quarta-feira, fevereiro 28, 2007

"Delirius Tremens"


Estava eu a magicar um comentário ao texto "Delírios" da minha amiga Achadiça, quando reparo que o "Paulo", comentador que me parece ser novato aqui no galinheiro, em poucas palavras, disse aquilo que me ia na alma. Para quem não leu aqui vai:

Paulo disse... "desordens no sono, episódios de alucinações e uma variedade de desconfortos físicos são sintomas de uma síndrome muitas vezes referida como "delirius tremens". Muitas vezes têm origem em hábitos excessivos e continuados de consumo de álcool e acontecem especialmente quando a pessoa afectada é privada desse consumo. Achadiça, retome urgentemente os seus hábitos para que a serenidade lhe devolva a precária sensatez."

Pois é cara amiga, a tua doença pode ter sido gripe, mas as alucinações resultaram da privação etílica que os antibióticos obrigam. Sempre te disse que esses hábitos ainda te trariam dissabores.
Pois eu não fui afectada por nenhuma doença nem sofro ressacas de privação. Entendo perfeitamente os efeitos perversos da maleita que te afectou e, pelos vistos, também vitimou outros pacences que, na tentativa de manter alguma decência perante amigos e familiares de visita, optaram por reduzir substancialmente o habitual consumo de álcool. Claro que, de imediato o organismo estranhou e desencadeou a tal síndrome delírius tremens, fenómeno que vos granjeou percepções ilusórias que no fundo reflectem sintomas de uma crise aguda de desespero e recusa da realidade quando confrontados com evidências incontornáveis.
A Achadiça, inconformada com o fracasso do seu bairro, tenta disfarçar a derrota e escamotear comportamentos, invertendo análises e subvertendo a verdade dos factos.
Na sua argumentação, alega que o Paço ostentava uma frente de marcha blá blá blá blá. Ora o que se podia ver ostensivamente era umas quantas baianas completamente desenquadradas, no espírito e no traje, arrastando farpelas de confecção duvidosa e origem suspeita. Depois, a própria organização da marcha transmitia a ideia de uma completa desunião, tal era o espaço vazio deixado entre os carros e a colocação dispersa dos grupos no cortejo. Às tantas já não se percebia se era o Paço ou alguma produção independente.
Quanto às supostas representações que a Achadiça considera genuínas e criativas, não passaram de fracas e desinspiradas ideias. Ao contrário de anos anteriores, a costumeira equipa do Amef e C.ª, folgou na inspiração e apresentou um carro sem brilho nem cor (exageraram no branco e nem as olheiras do Amef salvaram a pintura).
Não me vou alongar na apreciação dos carros, mas havia um que me pareceu particularmente atraente. Um tractor John Deere de cor verde, série 5015, motor PowerTech com certificado de emissões II, potência de 83 CV. e uma cilindrada de 4,5 litros. Com disposição ergonómica dos comandos, excelente visibilidade periférica (320°) e baixo nível sonoro (inferior a 78 dB).
Pareceu-me que seria efectivamente o único carro decente que o Paço integrava no seu corso, não fora a sua baixa performance sonora ter comprometido o desempenho final em pleno despique. Não é que o raio do tractor, fiel ao seu doce ronronar, se recusou a estrondear devidamente na hora do aperto, obrigando os seus acólitos a remeterem rapidamente Rua do Paço afora, por forma que a vergonha passasse despercebida. Qual compromisso, qual honra, qual carácter! Tivesse este tractor de nova geração os pergaminhos sonoros dos seus antepassados e tão depressa ninguém o tirava dali. Mas estas modernices ecológicas é no que dão. Lá foram debitar os fracos decibeis para onde fosse possível ouvi-los. Vão, vão lá carpir mágoas para o vosso bairro. Adeus e desculpem qualquer coisinha, ehehehe.
Fizemos nós a festa e bem continuada noite dentro, com uma movida fantástica entre o Quebra e o Mercado. A iniciativa levada a cabo pelo Square Impact revelou-se um êxito, comprovando mais uma vez quem detém a iniciativa e torna o nosso carnaval cada vez mais atractivo. A malta do Paço por respeito lá foi dar uma espreitada ao seu baile desejando interiormente que terminasse o mais rápido possível para assim poderem dirigir-se ao Rossio, único local onde efectivamente se vivia o verdadeiro espírito carnavalesco. Entre música, representações de rua, convívio, espectáculos e cavaqueira, as grandes noites do carnaval tiveram lugar no Rossio e prolongaram-se na diversidade das iniciativas que aí se desenrolavam, contagiando com cor, alegria e entusiasmo todos os participantes. Uma verdadeira festa, coroada de sucesso e fantasia.
Mas por esta altura a Achadiça deveria estar a ressacar dos seus delírios, tomando como verdadeiros os falsos vislumbres gloriosos que a sua prodigiosa imaginação entreviu. Pois, minha querida amiga, aconselho-te vivamente uma cura de sono ou então uma terapia exaustiva nos Alcoólicos Anónimos. Acho que há uma consulta em Abravezes. Eu levo-te lá para não prevaricares no caminho :).

Para terminar: pela presença, pela entrega, pelo dinamismo, pela inovação e pelo entusiasmo, viva o meu Rossio adorado.
Boas minhocas

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Delírios

Adoeci neste carnaval. No estertor da gripe vi-me confrontada com febres altas e delírios surrealistas, situação que por certo adulterou completamente a minha interpretação dos factos. Não concebo outra explicação para os acontecimentos que me foram dados apreciar.
Portanto, desculpem, se a minha alucinação febril moldou os acontecimentos na forma como os presenciei.
Tudo começou no Domingo de carnaval. O Paço causava furor com uma excelente frente de marcha, onde ponteavam belos trajes e uma alegria inigualável. Depois, ao longo da marcha podiam apreciar-se inúmeros grupos foliões que mostravam originalidade e bom gosto. Os carros alegóricos de elevado recorte artístico, complementavam um corso fantástico que, incorporando a tradicional Banda de Música, arrematava com uma alusão satírica às condições do sistema de saúde. Pelo meio podíamos apreciar o excelente efeito produzido pelo movimentos dos golfinhos num carro simples mas muito bem conseguido, a divertida sátira da “Bandalhoca”, os "ghostbusters" dos computadores, as “Floribelas”, enfim, uma diversidade de referências e representações que asseguraram a genuinidade do nosso carnaval.
Por oposição, o Rossio causava dó. Lá levava a marchita meia composta, mas desfilando sem graça nem criatividade. Os carros eram de bradar aos céus e, foi nesta atitude que lá consegui vislumbrar um carrito jeitoso, único na mostra. Uma águia mijona, que a cada movimento mecânico, derramava óleo por tudo quanto era lado. Ainda têm muito que aprender para se meterem nestas coisas mecânicas.
Mas a coisa até passava despercebida se a páginas tantas não dou comigo a ouvir a marcha do Rossio interpretada por uns rapazes enfastiados e pouco convictos do papel que estavam a representar. Lá iam vestidos no rigor do funeral, sem uma fantasia, uma pintura, algo que nos indicasse que integravam efectivamente um cortejo carnavalesco. Uma tristeza. Ressalvo o cantor que tentava contrariar aquele triste quadro sonoro.
Com o passar dos dias a febre foi aumentando, mas mesmo assim, na terça-feira, lá fui até às Quatro-Esquinas para assistir ao despique. Mas a febre não perdoa e com ela veio o completo delírio. Então não é que, e juro que foi isto que vi, ou que a alucinação deixou entrever, dou com o Rossio a gritar histericamente sozinho, abandonado à sua teimosia e reduzido a meia dúzia de gatos-pingados. Ainda surpresos, interrogavam-se frustrados sobre o porquê de tamanha ingratidão, logo este ano que cumpriram meticulosamente o acordado na reunião preliminar entre as direcções de ambos os bairros. Já não vale a pena sermos honestos e cumpridores da nossa palavra, comentavam.
Consciente que a alucinação febril estava a toldar-me a mioleira fui meter-me rapidamente entre mantas para ver se recuperava a tempo de dar uma saltada ao baile do Paço que, como sabemos vem perdendo adeptos de ano para ano e como tal convém apoiar e participar. Mas que raio! De novo o delírio febril atacou sem dó nem piedade. Então não é que o Salão dos Bombeiros estava completamente cheio. Velhos e novos dançavam acaloradamente ao ritmo das marchas e outras músicas adequadas.
Definitivamente, o meu estado de saúde deteriorava-se de hora a hora e foi com alguma mágoa que abandonei o baile.
Acordei na quarta-feira com a sensação de que as minhas visões só poderiam ter resultado da febre gripal que me atacou. Nesse dia ainda não estava bem certa da realidade dos acontecimentos. Se eram efectivamente reais ou não passavam de delírios febris. Era bom demais para ser verdade. Comecei a melhorar e arranjei tempo para navegar nos berloques. Bom, lá vou ser confrontada com a realidade, pensei eu, quando acedi ao berloque do Carnaval. A princípio, ainda tímida, comecei a gostar do que via. Afinal estavam ali registos que coincidiam com os meus. As fotos não enganavam, os filmes também não, os testemunhos idem aspas... queres ver que está tudo alucinado e a delirar!!!
Aos poucos lá fui percebendo que afinal eu não fui a única atacada pelo vírus. Havia muitos mais, todos com a mesma versão dos acontecimentos. Eu já tinha ouvido falar destes comportamentos colectivos. Acontecem frequentemente nos campos de futebol e noutros sítios onde a catarse colectiva é motivada pela fé e pela paixão. Um livre dois metros fora da área pode, através deste fenómeno, transformar-se por acordo colectivo, num indiscutível pénalti. Portanto ainda não estou bem certa se tudo o que eu aqui disse aconteceu e se os demais relatos que vamos lendo na net ou ouvindo na rua são efectivamente dignos de crédito. Mas o Carnaval de Canas de Senhorim é mesmo assim. É dado a delírios. Até para o ano e boas bicadas.

domingo, fevereiro 18, 2007

Feira de vaidades

Não tenho tempo, energia nem a entrega da Achadiça para andar nesta agitação carnavalesca a que vou assistindo na berloquesfera canense, mas fico contente por ver a rapaziada animada. E mais contente fiquei ao verificar a excelente prestação do Rossio, imbatível na marcha, como sempre. Divirto-me imenso a cumprimentar alguns animadores aqui da berloquesfera canense, sem lhes passar pela cabeça que é a Cristalinda que cumprimentam. Alguns, pelo sorriso maroto, deixam-me a pensar se não estarei eu também a ser alvo do mesmo pensamento. Não creio. Outros porém, embora os conheça, não fazem parte do meu círculo de intimidades, pelo que, o cumprimento formal, ou a falta dele, não motivam qualquer pensamento relevante. Mesmo assim passei a olhá-los de outra maneira. Curioso, o que faz este relacionamento encapotado dos berloques.
Longe vai o tempo (não tão longe) em que todos os nicks se me afiguravam como entidades distantes e destituídas de qualquer personalidade. Perfeitos desconhecidos. Hoje, mesmo aqueles que não relaciono à pessoa que está por detrás da personagem, já possuem uma identidade própria, revestida do carácter que imprimem aos textos que escrevem, aos comentários que fazem ou à forma como se “movem” na berloquesfera canense. Também a expressão “blogosfera canense” não tinha qualquer significado há coisa de um ano. Agora toda a gente fá-la nela e muitos desejam ser reconhecidos e ver reconhecido o seu berloque neste contexto.
A minha mãe, por exemplo, é raro sair de casa, mas vá-se lá saber como, chegou-lhe aos ouvidos que o posto médico e a GNR iam fechar. Perguntei-lhe – ó mãe onde é que ouviu isso? – respondeu-me – disseram na Internet. Fiquei a olhar para ela enternecida. Mais tarde levei-a à minha casa e mostrei-lhe todos os berloques cá da terra e tentei explicar-lhe que nem tudo o que por aqui se diz é credível, ressalvando porém, ainda que hesitante, a possibilidade de o ser. “Então qualquer pessoa pode escrever um disparate!”, indignou-se ela. “Ora aí está mãe, o que não faltam aqui é disparates”. Claro que não lhe disse que quem escreve disparates no “Mulherio” é a filha, mas sempre imprimi alguns textos aqui da menina para lhe ouvir a opinião.
Mas mãe é mãe. Não caiu no engodo. Sorriu com a satisfação de quem descobriu a pedra filosofal. “Foste tu que escreveste isto não foste?”. Lá tive que abreviar, admitindo que de vez em quando escrevia umas coisitas a pedido de uma amiga mas que era segredo. Que não contasse às amigas nem às vizinhas. A ninguém. Não, à família também não. Bem, a partir daqui tive que lhe explicar uma quantidade de coisas para ela perceber porque razão a filha não assumia aquele texto nem queria ser identificada…
Há uns tempos atrás telefonou-me sarcástica para me dizer que o tal texto de que eu era tão ciosa(sic) tinha sido publicado no jornal. Expliquei que me tinham pedido através da net para ser publicado com o pseudónimo Cristalinda e eu acedi. Sabem qual foi a resposta dela?
- Sempre foste muito vaidosa.
Bem sei que bailava na frase a deliciosa ironia a que nos habituou, mas deixou-me a pensar se tal observação não se aplicaria subliminarmente a todos nós, que por aqui vamos deixando as marcas sublimadas da nossa vaidade.

Boas minhocas e um óptimo domingo de carnaval. Sorte a nossa com este dia solarengo...

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Faça sexo com segurança


O Carnaval em Canas é propício a aventuras amorosas. Acreditando piamente no velho ditado de que “santos da casa não fazem milagres”, os canenses e as canenses vivem o ano na expectativa deste período para sacudirem as teias de aranha que o tédio entretanto acumulou. O Mulherio preocupado com esta aptidão sazonal, manifestamente dada a encontros fortuitos e relações passageiras, vem alertar para os perigos consentidos que a troca e vulgarização de parceiros podem provocar. Tais comportamentos, se negligenciados os métodos tradicionais de protecção, podem causar danos irreversíveis.
Faça sexo com segurança ou então opte exclusivamente pela via do beijinho e da carícia. Se optar pela última mantenha sempre a cabeça ao nível da cabeça do parceiro. Não fraqueje.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

As vantagens do cornudo

Um indivíduo surpreendeu a mulher na cama com outro. Despeitado, foi buscar o revólver, armou o gatilho e prestava-se a disparar sobre os dois, quando, hesitante, parou para pensar e foi percebendo como a sua vida de casado tinha melhorado nos últimos tempos.
A esposa já não pedia dinheiro para comprar carne nem para comprar vestidos, jóias e sapatos, apesar de todos os dias aparecer com um vestido novo, uma jóia nova ou uns sapatos da moda. Os miúdos mudaram da escola pública para o colégio, sem contar que trocaram de carro, apesar dele estar há quatro anos sem aumento. Então o supermercado nem se fala. Nunca tiveram tanta fartura como nos últimos meses. E as contas de luz, água, telefone, internet, telemóveis e cartão de crédito… tinha deixado de ouvir falar nelas.
O facto é que a sua mulher era mesmo uma brasa, do género da Júlia Roberts mas com a fogosidade latina. Enfim!
Guardou a arma e saiu devagar para não incomodar os dois.
Parou na porta da sala e disse para si mesmo: o gajo paga a prestação da casa, o supermercado, o colégio, as contas da casa, o carro, o cartão de crédito, todas as despesas e eu ainda vou para cama com ela todos as noites!
Fechou a porta atrás de si e concluiu:
-Afinal quem é o cornudo!

um boi sem cornos é como...

Rapazes, a história não tem moral nenhuma, mas sempre podem reflectir sobre algumas zangas perfeitamente despropositadas. Nesta época de Carnaval façam favor de pensar naqueles que vos apoiam todo o ano. Não digo que vos pagam as contas… mas trazem-vos as raparigas serenas e sossegadas, o que é muito conveniente. Portanto, nada de atitudes violentas para com os vossos benfeitores.
Pensem positivamente, como a sensata personagem desta história. Os jardins sem flores não têm piada nenhuma.

Boas bicadas, dê lá por onde der.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Elas só querem, só pensam em namorar...

Hoje, foi dia de São Valentim, o tal dia dos namorados. Ora como nesta questão nós somos bem mandadas, aproveitámos a sugestão e fomos todas namorar. Portanto, não houve bicadas para ninguém. As que tinhamos para dar foram devidamente encaminhadas para quem de direito. Espero que a vossa ausência tenha sido inspirada pelos mesmos motivos.
Continuem a namorar. Só vos quero cá amanhã e de papinho cheio.Boas bicadas

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Rescaldo do referendo

Não rejubilei com o resultado do referendo. Claro que me agradou verificar que finalmente muitas pessoas compreenderam a injustiça consignada na lei e resolveram votar no sentido de alterá-la. Mas rejubilar não, porque sei que este assunto não se esgota na mesa de voto.
Há muito trabalho a fazer em termos de regulamentação e implementação deste processo: encaminhamento, aconselhamento, financiamento, infra-estruturas, apoio médico, prevenção, educação sexual etc, etc., enfim, todos os elementos indispensáveis à execução da questão que nos foi colocada no referendo.
Conhecendo as dificuldades que o sistema tem para assegurar os cuidados básicos de saúde à população, espero que o governo tenha o cuidado de criar mecanismos rápidos de intervenção e de dotar os estabelecimentos de saúde habilitados para o efeito com os meios físicos e humanos necessários que facilitem o processo e a vida às mulheres. Sem complexos nem complexidades burocráticas e com a discrição e eficácia que a sua intimidade e dignidade merecem.
Inevitavelmente, uma das opções do governo será estabelecer acordos com clínicas que se prestem a este tipo de intervenções. Não tenho nada contra. Mas, também aí, o estado deve ser regulador e interventivo, por forma a assegurar que estes centros não especulem preços que venham a comprometer a viabilidade financeira dos protocolos. Todos sabemos como é que as empresas privadas se comportam quando o estado depende exclusivamente dos seus serviços.
Espero sinceramente que o governo saiba gerir este processo de maneira que as intenções não fiquem só pela letra da lei, à semelhança de muitas normas que enchem o Diário da República.

domingo, fevereiro 11, 2007

Resultado do nosso inquérito sobre o referendo


Temo que a alta abstenção que se adivinha comprometa politicamente a intenção do governo. Logo veremos.

Resultado

Concorda com a despenalização do aborto, se realizado, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?

Sim – 46%
Não – 54%


Espero que a votação nacional não reflicta o resultado do nosso inquérito.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Fora de bairrismos

Quando decidi escrever este texto pensava alinhar no meu bairrismo e desancar o Paço, os pacences e a minha amiga Achadiça, pelas atoardas que têm por aí espalhado. Depois reconsiderei, pois iria entrar no mesmo género de discurso, o que me tiraria porventura a seriedade que o assunto me merece. Vou então fazer uma abordagem séria sobre o Carnaval.
Já li e ouvi muitas considerações sobre a questão da nossa tradição carnavalesca e a forma como, alegadamente, está a ser desvirtuada. Os protagonistas de ambos os bairros trocam acusações pontuais sobre ligeiros desvios ocorridos em edições anteriores, umas descaradamente provocatórias, outras com alguma pertinência.
Esses desvios não trouxeram mal algum ao nosso Carnaval nem puseram em questão a sua continuidade ou tradição. Acalentam a disputa e a rivalidade e servem de arma de arremesso aos inconciliáveis Paço e ao Rossio, para fomentarem a crítica e a achega. Vive e sobrevive bem o Carnaval com isto, pois, no essencial, a originalidade do nosso Entrudo é destas tricas que se alimenta.
Dito isto, centremo-nos na questão dos usos e costumes – a tradição. Há aspectos que, por mais esforço que se faça na sua preservação, as novas gerações não correspondem ao apelo ou os próprios sinais dos tempos tornaram pouco atractivos. Como tal, exigem um compromisso entre aquilo que é obrigatório preservar e o que é passível de reformular. Vamos por partes:

O Pisão, as paneladas, o enfarinhanço etc. – Não estão ameaçados, contudo, o Pisão assumiu proporções de vandalismo que não estava na sua génese. Devolva-se ao Pisão a sua genuína intenção.

As Marchas – São a expressão mais importante do nosso Carnaval e, porventura, aquelas que traduzem verdadeiramente o espírito que lhe deu origem. Sendo um Carnaval de pendor estritamente popular, qualquer alteração tem que ser bem ponderada. Falo do ritmo musical de “marcha” e na sua interpretação (para o efeito a Banda de Música é a mais adequada). Este ano parece que o meu bairro não a vai levar. É pena. Quanto ao percurso, pode lamentar-se o facto de o Paço não descer a rua de seu nome e desertarem da Marcha quando passam no seu bairro. Mas, isso é lá com eles. Se não têm gosto em mostrar-se aos seus adeptos no seu próprio bairro são eles que ficam a perder. Contudo, não venham depois armar-se em guardiões da tradição.

O Despique – Com a evolução da tecnologia sonora é normal que os decibéis ressoem exageradamente. O Paço investe particularmente neste aspecto. Dificilmente se imporá a tradição que permitia aos protagonistas disputarem o despique com as suas próprias “armas” – a garganta. Reformule-se mas com sensatez, para evitar a corrida desenfreada às aparelhagens e o consequente quadro infernal que deforma a festa, com tractores, andaimes, colunas e baterias a substituírem-se à euforia da massa humana.

Os Carros – A utilização de novos materiais ainda não se sobrepôs totalmente às “minhas queridas flores de papel” (fiz muito calo a enrolá-las com um canudo e, depois, mais tarde, com uma tesoura). Porém, temo que qualquer dia, o seu colorido e a sua textura sejam somente uma recordação. Preservem-se os carros com flores.

Os Bailes – Adivinhava-se a sua extinção. Os momentos nocturnos são da exclusividade da faixa etária mais jovem, que já não se revê neste formato. Congratulo a organização do Rossio pela inovação e pela decisão em assumir finalmente um projecto alternativo ao acanhado Quebra-Tolas e ao insuportável esfregulhanço que daí advinha. Mantém-se o baile mas a música é outra. Sinais dos tempos. Evento positivamente reformulado que não põe em questão a tradição, aliás, como todas as outras actividades recreativas que decorrem fora do contexto do Carnaval propriamente dito.

A Segunda-Feira das Velhas – Recuperou a vivacidade de outros tempos, facto que abona a favor da tradição. Afinal a tradição ainda é o que era.

O Enterro, Quarta-Feira de Cinzas – Também aqui se mantém a tradição, consumada na tradicional comezaina e nas exéquias ao defunto. Nada de leitão ou febras grelhadas. É com o belo bacalhau que se encerra o nosso Carnaval, como manda a tradição.

Em jeito de conclusão, parece-me estar a tradição do Carnaval de Canas preservada, ainda que algumas decisões possam causar incómodo aos mais conservadores. Compreendo-lhes a apreensão mas não posso deixar de dizer que a inovação e a reformulação não têm que necessariamente ferir de morte o nosso Carnaval, assim sejam efectuadas com parcimónia e sensatez. São condimentos essenciais para que o Carnaval de Canas de Senhorim corresponda às expectativas dos mais jovens e para que a própria tradição sobreviva aos novos desafios da modernidade. E nisso, como todos sabemos, o Rossio é visionário. Viva o meu Rossio adorado. Viva Canas de Senhorim.

Boas minhocas

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Sambas e Guitarradas

Parece que este ano o Rossio vai trocar a tradicional banda de música, que habitualmente acompanha o cortejo carnavalesco, por um conjunto musical. Guitarrada eléctrica para desvirtuar uma das características que torna o nosso Carnaval tão peculiar.
As bandas de música dão um cunho popular ao nosso Entrudo, integrando as demais componentes tradicionais em que o nosso Carnaval é fértil. Não obstante, o Rossio ou a sua Direcção, decidiram optar por um som incaracterístico e menos próprio na salvaguarda de um som mais potente. Inspirados insipidamente por tendências modernaças ocorreu-lhes a possibilidade de aproveitar as novas potencialidades tecnológicas e, qual rave party, adulterar o som típico dos metais, dos pratos e do bombo. Lembrei-me logo daquelas paradas tipo “Orgulho Gay”, com os foliões de mãos dadas ao som de House Music. Perdoem-me.
Parece que foi a forma encontrada para contrariar os kilowatts que o Paço carrega às costas para se fazer ouvir. Será que ainda não se aperceberam que esta luta desenfreada por quem faz mais barulho só conduz à cacofonia, privando as pessoas, que são o mais importante da festa, de se fazerem ouvir e competirem de alma coração e garganta pelo seu bairro? Admito o som amplificado das bandas, pois o som captado pelos microfones é suportável, pese embora o feed back e outros inconvenientes, agora instrumentos eléctricos e caixas de ritmos artificiais!? Tudo com o ponteiro no máximo!Veio o presidente da Direcção do Rossio a terreiro admitir que tinha acordado com o Paço que o despique seria só com o som das bandas, mas, pressionado por elementos da sua organização aceitou, embora contrariado, este novo projecto que abdica da tradicional banda e obriga a total amplificação sonora. Argumenta ainda que este projecto “rave” foi proposto por “gente novíssima” à qual deve dar ouvidos pois são eles que vão assegurar a continuidade do Carnaval. Bem, nada tenho contra a malta jovem. Eu própria não sou assim tão velha. Mas tem que haver bom senso. A malta nova não pode ir atrás de modas nem de preferências de geração incondicionais, sob o risco de comprometer e subverter 400 anos de tradição.
Posto isto, só me resta acarinhar o meu bairro que, fiel ao espírito genuíno do nosso Carnaval, continua a apostar na tradição e não cede a tentações suspeitas.

Boas bicadas