Foi com elevada consternação que alguns distintos lapenses receberam a notícia do novo trajecto do IC12 e da respectiva localização do nó de acesso a Canas de Senhorim. Agradados pelas expectativas que o antigo projecto apresentava, com a possibilidade de o referido nó ficar nos limites da localidade, circunstância porventura já devidamente equacionada em termos de rentabilidade pessoal e colectiva, viam-se agora despojados do magnífico nó e preteridos no empreendimento a favor da Póvoa de Sto António que, sendo lugar de santo não é mais santificado que a Lapa do Lobo que já teve a piedosa presença do Sr Bispo. E acrescentavam: Mesmo que a comparação entre o santo e o bispo nos seja desfavorável, pois a tanto ainda não chegou a Igreja na santificação dos eclesiásticos vivos, é por demais conhecida a ligação de São Francisco de Assis ao lobo, animal que deu o nome a esta terra. Mesmo que seja improvável ser o animal de S. Francisco o mesmo que o da Lapa também não há provas em contrário. E mais que não fosse não seria o Vale do Boi o melhor sítio para o redondel, local cuja nomenclatura é espiritualmente apropriada para evocar esse animal sagrado que é a vaca, ou o boi, alargando assim o sentido ecuménico aos fieis? Portanto, em matéria de santos, bispos e bestas estamos resolvidos. Neste particular não está a Póvoa melhor apetrechada para que lhe seja oferecida de mão beijada o altar rodoviário.
É claro que estes considerandos canónicos eram a voz da populaça, que, incapaz de perceber os labirintos técnicos do projecto, recorria à velha explicação divina ou semi-divina para tentar resolver a afronta. Do mesmo mal não sofriam os distintos lapenses que convocaram o plenário onde estas opiniões se fizeram ouvir. Após aturados esforços de esclarecimento lá convenceram os populares que isto não era uma competição de santos ou de religiões, apesar de a ideia ser tentadora, conforme afirmou um dos oradores. Trazia-se à congregação São Cristóvão, protector dos automobilistas, São Tiago, promotor dos caminhantes, e, com a teimosia argumentativa de Santa Catarina, nossa padroeira, talvez Santo António abdicasse da sua vocação casamenteira e deixasse de andar para aí a dar nós ao desbarato…
Foi uma alusão oportuna. Os entendidos sorriram, cúmplices da ironia oratória e dos laços conspirativos que o comentário exerceu nos crentes. Agora era preciso dar a volta à questão para que o assunto fosse tomado em consideração pelas entidades competentes, e a melhor forma de o fazer era alertar determinadas organizações para os malefícios ambientais que o traçado do novo percurso iria trazer. Elas encarregar-se-iam de solicitar ao Ministério Público uma providência cautelar que embargasse a obra e a devolvesse ao percurso inicial, acautelando o local do ambicionado nó. Mas aqui punha-se um problema, que fundamento iriam utilizar para convencer os ambientalistas? Não temos pinturas rupestres, ossadas de dinossauro, formigas pirilau, sardaniscas pintalgadas, o estorninho não está em vias de extinção, a carriça também não, raios, que vamos nós preservar? O sapo Cocas?
Foi então que um ilustre lapense, até então silencioso, pediu a palavra:
- Meus amigos a vossa visão é pequenina, andam à procura da parte quando têm o todo à disposição. O que é preciso preservar é aquele lugarejo moribundo, semi-abandonado ao seu triste destino. Sim, o que é preciso salvaguardar é a vila de Canas de Senhorim. Se este projecto se confirmar como está previsto, a já agonizante vila ficará sufocada entre a linha de comboio e a auto-estrada, a ver passar carros de um lado e comboios do outro, um garrote fatal, um enclave em “V” a abrir para Carvalhal Redondo e para Nelas, empurrando os canenses de encontro aos seus eternos detractores. É este o fundamento que vocês procuram, evitar a todo o custo aconchegos indesejados, e terá o apoio de todas as partes, dos envolvidos, que por certo não aspiram à aproximação nem são dados a abraços, e das entidades políticas que não arriscarão nestas circunstâncias colocar à disposição dos habituais insurrectos as duas principais vias de acesso ao interior beirão, a linha da Beira Alta e a auto-estrada A35.
Esta sim foi uma tirada iluminada. Logo ali se prepararam alforges e merendas, sem descurar o milagroso líquido de Canã. A ideia era rumar à pedreira do Vale do Boi, tomar as instalações da empresa e ali entrincheirados resistir ao insidioso projecto.
Anuncia-se assim em primeira mão uma nova intifada na Vila de Canas de Senhorim, a qual, desta vez, a avaliar pela matéria-prima que o local proporciona, promete aguerrida resistência.
É claro que estes considerandos canónicos eram a voz da populaça, que, incapaz de perceber os labirintos técnicos do projecto, recorria à velha explicação divina ou semi-divina para tentar resolver a afronta. Do mesmo mal não sofriam os distintos lapenses que convocaram o plenário onde estas opiniões se fizeram ouvir. Após aturados esforços de esclarecimento lá convenceram os populares que isto não era uma competição de santos ou de religiões, apesar de a ideia ser tentadora, conforme afirmou um dos oradores. Trazia-se à congregação São Cristóvão, protector dos automobilistas, São Tiago, promotor dos caminhantes, e, com a teimosia argumentativa de Santa Catarina, nossa padroeira, talvez Santo António abdicasse da sua vocação casamenteira e deixasse de andar para aí a dar nós ao desbarato…
Foi uma alusão oportuna. Os entendidos sorriram, cúmplices da ironia oratória e dos laços conspirativos que o comentário exerceu nos crentes. Agora era preciso dar a volta à questão para que o assunto fosse tomado em consideração pelas entidades competentes, e a melhor forma de o fazer era alertar determinadas organizações para os malefícios ambientais que o traçado do novo percurso iria trazer. Elas encarregar-se-iam de solicitar ao Ministério Público uma providência cautelar que embargasse a obra e a devolvesse ao percurso inicial, acautelando o local do ambicionado nó. Mas aqui punha-se um problema, que fundamento iriam utilizar para convencer os ambientalistas? Não temos pinturas rupestres, ossadas de dinossauro, formigas pirilau, sardaniscas pintalgadas, o estorninho não está em vias de extinção, a carriça também não, raios, que vamos nós preservar? O sapo Cocas?
Foi então que um ilustre lapense, até então silencioso, pediu a palavra:
- Meus amigos a vossa visão é pequenina, andam à procura da parte quando têm o todo à disposição. O que é preciso preservar é aquele lugarejo moribundo, semi-abandonado ao seu triste destino. Sim, o que é preciso salvaguardar é a vila de Canas de Senhorim. Se este projecto se confirmar como está previsto, a já agonizante vila ficará sufocada entre a linha de comboio e a auto-estrada, a ver passar carros de um lado e comboios do outro, um garrote fatal, um enclave em “V” a abrir para Carvalhal Redondo e para Nelas, empurrando os canenses de encontro aos seus eternos detractores. É este o fundamento que vocês procuram, evitar a todo o custo aconchegos indesejados, e terá o apoio de todas as partes, dos envolvidos, que por certo não aspiram à aproximação nem são dados a abraços, e das entidades políticas que não arriscarão nestas circunstâncias colocar à disposição dos habituais insurrectos as duas principais vias de acesso ao interior beirão, a linha da Beira Alta e a auto-estrada A35.
Esta sim foi uma tirada iluminada. Logo ali se prepararam alforges e merendas, sem descurar o milagroso líquido de Canã. A ideia era rumar à pedreira do Vale do Boi, tomar as instalações da empresa e ali entrincheirados resistir ao insidioso projecto.
Anuncia-se assim em primeira mão uma nova intifada na Vila de Canas de Senhorim, a qual, desta vez, a avaliar pela matéria-prima que o local proporciona, promete aguerrida resistência.
11 comentários:
Gostei muito de ler.
Por todos os motivos, santos..., opiniões..., lugares..., principalmente no da santa terrinha.
Só não percebi o porquê da falta dos queijos?
Mas para ajudar a perceber o porquê de tanta guerra porque não uma vista de olhos por aqui para melhor compreensão.
Boa continuação, e bons preparativos para o CARNAVAL. Já só faltam 23 dias!!.
Não se percebeu, no entanto, a razão da alteração do traçado previsto e concluido nos finais da década de 90, com a anuência da câmara, em que o IC 12 passava a nascente de Canas e de nelas, para agora andar do lado oposto. Enfim, coisa que o mundo, ou alguns homens, tecem ...
Muito perspicaz esta versão dos acontecimentos :)
Sempre subversiva Riça... já tinha saudades de um texto teu.
Eu estou com a malta da Lapa, também prefiro o traçado e o nó a nascente de Canas... por motivos óbvios hehehe!!! Já me estou a ver na pedreira do Vale do Boi a "lapidar" os buldozzers. Quem nunca pecou que atire a primeira pedra. Ops, que isto não é para mim. Detesto parábolas.
Uma parabula lindissima...Parabems
Eu quero o nó no meu quintal, façam favor de pedir um estudo ao LNEC...
Riça Maria o que seria este berloque sem ti!!!!! desculpem a minha fraca participação, melhores dias virão
Eu, como um normalíssimo cidadão deste País, quero o nó no quintal do meu vizinho; (por outras palavras, pode ser em qualquer lugar, menos no meu quintal); por isso, aceito a sugestão para que seja no quintal da Cristalinda
Hum... quando a esmola é grande o pobre desconfia.
Einstein, cá para mim vc quer é dar umas voltinhas no quintal da Cristalinda :)
Quanto ao post (seria indelicado não falar do post), sempre brincalhona D. Riça. Cá por mim pode ser em qualquer lado, desde que o façam...
portugasuave, não reparou bem, eu estava a referir-me ao "nó" da estrada. Esse tipo de "nó" a que se refere, e ainda que não seja o caso, nunca por mim serão tratados nem público, nem com terceiros
eu também... o que é que estava a pensar? Não há nó sem voltinhas.
Concordo, realmente nó sem voltinhas tb não conheço. Umas mais curtas, outras mais longas, umas mais, outras menos redondas, umas por cima, outras por baixo, outras ao lado, etc., para os mais diversos tipos de nós
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