económica do país e do bem-estar da nossa velhice.

      Mas quando vimos que o concurso a professor titular introduzia as maiores injustiças em termos de reconhecimento do nosso trabalho e que, em vez de assegurar a qualidade dos quadros de gestão pedagógica das escolas, apenas introduzia diferenças arbitrárias entre colegas, sobretudo se forem de escolas diferentes, tendo como efeito prático tão-somente reduzir as despesas do Estado, sentimo-nos malogrados na nossa boa fé.

      Quando nos vimos feitos os bodes expiatórios da má qualidade do ensino no nosso país e confrontados com um modelo de avaliação que a todos queria passar um atestado de incompetência, sentimo-nos revoltados.

      Sentimo-nos revoltados porque fomos nós que, bem ou mal, fomos todos os dias para dentro das salas de aula e assegurámos ao longo destes anos o ensino em Portugal, num ambiente de completa deriva legislativa e completo desgoverno educativo. Somos nós que damos a cara e nos responsabilizamos diariamente por um ensino que nunca teve um rosto coerente, que tem andado às apalpadelas desde que se democratizou à pressa.

      Somos acusados, pelo sistema que nos formou, por nos termos visto em papos de aranha para interpretar toneladas de despachos contraditórios, por termos tido de seguir directrizes vagas e incoerentes, por termos tido de pôr em prática currículos cujos conteúdos programáticos são incompatíveis com os objectivos pedagógicos e com as finalidades do ensino. Somos responsabilizados pelo insucesso e pelo abandono escolar como se a degradação geral do tecido social não tivesse nada a ver com isso. Somos publicamente denegridos pelo mau resultado dos números quando isso é apenas um dos indicadores do fraco nível do desenvolvimento global do país.

      Os milhares de professores que no dia 8 de Março se manifestaram fizeram-no porque se sentiram enganados pelo Sr. Primeiro-ministro, insultados pela Sra. Ministra da Educação, ludibriados pelos pais que delegam nos professores a responsabilidade exclusiva pela educação dos seus filhos, difamados pela opinião pública invejosa dos privilégios mas ignorante do seu preço, esmagados contra um tecto de carreira cada vez mais baixo e assustador, sufocados na heresia dos relatórios descritivos, dos planos de recuperação, das justificações e das fichas disto e daquilo, paralisados nas aplicações informáticas que o Ministério manda ensaiar na escola e que engata todo o trabalho já feito e por outros tantos papéis aos quadradinhos que cada vez mais insistem em tornar-nos simples burocratas. Tudo isto desviando os professores da sua verdadeira função – o acto de ensinar.

      Os professores vieram finalmente para a rua para fazer lembrar ao nosso Primeiro-Ministro, à nossa Ministra da Educação e ao país em geral que podemos não ser os professores ideais mas somos os professores reais, aqueles sem os quais, quer queiram quer não, não será levada a cabo nenhuma reforma no ensino.

      E somos competentes, tão competentes que não saímos a espectáculo público por razões de gratuito descontentamento, tão competentes que fizemos questão de dizer que sabemos quando nos estão a atirar areia para os olhos, tão competentes que percebemos aquilo que o Sr. Primeiro-ministro parece não ter percebido – não é lançando abruptamente a grande maioria dos professores do nosso país (os que estão mais ou menos a meio da carreira) para o fim da sua progressão na carreira, que encontrará a energia positiva necessária para melhorar o seu desempenho.

      Esta maioria de professores sabe muito bem dar aulas e não tem medo de ser avaliada, não terão de fazer senão aquilo que sempre têm feito para defender a sua categoria. E, uma vez que lhes rouba todas as expectativas de promoção, também não terão de fazer muito mais nos outros tantos anos que ainda permanecerão no ensino. O efeito será, no mínimo, paralisante, Sr. Primeiro-ministro. Afinal não se distinguirá muito do actual estado de coisas, só que ainda mais triste.

      E é escusado acenar-nos com a outra carreira, a de titular, pois como todo o país já percebeu, nem o Sr. Primeiro-ministro acredita nisso.[Rosalinda]

      quarta-feira, março 12, 2008

      sem nome

      Arrecadou calmamente a angústia. Estranhou a serenidade com que o conseguiu, tanto melhor, afinal alguma coisa aprendemos nas andanças desta vida.
      Tirou a pintura e encheu o bidé com água fria. Doíam-lhe as entranhas, se calhar estava na altura de tomar outro analgésico. Apetecia-lhe beber qualquer coisa forte, alcoólica, mas o antibiótico desaconselhava essa possibilidade.
      Lavou-se cuidadosamente. A água transparente descansou-a. Tudo bem, não há indícios alarmantes. Foi ao frigorífico, encheu um saco com gelo e deitou-se no sofá tão comodamente quanto possível. Colocou o saco na barriga e olhou o relógio, quinze minutos, depois tinha que o tirar, aguardar outros quinze e voltar a pôr. Ligou a televisão por ligar, pegou num livro mas logo desistiu, não conseguia concentrar-se em nada. Ela bem sabia o porquê desta dificuldade, ele havia de telefonar a perguntar se tudo tinha corrido bem e ela haveria de dizer que sim. Mas lá no fundo, lá no fundo macerado do seu corpo, morava o vazio. Tão irreversível como despojado. Ele dir-lhe-ia, vou já ter contigo, e ela, não, não venhas, hoje é um dia de solidão absoluta.

      quinta-feira, fevereiro 21, 2008

      Provocação 12

      Ele: Viva, não nos encontrámos já uma ou duas vezes?
      Ela: Só pode ter sido uma. Nunca cometo o mesmo erro duas vezes.

      terça-feira, fevereiro 19, 2008

      Caranguejola

      Sinto-me seca por dentro… e amedrontada, mas não me dói nada, estou completamente encortiçada.
      Sempre achei fascinante a expressão “sensação de cortiça”, aplicada ao efeito da anestesia que o dentista nos aplica. O facto é que é bem conseguida, certamente pelo aspecto leve e rijo da cortiça. É a sensação de leveza e rigidez que a anestesia provoca que induz a comparação.
      Pois é, e eu hoje sinto-me encortiçada. A rigidez ainda a compreendo, agora a leveza é-me completamente estranha. Creio que é uma leveza enganadora, o peso ludibriado pelo alheamento dos sentidos, uma forma inconsciente de suportar a angústia.
      Por quanto tempo durará? E qual o poder desta estranha anestesia, que tende a libertar a dor oculta e a iludir a mágoa instalada? Tenho medo que o caldo se entorne, que a rede se rompa e que de repente todo o meu corpo ceda à tentação do abismo. Ir por aí a baixo e deprimir nas entranhas do sofá, ser eu própria o sofá.

      Ah, que me metam entre cobertores,
      E não me façam mais nada!...
      Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
      Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!

      MSC

      sábado, fevereiro 16, 2008

      Cenas


      Cena 1
      Vi-te entrar sorridente. Engoli em seco. Atrás de ti a sombra inseparável da tua namorada, zelosa e submissa. É bonita a tua namorada.
      Viste-me. O teu sorriso abriu-se um pouco mais. Abraçaste-me e beijaste-me efusivo. Correspondi. Cumprimentei a tua namorada e notei nela um certo mau estar. Estava bem de ver, contaste-lhe! Essa cabecinha de vento nunca soube avaliar inconveniências.

      Cena 2
      Não foi preciso muito para que à tua volta se juntasse um grupo de convivas. Tens esse encanto, atrais as pessoas, há algo irresistível no teu olhar, uma irreverência sedutora no teu discurso, um humor refinado e oportuno.
      Fiquei por ali, nem tão perto que demonstrasse um interesse especial, nem tão distante que me privasse de te ver e ouvir. Falavas arrebatadamente sobre o desnorte deste governo e no ping-pong do futuro aeroporto de Lisboa.
      Sentia o incómodo da tua namorada, que de tempos a tempos não resistia em olhar-me. Media-me, provavelmente comparava bustos e outras redondezas. O pouco que encontrava ainda a deixava mais desconcertada. Pior que ser encornada é ser encornada por uma mulher feia, devem pensar as belas.

      Cena 3
      Envio-te uma mensagem, não te envio uma mensagem? Interrogava-me, receosa que, despassarado como és, desses nas vistas quando a recebesses. Quero lá saber, hoje apetece-me ser putinha.
      Click, mensagens, criar mensagem, apeteces-me vou para casa tens duas horas para aparecer, enviar mensagem, mensagem enviada com sucesso.
      Aguardo. Desloquei-me de forma a poder ver-te. Levas a mão ao bolso e ainda antes de leres a mensagem apercebes-te que é minha. Procuras-me pela sala. Vês-me e sorris descaradamente. És mesmo bronco.
      Visto o casaco, despeço-me e saio.

      Cena 4
      Ateio a lareira. Não respondeste à mensagem, mas isso não quer dizer nada, és deliciosamente imprevisível. Coloco uma garrafa junto ao lume para o vinho ficar mais espirituoso. Ligo a net, dou uma vista de olhos pelo “Mulherio”, nada de novo. Às vezes apetece-me dizer-te que sou a Cristalinda. Abro o Word e começo a escrever este texto. Não sei como acaba, mas pelo sim pelo não, fechei o cão na arrecadação.

      sexta-feira, fevereiro 15, 2008

      Diálogos crispados, no bar


      - Fui corrido.
      - Assim, sem mais nem menos!
      - Sim, fria e decididamente.
      - Então e porquê, alguma razão em especial?
      - Acho que vocês quando nos põem a andar têm sempre razão, mas o importante no meu caso não é tanto a razão, é a atitude.
      - Pois, ninguém gosta de ser corrido sejam quais forem as razões, mas olha que entre uns cornos e uns patins, sempre são preferíveis uns patins, com alguma destreza podes descrever uma curva larga e voltar ao ponto de partida…
      - Sim, mas isso é quando somos namorados, aí a sensação de ruptura é mais atenuada, cada um para seu lado e até ver… agora quando o dia a dia é partilhado, cama, hábitos, projectos, o amor tranquilamente instalado… aí o mundo fica do avesso.
      - Tem calma, nestas coisas do amor nada é definitivo.
      - Mas eu detesto abanões, a relação nunca mais é a mesma, é como as paredes quando abrem fissuras, podem tapar-se mas a estrutura fica irremediavelmente afectada.
      - Olha que há muitas relações que envelhecem com desmoronamentos e reconstruções… deita mas é mãos à obra antes que apareça algum construtor a querer escorar a parede…
      - Essa é boa. Ela destrói e eu é que tenho que reconstruir! Bem, não é que eu não queira, o orgulho é que não me deixa.
      - Mas vais ter que fazer alguma coisa.
      - Pois.
      (pausa)
      - Então e de resto, como tens andado?
      - A sopa, broa e azeitonas.

      terça-feira, fevereiro 12, 2008

      São Valentim

      Quaresma. Acabou a folgaria, o Carnaval e a carne a rodos.
      Bem sei que já ninguém leva isto a sério, os mecanismos económicos não se compadecem com tradições que apelem à contenção. Pelo contrário, criam artifícios a coberto de pseudo-boas-intenções para vender mais e mais. O dia dos namorados é um exemplo desse mecanismo. E então é ver os pombinhos a rematar o amor jurado com bagatelas e inutilidades. Azar do desgraçado ou da desgraçada que não afina pela moda, não honrará a jura, que isto de palavras leva-os o vento, e ao presentinho há-de arranjar-se arrumação.
      Sempre achei estas trocas-baldrocas uma valente hipocrisia, de quem as fomenta e de quem nelas alinha. E os pombinhos deviam questionar quanta hipocrisia partilham ao abrigo do infortúnio de São Valentim.
      Por isso meu querido, não me venhas com bilhetinhos. Esta Asterius quer-te sensato.


      sábado, fevereiro 09, 2008

      Está tudo bebedo ou quê!?

      Sinceramente não percebo, então agora sair para a rua em dia de carnaval tem que ser objecto de concordatas! Queriam que saíssemos na sexta, na quinta? Se calhar queriam que não houvesse carnaval, sempre se poupavam à humilhação.
      O Rossio é maior e vacinado e não precisa de autorização para sair, sai quando quer, com quem quer e, se não fosse cá por coisas até vos diria que para sair tão mal acompanhado mais valia ficar por casa, que lá no fundo foi o que fizemos no Domingo. Mas mesmo assim fomos invejados e criticados, parecem aquelas mulheres solteironas e invejosas da beleza alheia. Frustradas pelo desprimor que lhes calhou em sorte, passam a vida a falar mal de quem se diverte e negam o direito aos outros de o fazerem. Só há uma palavra para descrever o vosso estado de espírito – despeito.
      E o despeito é tanto maior quanto a vossa arrogância. Já ouvi falar de bailes de carnaval cheios, carros alegóricos fantásticos, grupos originais, trajes fantasiosos, rebéubéu, rebéubéu… e repetem a mentira até à exaustão para ver se pega como verdade. Taditos, ainda estão naquela fase ingénua do boato, agarrados àquela máxima de que uma mentira dita muitas vezes passa a ser uma verdade.
      Desta vez tiveram azar, nem bailes, nem marcha, nem carros correspondem aos testemunhos isentos que tive oportunidade de ouvir. Quanto aos bailes era preciso binóculos para encontrar par; a marcha, o costume, um grupo de feios e feias sem graça nem talento, a arrastar uns fatos de triste figura, pese embora a audácia da encomenda; os carros, o jardim zoológico do costume, borboletas, perus, dinossauros, num desacerto de cores e de formas contra-natura, e lá mais para trás, a encerrar o desfile, finalmente um carro apropriado, uma jaula encarcerava adequadamente a restante bicharada.
      Esta é que é a verdade, doa a quem doer, custe o que custar. Portanto, façam-me um favor, escrevam sobre o carnaval quando vos passar a bebedeira. Ouviste Achadiça!?

      sexta-feira, fevereiro 08, 2008

      Cingab vs Achadiça

      Cris (deu o mote)
      Mal se fala em chouriça
      O Cingab do meu Rossio
      Com saudades da Achadiça
      Faz-se logo ao desafio

      Achadiça
      Para deixares tal recado
      mais valia calares o pio
      O Cingab está arrumado
      desde o último desafio

      Cingab
      Cristalinda e Achadiça
      Deixem-se lá dessas histórias
      Na nossa passada liça
      Eu só somei é vitórias

      Achadiça
      Ó Cingab, ó vã glória
      Isso faz parte do passado
      Se da derrota fez vitória
      é porque ficou baralhado

      Cingab
      Não diga isso, ó menina,
      Olhe que vais ser uma maçada
      porque você ainda quina
      nesta nossa nova “entifada”

      Vá antes à foz do Mondego
      Com carteira, alugar fatiota
      Podem ser belas, não nego
      Mas são um bocado batota

      Também se quer que lhe diga
      Mas, não me leve a mal
      Vai levar uma corrida
      Nem lhe valerá o Juvenal

      Isso se tiver a coragem
      De reconhecer o melhor
      Lhe deixarei a mensagem
      E lhe darei algum valor

      Achadiça
      Nesta nova “intifada”
      P’ra cumprir a tradição
      Vai levar uma panelada
      Vou-lhe pôr um pisão

      Pum pum pum no seu portão
      Zás trás pás na sua escada
      Venha o queijo e o salpicão
      E a chouriça bem assada

      Mas nem um naco de pão
      Para afugentar este frio
      É o que dá pôr um pisão
      A um gajo do Rossio

      Isto é tempo perdido
      O rapaz tem mau feitio
      Triste sina ter nascido
      Lá no bairro do Rossio

      Cingab
      Mas por agora acabou
      Espero não ter levado a mal
      Não sei se você gostou
      Deste nosso Carnaval

      Claro que ganhou o meu Rossio
      Mas o Paço não esteve nada mal
      Foi é pena perderem o pio
      No nosso despique final

      Mas o entrudo está queimado
      O bacalhau já foi cozinhado
      Dou-lhe agora a minha mão

      Para o meu bairro vencer
      O seu tem de perder
      Assim manda a tradição

      Achadiça
      Acabou, está acabado
      Mas tem que admitir
      O Rossio foi derrotado
      Não val’a pena insistir

      O Paço foi o mais brilhante
      Queimou-vos com o dragão
      E também foi exuberante
      Com o seu garrido pavão

      Mas nesta fase final
      O melhor para mim
      É enaltecer o carnaval
      De Canas de Senhorim

      Para todos os canenses
      Em particular os do Rossio
      Um abraço dos pacenses
      E um beijo do Mulherio

      Vexame

      Com e sem chuva o carnaval lá se cumpriu. Fiquei expectante no Domingo, o meu Paço não se mostrou, o que rompia um pouco com a tradição, e o Rossio, ainda que envergonhado e tolhido de movimentos, veio dar um ar da sua pouca graça às Quatro Esquinas. Apuradas as razões de o Paço não ter saído, mais uma vez nos deparámos com o incumprimento das promessas do Rossio. Foi acordado entre as duas direcções que dadas as condições climatéricas o melhor era não saírem, eis que o Rossio, fiel ao habitual desrespeito pelos compromissos assumidos, fez ouvidos de mercador à palavra dada e baralhou os poucos populares que por ali se encontravam. Então o carnaval de Canas é isto, uma carripana a debitar música de cassete-pirata e uns quantos sacos pingões a badanar adereços de mau gosto? Ainda me ri com o comentário… mas verdade verdadinha é que para espectáculos daqueles mais valia ficarem debaixo do aconchego do barracão onde fabricam aquelas caranguejolas vergonhosas que trouxeram à rua na terça-feira e num último esforço dar-lhes alguma dignidade.
      De resto, nada de novo há para comentar, o Paço continuou exuberante a todos os níveis. Excelente nos carros alegóricos, criativo nas performances dos diversos grupos que integravam o corso, brilhante na diversidade de cores, na escolha dos trajes e imbatível no despique. Gostei particularmente das acções de rua da ASAE e da ciganagem, do trabalhoso dragão e do fantástico pavão. Estes sim, dignos do carnaval de Canas.
      O Rossio sofreu uma derrota humilhante, a todos os níveis, mas o que me deu mais gozo foi a inversão de papéis verificada nos bailes. Parece que o Rossio não tinha lá vivalma e os do Paço abarrotavam. A continuar assim o melhor é alugarem o Kebra por três dias, quebranto por quebranto ao menos que vos dê algum rendimento. Até para o ano, se entretanto ultrapassarem o vexame.

      quarta-feira, janeiro 30, 2008

      Provocação 11

      Era uma vez uma cobra que começou a perseguir um pirilampo. Ele fugia com medo da feroz predadora, mas a cobra não desistia. Um dia, já sem forças, o pirilampo parou e disse à cobra:
      - Posso fazer três perguntas?
      - Podes. Não costumo abrir esse precedente, mas já que te vou comer, podes perguntar.
      - Pertenço à tua cadeia alimentar?
      - Não.
      - Fiz-te alguma coisa?
      - Não.
      - Então porque é que me queres comer?
      - PORQUE NÃO SUPORTO VER-TE BRILHAR!!!
      E é assim....
      Diariamente, tropeçamos em cobras!

      sexta-feira, janeiro 25, 2008

      Crónicas da Galinha Riça - Carnavalite crónica


      O carnaval de Canas de Senhorim é genético. Algures, na memória dos tempos, os canenses sofreram uma mutação no seu ADN. Este gene mutante, transmitido de geração em geração tomou conta da estrutura celular e foi ganhando proporções virulentas. Não fosse a natureza do fenómeno benigna e o risco infecto-contagioso limitado e estaríamos perante uma pandemia carnavalesca de proporções catastróficas. Estão a imaginar o que é que isto dava à escala nacional, se a nossa rivalidade entre bairros extrapolasse para as cidades e regiões, Lisboa vs Porto, Alentejo vs Algarve, Norte vs Sul… seria caótico, uma ameaça para a integridade nacional. Mas não, a virose está limitada no tempo e no espaço, três simples dias em que o vírus agita o sistema imunitário dos canenses, com as respectivas febres, calafrios, convulsões, arrepios e outras dores de somenos importância. Nada que três pastilhas de mebocaína, três konpensan e outros tantos gurosan não resolvam.
      Efectivamente, a “doença”, em determinadas circunstâncias, pode revelar-se contagiosa. Habitualmente o contágio é de origem sexual. Vem o rapaz ou a rapariga de fora, acasala com um nativo e quando dá conta já cantarola as marchinhas. Mas o contágio também pode ser por simpatia, existem casos clinicamente comprovados de achadiços que sem "coiso e tal", vivendo em Canas há dois ou três anos padecem do mesmo mal. Quando dão conta lá vem, escarrapachado no relatório das análises clínicas um alto teor de carnavalite; outros ainda, mais sensíveis ao fenómeno, bastou-lhes passar cá um Carnaval e pronto, chegada a época o bichinho acorda e lá vêm até Canas de Senhorim passear a maleita.
      Até a comunidade de Nelas, um lugarejo aqui perto, foi ligeiramente contagiada, não se sabe bem como nem porquê (há coisas que a ciência não explica). Porém os organismos inoculados tinham uma malformação congénita e a nova estirpe degenerou num fiasco, isto apesar do investimento na sua encubação e na manipulação in-vitro da cultura original. Claro que ficámos compadecidos com o fracasso, então anda o edil a brincar ao Carnaval todo o ano e depois na altura de colher os louros, nem corso, nem vestimentas nem foliões… uma arrelia!
      A“carnavalite” canense manifesta-se durante três, quatro dias e, regra geral, não deixa sequelas, se bem que há casos isolados de carnavalite aguda devidamente referenciados. Nos primeiro e segundo dias a doença apresenta sintomas débeis, os pacientes podem manifestar tremuras passageiras e desacertos mentais esporádicos, porém ao terceiro dia o vírus recrudesce e toma conta do organismo do doente. Os desacertos mentais iniciais transformam-se em desvario e a tremedeira em frenesim. Estímulos nervosos induzidos pelo vírus nos tecidos neurológicos produzem quantidades substanciais de endomorfina que por sua vez accionam a excitabilidade muscular, ao que o sistema circulatório responde com elevados índices de adrenalina. É o culminar da doença. Nesta fase os doentes revelam comportamentos agressivos e uma euforia descontrolada, só aplacados pelo confronto tribal que ocorre em pleno centro da vila e após descargas maciças de urros, vaias e vitupérios.
      Ao quarto dia está tudo acabado, a carnavalite retrocede e volta ao processo cíclico que caracteriza as doenças crónicas. Só passado um ano é que retorna, nem mais nem menos perigosa, nem mais nem menos atenuada. Parece que não tem cura, há quatrocentos anos que afecta esta terra e promete perdurar enquanto houver, pelo menos dois canenses. O que já esteve mais longe.

      quarta-feira, janeiro 16, 2008

      Diálogos Encrespados, Carnaval


      Aproxima-se o Carnaval. O meu Juvenal pela-se por esta época, aproveita os bastidores do evento como justificação para me chegar a casa tarde e sabe Deus como.
      - Então isto são horas? - Pergunto-lhe estremunhada.
      Meio cambaleante, naquela gaguez delatora de quem já enfiou uns copázios, lá se vai desculpando como pode:
      - Ai e tal, os carros estão atrasados, a malta diz que vem e depois não vem, este ano é o último, já estou farto disto…
      - Ouve lá, mas pensas que sou tó-tó. Vens para aí aos tombos, a cadela que trazes contigo vem a ladrar desde que entraste ao portão e queres convencer-me que estiveste nos carros!
      Ficou muito ofendido. Que não era nada disso, se vinha tonto era por causa da cola…
      - Da cola!!!
      - Sim da cola, o cheiro entra pelo nariz adentro e fica-se assim…
      - Assim mentiroso, com nariz de Pinóquio não é? No ano passado foi o aparelho de soldar que te deu cabo dos olhos. Lá foste para Viseu às urgências e só apareceste em casa às sete da manhã… eu nunca engoli essa história, foste mas foi arregalar o olho sabe-se lá para onde, ou pensas que eu nasci ontem?
      Ficou atrapalhado com a revelação, se calhar pensava que eu não sabia destes desvios carnavalescos.
      - Mas, mas… então não viste o carro que saiu feito por nós?
      - Aquele zingarelho com dois paus ao alto! Foi aquele monumento que te reteve até altas horas da noite durante mais de 15 dias?
      - É pá, mas o que é que tu percebes disso para questionares as horas de trabalho… fica sabendo que aquilo exigiu intrincados cálculos físicos e mecânicos, relação esforço/potência do motor, aerodinâmica, peso/contra-peso, ângulos de inclinação, rotores, transmissão, alimentação etc., etc…ou pensas que os movimentos oscilatórios não têm que ser devidamente equacionados? Se fosse tão simples como insinuas porque é que achas que o Rossio não faz carros dinâmicos?
      - Pois, pois, dá-me música. Os tais movimentos oscilatórios sei eu muito bem como são equacionados, um copo aqui, outro ali, mais um além, e é ver os movimentos oscilatórios em progressão…
      - Bem, não há nada a fazer, estás com um mau feitio que é obra. Deixa-me dormir que amanhã vou bulir.
      - Está bem, mas fica sabendo que as chouriças estão contadas. É que nesta época do ano desaparecem misteriosamente da despensa.
      - Raios partam a mulher.

      Deixei-o em paz por agora. Desconfio que há cinco anos não põe as patas na associação, e se lá vai não é certamente para actividades de intrincada engenharia, como diz. Vamos ver se não tenho que o pôr a pão e água.