terça-feira, janeiro 30, 2007

Sobre o Referendo

Começa hoje oficialmente a campanha para o referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez. Já em tempos nos pronunciámos sobre esta matéria (a Achadiça e eu própria), assumindo uma posição favorável ao “sim”.
Para evitar a dispersão dos argumentos e discussões laterais ou acessórias, centremo-nos no espírito da pergunta, que remete para uma questão penal e não, como nos querem fazer crer os apoiantes do “não”, para um veredicto sobre a vida.
A pergunta incide sobre a descriminalização das mulheres que se sujeitam ao aborto. Ponto final.
Votar “não” significa deixar estar tudo como está, isto é, os abortos clandestinos vão continuar a verificar-se, algumas mulheres vão continuar a morrer e outras vão continuar a ver a sua vida devassada e em última instância condenadas, como se fosse legítimo a uma parte da sociedade usar a ferramenta penal para fazer valer sobre a outra parte as suas ideias que, embora respeitáveis, neste caso pertencem à esfera dos valores e da consciência individual e não devem ser impostas sobre coacção.
Votar “sim” deixa espaço de reflexão para as mulheres decidirem em consciência e devidamente auxiliadas pelos agentes de saúde (esta área terá o devido enquadramento regulamentar que não cabe no referendo) sem a pressão e a ignomínia da prisão.
É sobre esta matéria e só sobre ela que recai a pergunta. Tudo o resto é discutível mas não está questionado no teor do texto do referendo.
Admito a extrapolação que a pergunta suscita, mas não posso concordar que aqueles que tão acerrimamente defendem o “não” admitam deixar ficar tudo como está, quando as actuais circunstâncias constituem exactamente o contrário do que defendem. Não estão a defender nem a vida nem a dignidade humana, pois os abortos vão continuar a praticar-se nas piores condições, as mulheres vão continuar a morrer ou a serem arrastadas para os tribunais, os agentes de saúde em vez de ajudarem tornam-se delatores e os juízes e juízas fazem letra morta da lei, circunstância que só prova a insensatez do actual enquadramento legal.
Para bem dessas mulheres espero que dia 11 de Fevereiro os portugueses votem a única opção que lhes devolva a dignidade e o sentido de livre escolha. Que votem “sim” à descriminalização do aborto.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Memória I

Temos pelo Cingab um carinho muito especial. Granjeou a nossa simpatia logo no início desta aventura dos berloques, quando, ainda inexperientes, bicávamos por todo o lado à procura de alguma minhoca que caísse no engodo. Foi ele, com os seus curtos mas animadores comentários, que incentivou as galinhas a insistir nas posturas. Outros se lhe seguiram contribuindo para que a motivação não esmorecesse e aos quais estamos muito gratas, mas é ao Cingab que devemos esse apoio inicial.
Ainda hoje, não há quase nenhuma bicada que não tenha um comentário dele e é sempre com apreço que registamos essa sua boa vontade.
Porque já era merecido, o Mulherio, através da sua presidente, vem por este meio enaltecer a dedicação e solidariedade do Cingab ao serviço da berloquesfera canense.
Considerando-o meritório dos mais sinceros elogios, as galinhas residentes atribuem-lhe a honra de se fazer representar com um texto da sua autoria no berloque do Mulherio. Para o efeito transcreve-se uma bicada alusiva às memórias do nosso carnaval.

A Presidente Achadiça


Este texto funciona como uma resposta ao pedido da minha inimiga de estimação, “Achadiça”, que nos pede memórias para que fiquem registadas... Claro que podem sempre riscar ou acrescentar!...
Não muito longe vão os tempos, em que o Carnaval de Canas se parecia mais ao que é hoje a segunda-feira das velhas... Grupos de moços e moças, dos dois bairros, iam alternadamente ao outro bairro... A participação dos homens resumia-se a andarem ao lado do corço com varapaus não permitindo que se misturassem as “raças” ... Claro está que, andarem pessoas nas ruas, em tempos de Carnaval, com paus na mão, confrontando o outro bairro, não podia dar bons resultados... Quase sempre saía “molho”!... Neste particular, era o Rossio que perdia!...
Conta-se que certa vez os guardadores de rebanhos do Paço conseguiram empurrar a marcha do Rossio para dentro dos “claustros” (antiga vacaria junto à Igreja), transformando o espaço num ring de boxe...Claro que haviam pedradas, murros, urina e fezes, os tais paus, farinha...
E quem não se lembra das “majoretes”?... Haverá muito bom homem, casado e pai de filhos, que não esquecerá... É que elas não eram só enfarinhadas...
As mascaradas, pessoas que correm pelo breu da noite (e não só), completamente irreconhecíveis, assustando os mais desprevenidos... Mais uma tradição de Canas!...
E as Comadres e os Compadres?... Às gentes solteiras eram sorteados pares para dançarem nos bailes à noite... O Rossio reeditou essa tradição em 2006... É verdade que o sorteio, bem, o sorteio... Mas que sorteio... Ehhhhh!...
Temos também o episódio, contado pelo António João (chamado o Judeu – isso também tem uma história, fica para mais tarde) de quando um novo cabo veio para o posto da GNR e ordenou a proibição das bombas de Carnaval (o tempo deu-lhe razão). António João e muitos outros combinaram que todos os foliões canenses lançassem à mesma hora, numa noite, as bombas junto ao posto... Aquilo parece ter sido algo de levantar os mortos das campas, o Cabo pediu para sair de Canas!...

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Memória

Parece que só falto eu, escrever aqui no Mulherio um texto sobre o Carnaval de Canas. A Riça, à sua maneira, já esclareceu a origem, a Cris deu-lhe aquele toque de magia que só ela sabe e eu estou hesitante, pois de tanta coisa para contar não me ocorre nada que não me comprometa.
Bem, como sou do Paço e o meu pai me contou esta história, vou falar do mais triste acontecimento, segundo ele, que ocorreu no Carnaval de Canas. O que o torna pertinente é que faz este ano 30 anos que ocorreu.
De tal ocorrência não foi apurado qualquer culpado, porém parece-me elementar concluir ter sido perpetrada por um energúmeno do Rossio. Abro um parêntesis para esclarecer que a malta do Rossio, em geral, não terá porventura qualquer culpa daquele acto tresloucado.
Corria o ano de 1977 quando a dada altura, no “calor” da festa carnavalesca, um carro alegórico do Paço começou a arder. Uma vez que o fogo se começou a alastrar no lado posterior do carro e este não tinha qualquer mecanismo que pudesse originar a combustão, tudo indiciava que a origem tinha sido “fogo posto”. O mais grave da situação é que iam crianças no carro e, a uns bons dois metros de altura, sem acesso que facilitasse a descida, ia a Zeca, a esposa do Longuinho (desculpem a referência). Parece que não foi fácil tirá-la de lá com o fogo a alastrar pelas flores. Mas felizmente conseguiu descer ou conseguiram resgatá-la só com uns ligeiros arranhões.
Desconheço como foi nesse ano o despique. O meu pai também não se lembra, mas a avaliar por este precedente devia ter sido bem “quentinho”. Contudo, parece que não houve qualquer registo de violência.
Por retaliação ou por indignação o Paço decidiu não participar no Carnaval em 1978, optando por organizar uma sardinhada. Diz o meu pai que foi com alguma tristeza que essa decisão foi tomada. Há quem diga também que foi este interregno que estimulou o Carnaval de Nelas(?).

O carro de que se fala
Paço - 1977

Os contornos deste acontecimento vão-se apagando da memória dos mais velhos. Para que as novas gerações não os percam deixo aqui o registo possível, que me foi transmitido já com algumas lacunas. Se alguém souber algum pormenor que possa acrescentar ou alguma correcção a fazer, ficaria a história devidamente testemunhada e documentada. Viva o Paço e boas bicadas.


ERRATA
Em 01Fev07, surgiu, e muito bem, a 1ª correcção: Quem ia no carro era a Isabel e não a Zeca;
Em 01Fev07, a 2ª correcção: Foi apurada a identidade do responsável, entretanto falecido.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

O despique

Sobressalta-me a ideia do Carnaval. Desde pequena nutro um desvario emocional por esta época do ano que conflui inevitavelmente naqueles três dias alucinantes.
A minha mãe impunha-me condições para marchar no corso do Rossio. Os tempos eram de encarniçada competição e bastas vezes a alegria transformava-se em violência. Assim, no despique, tinha que prometer que a minha participação se limitaria às orlas da confusão, onde o olhar protector da minha mãe lograsse alcançar o suposto comedimento. Que inveja tinha do meu irmão, isento das grilhetas do bom senso que me eram impostas a mim.
Ainda assim, e salvaguardada pela desculpa dos empurrões, mal a cambada do Paço arremetia ao tradicional encontro, atirava-me de alma e coração para o meio da contenda gritando pelo meu Rossio até que a voz se sumisse. Parecia uma boneca de trapos dentro de uma máquina de lavar roupa a 80º e em plena centrifugação. Ali é que a mãe não me ia buscar. Mas por azar, lá vinha o meu irmão armado do seu poder paternal pôr ordem na desmiolada. Lá voltava à segurança da orla, contrariada. Recuperado o fôlego, aproveitava uma desatenção da mãe e ala que se faz tarde, irrompia aos saltos por entre os matulões do Paço que, dada a minha tenra idade, subestimavam a minha garra e abriam alas à minha intrepidez.
Extenuada mas convicta que, sem a minha presença o Rossio não lograria vencer, voltava para casa de lagrimazita no olho, a pensar com os meus botões porque é que o Carnaval passava tão depressa.
Precisava de uma mês para recuperar da saudade que se me instalava na alma. E não eram raras as vezes que, pela calada do dia, eu própria ia fazer o enterro do meu Carnaval. Qualquer resquício de um carro alegórico servia para cumprir as exéquias. Ali ficava acariciando as flores que a chuva já desbotara, adorando os interstícios de arame, ferro e madeira que tinham na sua glória efémera encantado os meus olhos agora tristes e pesarosos. Bem sabia que para o ano havia mais, mas o tempo de uma criança esgota-se no momento presente. Foi assim durante muitos anos.
Agora já não salto nem grito no despique, mas a comoção e a emoção ainda vivem dentro de mim. De tal forma que invariavelmente me humedecem os olhos quando os dois bairros se cruzam, como se naquele momento passasse por mim toda a minha vida e todas as recordações projectassem a história da minha própria existência. É assim o carnaval de Canas.

Boas minhocas

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Crónicas da Galinha Riça - O Entrudo

Deus criou o paraíso de Canas de Senhorim. Deslumbrado com a Sua obra decidiu habitá-lo. Primeiro criou o bairro do Paço, depois, das entranhas deste, tirou um pedaço e formou o do Rossio.
Os dois bairros conviveram harmoniosamente durante muito tempo, usufruindo das dádivas terrenas que generosamente Deus lhes tinha concedido, até que um dia, entediados da eterna felicidade que lhes tinha sido destinada, ousaram desafiar a graça divina.
No jardim paradisíaco que habitavam havia uma árvore encantada cujo fruto se supunha capaz de curar os males da alma e do corpo - a árvore do Entrudo. Os seus frutos continham o doce veneno de Afrodite e proporcionavam delírios alucinogénios fantasiosos, estimuladores dos comportamentos mais estouvados. Deus tinha-lhes recomendado que não ousassem provar de tal fruto, pois, embora sedutor, simbolizava a origem do mal e quem dele provasse ficaria eternamente condenado.
Contudo, o Rossio, mais jovem e como tal mais ousado, não resistiu ao encantamento e colheu o fruto proibido. Porém, receoso dos seus efeitos e da condenação divina deu-o a provar inicialmente ao Paço. Este não se fez rogado e caiu na tentação. Logo uma força desconhecida lhe retemperou a alma e as cores. Desatou aos saltos e aos gritos num histerismo misto de alegria e de loucura. O Rossio não lhe ficou atrás. Acabaram por devorar o fruto em três dias de folia e algazarra descontrolada.
No último dia, quando do fruto já só restava uma dentada, gerou-se a controvérsia. Quem é que merecia o último pedaço, quem é que por direito deveria prolongar a euforia. Ocorreu logo ali uma grande zaragata e um despique fervoroso entre os dois bairros para decidir quem sairia vitorioso no confronto, em suma, quem ficaria com a derradeira trincadela do fruto da árvore do Entrudo. Quem ganharia o Carnaval.
Foi nessa altura que, irrompendo do Seu sossego celeste, surgiu Deus. Ainda estremunhado por ter sido arrancado ao Seu sono divino pelo desaforo dos beligerantes, apresentava um semblante carregado, nada próprio da Sua habitual placidez. Dirigiu-lhes a palavra num tom pouco amistoso:
- O que vos disse eu quanto à arvore do Entrudo?
- Mas, Senhor a culpa foi do Rossio, que não atendendo à Tua recomendação colheu o fruto… – desculpou-se o Paço.
- Mas quem lhe tomou o gosto foste tu – retorquiu o Rossio.
Deus impacientou-se e mandou-os calar. Depois na Sua eterna sabedoria sentenciou:
- Perante o vosso desrespeito condeno-vos a digladiarem-se perpetuamente uma vez por ano durante três dias e, para remissão do pecado, a arderem em praça pública ao quarto dia. Além disso, tu, Paço, por terdes aceite comer do fruto proibido, haveis de marchar eternamente para o Rossio, para aí vos sujeitares ao confronto.
Regozijou o Rossio com a sentença aplicada ao Paço. No entanto…
- E tu Rossio, por terdes desobedecido às minhas ordens, até ao fim dos tempos nunca haveis de ganhar um só confronto. Cumpra-se a minha vontade.

E assim, ao longo dos anos se tem cumprido a vontade de Deus em Canas de Senhorim. E assim será até à eternidade. Ámen.

domingo, janeiro 14, 2007

Balanço 2006

O Movimento Reivindicativo do Mulherio de Canas de Senhorim (MRMCS), braço político deste berloque, vem, através da sua presidente, agradecer o apoio e o estímulo que galos e galinhas concederam às suas iniciativas no pretérito ano de 2006.
O ano transacto foi razoável na produção de milho, não só pelas excelentes condições climatéricas que se fizeram sentir, mas também pela dedicação que alguns galos e frangos emprestaram à manutenção dos lameiros onde este se desenvolve. Embora a produção ainda não satisfaça totalmente o apetite voraz da espécie, estudos científicos levados a cabo pelo Dr. PortugaSuave no seu boletim trimestral, referem uma subida considerável no índice de satisfação púbica. O Mulherio cifrou-se na excelente marca de 1000 galadelas mensais.
Atendendo à quantidade das galinhas e frangas sexualmente activas residentes no Quintal, que ronda cerca de um milhar, será fácil concluir que cada uma teve direito a uma galadela mensal. Bem, isto são deduções estatísticas que, como sabem, podem não corresponder exactamente à contabilidade pessoal de cada galinha. A mim e à vizinha calhou-nos um frango jeitoso, um frango robusto, carpinteiro de profissão. Até espetava pregos com o bico. Enfim, uma delícia. A estatística dirá que nos tocou meio frango a cada uma. Mentira, pois a desavergonhada atracou-se ao pitéu, devorou-o por inteiro e, perante o desaforo, de nada me serviram reclamações estatísticas.
De qualquer maneira ficamos com uma ideia geral da tendência. Claro que haverá quem diga que uma galadela por mês não arrefenta nem a libido mais insensível, mas, se dermos crédito às previsões anunciadas pelo presidente do Aviário Central, que apontam para um crescimento em alta do desempenho dos machos, tudo indica que lá para 2020 a nossa insatisfação seja definitivamente ultrapassada.
Dir-me-ão algumas companheiras mais entradotas, como eu já ouvi, que em 2020 de nada lhes servirá tal performance e que o melhor seria mudar rapidamente de malas e bagagem para o Galinheiro Canas & Senhorins. Por lá seriam contempladas com quatro galadelas por mês, uma por semana. Um primor. Respondi-lhes que se quisessem ir que fossem, mas sempre as fui avisando dos dissabores que tal iniciativa lhes podia trazer. Quantidade não é sinónimo de qualidade.Uma boa galadela quer-se tântrica, centrada na galinha que deve ficar por cima, no devido respeito pela filosofia hindu, na qual, a galinha representa a deusa Shaktí. Aos machos cabe o dever de interpretar os rituais de adoração através dos chamados preliminares, como olhar, beijar, tocar, acariciar, abraçar, massajar e galar pausadamente, circunstâncias que estes tendem a menosprezar, mesmo conscientes da eficácia do método na satisfação das galinhas e na reprodução da espécie. Que o digam os indianos. Porventura as meninas acham que os galarós lá do Canas & Senhorins se prestariam a abdicar do poleiro por razões de culto orgástico!?
Concordaram. Sensíveis à minha apreensão não vão. No entanto não deixaram de me alertar para que o Mulherio reflectisse sobre o parco quinhão mensal que lhes tem cabido e na urgência de obter melhores resultados na distribuição da ração. Prometi-lhes que o Carnaval se aproximava e com ele uma esperança renovada. Por essa altura há sempre uns pitos que saem da casca. Que aproveitassem para exercer algum exercício genital e, já agora, que fossem pedagógicas e discretas nas manobras de aproximação. Para vergonha já bastavam os desesperos do ano passado.
Resta-me endereçar os votos de um ano de 2007 empreendedor a todos os galinheiros do Quintal e recomendar aos machos residentes uma vida saudável, sem vícios. Bebidas alcoólicas, drogas, tabaco e carne não devem fazer parte dos hábitos alimentares. De preferência, fruta, cereais, legumes, água e milho. Muito milho. A par disto devem praticar técnicas de relaxamento e saber controlar a respiração e a ejaculação, exercícios imprescindíveis para um eficaz desempenho galatório. Uma boa relação é aquela que dura no tempo. Boas bicadas para todos.
A presidente Achadiça
Boas bicadas

terça-feira, janeiro 09, 2007

Crónicas da Galinha Riça - A Mãe Natal

A Mãe Natal acordou bem disposta naquele dia. Enquanto se banhava em aromas de lavanda e outros recursos libidinosos ia pensando qual a indumentária que lhe proporcionaria mais força para impor, na Concertação Natalícia, as ideias confidenciadas durante a noite, entre afagos e requebros de boa memória. Sim, porque isto de uma mulher transmitir segurança e exercer poder pode muito bem ser influenciado pela cor do vestido ou das formas que este revela ou esconde, especialmente se o meio onde se move for maioritariamente masculino.
O costumeiro “tailleur” vermelho que já lhe garantiu persuasão e credibilidade parecia-lhe agora insuficiente para levar a cabo as iniciativas que o seu amante lhe tinha sugerido naquela noite.
Optou por um vestido cor de vinho, ligeiramente acima do joelho e generoso no decote. Sapatos pretos de salto alto, sem exagero. A lingerie foi escolhida meticulosamente. Ligas preto-translúcido, cuequinha e underbra vermelhos, para não quebrar totalmente a tradição. A rematar a compostura, um pormenor íntimo, pouco vulgar numa Mãe Natal mas eficaz no propósito: Uma tatuagem discreta na zona púbica, evidenciada pela ausência de pelugem que uma cuidada depilação tornava visível a quem com ela comungasse intimidades. Duas letrinhas apenas, dedicadas de dor e alma ao seu recente amante – LP.
Olhou-se pela última vez ao espelho. Compôs o cabelo e hesitou na escolha do perfume. Para esta ocasião precisava de um aroma forte e quente. Aquela sala tinha que sentir a força que emanava do seu querer. Os perfumes americanos são muito light, próprios para aventuras descomprometidas, logo pouco convictos. Só os franceses correspondem ao requisito. Começou a enumerá-los. Christian, Yves, Chanel, Angel... Angel! Sim, este é capaz de hipnotizar um anosmático. Aspergiu-se e saiu confiante.
Na sala onde iam ser tomadas as grandes decisões para este Natal, discutiam-se informalmente prioridades e estratégias na distribuição dos presentes, quando a Mãe Natal assomou à porta. Todos se levantaram em devido respeito.
- Deixem-se estar. Muito bom dia meus senhores – cumprimentou cerimoniosa, tomando a palavra.
- Li todos os relatórios que os senhores elaboraram. Felicito-os pelo excelente trabalho. Concordo na generalidade com as vossas recomendações pelo que já autorizei as verbas necessárias à execução das vossas propostas. Porém, gostava de chamar a vossa atenção para a completa omissão relativamente à vila de Canas de Senhorim...
Mal a palavra Canas se fez ouvir, logo um murmurinho reprovador se instalou entre os presentes. Um dos pares, inconformado com aquela chamada de atenção, lembrou:
- Mãe Natal, como é do seu conhecimento, nunca tal vila foi tão presenteada como aconteceu ao longo do mandato do qual vossa excelência é legítima titular. Bem sei que o comportamento dos canenses no presente ano foi exemplar, poupando-nos a rebeliões e outras inconveniências habituais, contudo, e creio poder falar em nome de todos os signatários da Concertação Natalícia, é de todo contraproducente reforçar o cabaz de Natal de Canas de Senhorim, pois já tiveram o seu quinhão ao longo do ano. São uns pedinchões e uns mal agradecidos. Se lhes damos uma Play-Station 2, querem logo 4 comandos, um jogo de Wrestling, um do OO7 para PC e ligação à Internet para jogar on-line. Mesura e parcimónia, Mãe Natal. Mesura e parcimónia. Tenho dito.
Todos acenaram afirmativamente em gesto de concordância e até houve um, mais labioso que exclamou, “apoiado”. A Mãe Natal não vacilou. Aguardou serenamente que os ânimos serenassem. Depois, ergueu-se da cadeira, insinuando corpo e aroma e esclareceu:
- Compreendo a vossa apreensão mas deixem que vos diga que ainda sou soberana em matéria de prendas e a decisão final é da minha competência. Neste Natal faço questão em descriminar positivamente Canas, pois não posso alhear-me da miséria que lhes calhou em sorte em Natais passados. Para além disso gostava de alertar que os presentes que vou propor, para os quais espero a vossa anuência, não constituem despesa para o Banco São Nicolau, pois eles serão suportados por verbas da CMN, o que é o mesmo que dizer, pelos próprios canenses. Proponho, portanto, para este Natal que se contemple a vila de Canas de Senhorim com mais duas rotundas, que se conclua a rotunda da Escola e que se iluminem convenientemente as suas ruas. Compete-me a mim, com a ajuda de vossas excelências, proporcionar aos mais desfavorecidos um feliz Natal. Julgando estar a minha proposta imbuída do espírito que norteia os princípios fundamentais desta concertação, apelo ao vosso alto sentido humanitário para reconfortar os canenses que, no seu sábio silêncio, devem ser merecedores da nossa especial atenção.
Dito isto, a Mãe Natal, ajeitou o vestido, colocou as palmas das mãos no tampo da mesa e, mantendo-se soerguida olhou-os, um por um, em jeito de desafio. O decote generoso deixou entrever fugazmente a renda vermelha do underbra, que despia volumes difíceis de contrariar. Há já algum tempo que a fragrância do Angel tinha intimidado a plateia e foi neste clima que a reunião viu aprovados os presentes de Natal para Canas de Senhorim.
Dizem as más línguas que estas prendas só foram possíveis porque a Mãe Natal anda caída de amores por um canense e que até tem as suas iniciais gravado algures no corpo, prova inequívoca do romance. Pois a vossa cronista está em condições de afirmar que é mentira, ou pelo menos é meia-verdade. O que a Mãe Natal tem tatuado no baixo ventre são as iniciais da expressão “Loucamente Perdida”. E quanto a isso só ela poderá dizer por quem!

Bons repenicos

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Alfa Pendular. Classe Desconforto



Não sei ao certo quando deixei de dar importância à minha festa de anos. Talvez nunca tenha dado, a não ser aquelas festas surpresas em que os amigos tomam as rédeas do acontecimento e nos obrigam a festejar, deixando clara a sua vontade de me ver feliz e reconhecida.
Quando penso em organizar eu própria a minha festa de anos, interessa-me sobretudo em ter comigo aqueles que são queridos e constituem os horizontes seguros daquilo que eu sou. Quero sobretudo saber quem sou, consolidar a minha própria história. Nesse caso, quero-os num ambiente íntimo, quero ser eu a oferecer-lhes a comida e o ambiente. Gosto de intimidade. Talvez por insegurança. Ou por velhice. Mas então, devo ter sido sempre velha.
Quando penso convidar os meus amigos para irem à minha festa de anos num restaurante onde cada qual tem de pagar o seu jantar, estou a exigir a alguns um esforço desnecessário, como se tivessem de pagar para estar comigo no meu aniversário. Estou imediatamente a promover o meu aniversário, a comemoração da minha mais íntima experiência, o meu nascimento e a minha existência, a um acontecimento social, como se fosse uma figura pública e por isso mesmo despojada do poder de ser eu própria e impedida de ser amada por aquilo que realmente sou.
Deve ser por isso que gosto muito mais de festas de aniversário para crianças.
Tu, porém, és uma criança. E, de imediato, tens essa esfarrapada desculpa. Participo na tua festa para alimentar a esperança de que vais crescer. E vejo-te tão grande e tão desassossegado como se ainda fosses um adolescente, perseguindo tudo quanto é ilusão banal e vulgar piscar de olhos. Sinto-me só na tua festa, porque acho tudo tão gratuito e sem importância.
Um ritual desprovido de sentimento profundo, torna-se um mero folclore. E a “rainha de trapos” arrasta-se de copo em copo, de segmento de conversa em segmento de gesto, da mundaneidade previsível à superficialidade do olhar, para, depois, tal cereja em cima do bolo, acabar tudo numa grande bebedeira sem poesia nenhuma. Uma noite sem alegria, sem amor e sem sexo. Garantida, apenas a ressaca do dia seguinte. E lá se vão dois dias deitados pelo esgoto abaixo, duma só vez.
É assim mesmo. Festeja-se a vida, gastando-a o mais rápido possível. Nem um momento para pensar. Isso é enfadonho. E quanto ao prazo de validade, podemos dar-lhe sempre um empurrãozinho retórico. Parabéns a você nesta data querida...
Depois mordemos a língua, porque esta festa não tem bolo e muito menos velas onde possamos mordiscar um desejo. Mordemos a língua, porque nos soube a pouco e não somos capazes de o reconhecer ,ou, simplesmente, porque entretanto aprendemos que nem todas as verdades têm de ser ditas: é pena que gostes mais de copos do que de foder.
Parabéns.

Cristalinda

domingo, janeiro 07, 2007

Jornal Canas de Senhorim - Cartoon

Não sou assinante do Jornal Canas de Senhorim. Deveria ser e como tal vou brevemente resolver a desfaçatez.
Mas nem por isso deixo de o ler. O Sr. Ilídio faculta-mo generosa e gratuitamente (obrigada Ilídio). Ao ritmo de uma bica lá vou lendo as parangonas, seleccionando para leitura completa as mais apelativas.
Estão de parabéns os articulistas e a redacção em geral que, abnegadamente e a troco de nada, dedicam tempo e intelecto à sua concepção e o mantêm ao longo de oito anos. O que me contrista, perdoem-me o autor e aqueles que considerarem esta crítica desajustada, é a insipidez dos cartoons que curiosamente têm como título "Humor". É bem verdade que esta terra anda mal de humores, mas valha-nos o Padre Eterno, que em boa hora o Guerra Junqueiro glosou.
É sempre melhor e mais fácil enaltecer do que criticar. Porém, desta vez, tenho que dizer mal. Paciência.
Um cartoon, não é um mero desenho alusivo a uma qualquer situação, por mais que a acção tenha o seu quê de divertido no contexto onde decorreu. Um cartoon pode “pegar” nessas situações, mas tem que transmitir ao observador uma mensagem maliciosa, mordaz ou irónica tangível. No caso do cartoon "Humor" das três uma: Ou eu sou mentecapta, ou desinformada, ou o seu criador não tem a mínima ideia de que é um cartoon. Já nem refiro a pouca habilidade para o traço, pois nesta modalidade a mensagem expressa ou intuída é o mais importante. Tão pouco será a falta de tempo para que a inspiração lhe assista. Se ela não lhe ocorre num mês, provavelmente não lhe ocorrerá nunca. Mesmo assim tenho esperança que esta crítica lhe chegue aos ouvidos e lhe eduque a vocação(?), a bem do Jornal e da sensibilidade dos leitores.
Para o efeito deixo-lhe alguns exemplos de cartoons para reflexão, elaborados por um canense (Farpas) no blog Ai o Camandro.

Lisboa -Dakar
Há excesso de médicos
Mudam-se os tempos

Bons repenicos

terça-feira, janeiro 02, 2007

Cabra



Finalmente percebi quem foi a “cabra” que boicotou os pedidos que fiz ao Pai Natal.

segunda-feira, janeiro 01, 2007

2 milhões de contos


Num comentário que tive oportunidade de trocar com o Cingab na bicada IVG, a propósito do referendo, recorri à transcrição do Regulamento Orgânico do Referendo para o corrigir quando afirmou que os membros designados para as mesas de voto aufeririam uma determinada remuneração pela nomeação para tal cargo.
É um facto que o regulamento, no seu artigo 89.º, não prevê qualquer remuneração para o desempenho dos cargos de membros da mesa ou da secção de voto, porém creio que tal preceito foi alterado pelas dificuldades encontradas nos anteriores referendos (IVG e Regionalização) em constituir as referidas assembleias de voto.
Assim, para este referendo cada membro irá receber cerca de 70 euros, o que, segundo declarações da tutela, tal despesa, a expensas do estado, orçará os 4 milhões de euros. Se acrescentarmos mais 4 milhões para tempos de antena dos partidos políticos e dois milhões para a feitura dos boletins de voto, o referendo custará ao bolso dos contribuintes cerca de 10 milhões de euros (2 milhões de contos). As coisas que se podiam fazer com este dinheiro, se o Partido Socialista assumisse de uma vez por todas as suas competências sobre o assunto na Assembleia da República.
Fica o devido pedido de desculpas ao Cingab e a correcção que se impunha.

A Presidente Achadiça