quarta-feira, maio 09, 2007

Indecorosamente inconfidente

É muito boa pessoa a Achadiça. Rica de espírito, deliciosamente insubmissa, vaidosa no limite do suportável mas, acima de tudo, travessa da quinta casa.
Já em pequena trazia a família sempre em preocupação e não foram por demais as peregrinações a Fátima na tentativa de a encaminhar. Vou recomendar a menina e pedir a Nossa Senhora que ma guarde, comentava a mãe, prazenteira, ao condutor do autocarro excursionista.
Dessas viagens dava a Achadiça conta ao padre Domingos que, incrédulo, ruborizava no segredo do confessionário e a despachava desconcertado para o acto ineficaz de contrição. Talvez por castigo divino, que isto de usar os santos para fins muito pouco santificados não augura bons resultados, nem a miríade de anjinhos e outras divindades preventivas lhe valeram. Mas que havia ela de fazer!
Naquelas viagens a Fátima ia, em idêntica prece, um rapazola endiabrado, para que a santa desse despacho aos rogos da vizinhança que vivia atormentada pela impetuosidade do cachopo. Depois de chatear meio mundo era um descanso pressenti-lo em recato, na retaguarda do autocarro, à conversa com a nossa menina. Entretidas as crianças, serenavam os excursionistas, longe de imaginar os pecadilhos que tinham lugar nos bancos traseiros. Enfim, nada que a Senhora da Cova da Iria não perdoasse, assim lhe fizessem chegar as respectivas preces.
O rapaz tinha uns olhos grandes, inquietantes, e as mãos, ansiosas, só se aplacavam no corpo da nossa Achadiça. Começou por lhe inspeccionar as tranças mas depressa evoluiu na sindicância. E ela consentia e participava. Dos bancos do autocarro passaram a outros bancos: empréstimo para a casa, compromisso, casamento… deu graças a Deus o padre que confirmou no sacramento do matrimónio a benevolência do Senhor para com aquelas criaturas, tão cedo iniciadas no vício da fornicação.
Mas foi sol de pouca dura. A Achadiça, que não concebia outra forma de psicoterapia, que não aquela intimidade com o bom do padre, certo dia, arremeteu pelo confessionário queixosa e contou o seu drama tim-tim por tim-tim, que é como quem diz, confidenciou em pormenor o acontecido, aliás, aquilo que não estava a acontecer: que antes era assim e assado, de manhã, à tarde e à noite e que agora nada. Quem é que está a pecar agora! Sim, quem é que está a pecar agora, padre? O padre ainda começou por acalmá-la, argumentando o melhor que sabia, mas ela atalhou abruptamente: não me venha com a conversa da procriação, da expiação do desejo ou de outros cuidados doutrinários, que o meu corpo não conhece essa linguagem. Não foi para isto que eu casei. Cá para mim o senhor padre já sabia destas agonias masculinas… foi por isso que me andou a infernizar a vida desde os 16 anos, casa rapariga, casa rapariga, não vês que aos olhos de Deus vives em pecado… e agora, vivo como? Antes não vivia na graça do Senhor e agora vivo sem graça nenhuma, é o que é. Foi para isto que o senhor padre me queria preservada, sempre atrás de nós, armado em inquisidor da moral sexual, casem, casem ou ainda vos acontece uma desgraça… desgraçada estou eu agora. E não me venha com sermões que já não tenho idade nem paciência para discutir o sexo dos anjos consigo, quanto mais o das mulheres? Vou divorciar-me, ai vou vou, pode ser que isto se componha.
O padre deitou as mãos à cabeça. Ó rapariga acalma-te, tens que falar com o teu marido… começaram muito cedo, eu bem vos disse, mas olha que isso às vezes é normal, os homens têm quebras de entusiasmo, se é que assim posso dizer. Olha o pecado da gula, filha, não vês que também é aplicável ao corpo. Tens que ser mais comedida, rapariga. Vais ver que ele recupera o entusiasmo, tentava animá-la o padre. Comedida! Comedida! É isso que tem para me dizer! Ó senhor padre faça-me um favor: vá-se entusiasmar.
Foi a última vez que a Achadiça recorreu ao consultório religioso. A partir daí ganhou uma tal aversão ao altar e ás memórias nubentes que este lhe trazia que nunca mais pôs os pés na igreja. Dizia ela que, se a igreja não serve para salvar o corpo, um bem físico já por demais exposto e tangível, como é que se arvora em salvadora da alma, elemento bem mais complexo? Perdida a crença, aplacada a revolta, ficou o rancor daquele mal de amar. Podia ser pior, salvou-se o casamento, ainda que com muita arrelia e a custo, sabe-se lá, de que mezinhas orientais.
Do resto já sabemos a história, galgou na Internet e desatou a proclamar aos ventos desgraças colectivas, criando a falsa ideia de males generalizados que, lá no fundo, só a afectam a ela. Por isso, faz-me um favor Achadiça: vai-te entusiasmar.

9 comentários:

Cingab disse...

lol
ó minhas amigas... Vocês ainda se enganam e põem o pé na poça...
lol

Achadiça disse...

Cris acho que foste longe demais... mas não era nada que eu não esperasse. Pode ser que tenhas uma surpresa...

Cristalinda disse...

Achadiça
Eu acho melhor ficarmos por aqui

Cingab

...e ficamos encharcadinhas

Farpas disse...

Caras Senhoras

hoje ao ver as capas dos jornais senti-me na "obrigação" de vos avisar :

http://imgs.sapo.pt/gfx/425507.gif

No canto superior esquerdo:"Alexandra vai disputar um homem das pizzas com Margarida"

Cristalinda ponha-se a pau!!

Cingab disse...

Se ficam encharcadinhas ou secas não sei... lol
Podemos lavar roupa suja com água ou a seco... depende das circunstâncias!...
lol

PortugaSuave disse...

Este blog é que ainda vai virar capa do "24 HORAS":
"ESCÂNDALO NO GALINHEIRO, duas amigas pôem a nu a sua vida sexual numa troca violenta de acusações, saiba tudo na pág. 17"
:)

Ó Cingab, não há vida como a dos blogues!
Cumprim.

Cristalinda disse...

Farpas
Parece que tenho concorrência... nada a que não esteja habituada, isto com homens prendados, ainda que na base do queijo e das anchovas, é o que dá...

Cingab e Portuga
Têm razão, isto está a ficar descontrolado... mas aquela rapariga às vezes tira-me do sério :)

Boas minhocas para todos

Catarina disse...

Por motivos técnicos estive ausente deste mundo...e tive de mudar de blogue,infelizmente,porque deixei de conseguir comentar e para postar tinha algumas dificuldades.



Sejam bem vindas ao meu novo cantinho www.bastaumminuto.blogspot.com

miau disse...

calma...
Nada se resolve, com violência verbal e afins!
Estão a dar razão aos galos...
:)