Tive um dia dos diabos. Entrei em casa com cara de poucos amigos, pronta a embirrar com tudo, que é uma forma barata de descarregar frustrações e outras nuvens acumuladas. Vinha saturada e completamente indisponível para fazer fosse o que fosse.
O meu Juvenal, que a expensas próprias já ganhou o condão de pressagiar tempestades domésticas, descolou do sofá, respirou fundo e interiorizou resignação, ainda que a impaciência o tenha traído no gesto com que atirou o comando da televisão para cima do sofá.
Lá veio, desajeitado, cuidar de alguma tarefa acessível à sua pouca vontade. E eu, mula, deixei-o cirandar, sem rumo nem objectivo. A hora de jantar deixava escapar apreensão no seu olhar, mas, receoso da minha reacção, moita-carrasco, pois bem sabia que qualquer observação poderia desencadear a ira anunciada.
Não sei se todos os homens têm estratagemas para lidar com estas situações sem recorrerem à argumentação comezinha da velha atribuição de competências. Ao princípio vinha-me com aquela conversa do quintal, que era ele que cortava a relva, que partia a lenha, que regava o jardim, que plantava a horta, ou então a estafada vocação para as ferramentas e para a tecnologia, que era ele que fazia os buracos na parede, que reparava os electrodomésticos, que programava os aparelhos… como se estas tarefas fossem de tão elevada exigência e de tão abnegado esforço que os doze trabalhos do outro, comparados com estes, seriam meros exercícios recreativos e o dispensassem definitivamente de outras funções domésticas, alegadamente menores. Mas isto foi ao princípio, antes de lhe vestir um avental e lhe entregar por uma semana a responsabilidade da lide da casa. Foi remédio santo, nunca mais desconsiderou a trabalheira que dá manter uma casa limpa e os afazeres domésticos cumpridos. Para além disso ganhou uma perspectiva prática e económica na forma e disposição de tudo quanto é móvel ou objecto decorativo: “uma casa sobre rodas” é o grande lema dele. A partir daí, todas as aquisições lá para casa tinham que ter rodas, pois facilitavam a faxina, dizia ele. Mesas, sofás, camas, cadeiras, televisão, computador, tudo sobre rodas. Tive que lhe travar o ímpeto quando me apareceu em casa com uma daquelas plataformas extensíveis com rodas para colocar sob a máquina de lavar roupa. Ó homem então não vez que com a trepidação a máquina vai parar ao fundo da rua. Deu a mão à palmatória, colocou-a na máquina de lavar louça. Satisfeito com o aproveitamento, gracejou bem ao jeito dele, “só pode ter sido um homem a inventar a roda”. Fiquei a moer, mas calei-me, pois o entusiasmo com que se dedicou a simplificar a manutenção da casa era-me favorável. As bugigangas sagradas da mamã foram guardadas no sótão. Molduras, porcelanas e outras inutilidades maternais tiveram por fim o merecido destino. Até os brinquedos dos putos ganharam novos Natais. Isto para não falar da alteração de alguns comportamentos rotineiros, como descalçar os sapatos ao entrar em casa, preservar a roupinha de nódoas, fazer xixi sentado na sanita… aqui ainda reclamou, dizia ele que isso era castrar a virilidade, que os homens quando mijam são como as árvores, mijam de pé. Fiquei em cuidados, será que ele está bom da cabeça? Logo descansei quando lhe entrevi aquele sorriso traquina com que me engatou. Lá cedeu a suposta virilidade à facilidade da limpeza, se bem que agora não me puxa o autoclismo… cabeça de homem é mesmo assim, não vê logo não existe. Levanta-se, puxa as calças para cima e ala, aparece-me na sala muito contente tecendo considerações sobre a economia do novo método: é pá assim não é preciso gastar água a lavar as mãos. Nem a puxar o autoclismo, respondo-lhe eu.
Bem, já me estou a estender nas intimidades. Hoje não me apetece fazer a ponta de um corno e como tal aguardo que o meu Juvenal tome a iniciativa. Já cirandou o que tinha a cirandar e agora instalou-se ao meu lado, no sofá, silencioso. Os putos reclamam com fome. Está muito sério mas não tem coragem de me dizer nada e, provavelmente, a vontade de assumir ele a feitura do jantar é nenhuma. Já me perguntou as horas, insinuando na pergunta o tarde que é. Bem sabe que não há argumentos que lhe valham. Levanta-se comprometido e vai arranjar coragem para a janela. Sim, coragem, porque forreta como ele é, aquilo que tem em mente paralisa-lhe os movimentos. Por fim decide-se:
- Vou ao Escondidinho buscar alguma coisa para comermos.
Calçou os sapatos e galgou as escadas contrariado. Ainda lhe gritei para o animar:
- Vai numa roda e vem noutra.
Boas bicadas
O meu Juvenal, que a expensas próprias já ganhou o condão de pressagiar tempestades domésticas, descolou do sofá, respirou fundo e interiorizou resignação, ainda que a impaciência o tenha traído no gesto com que atirou o comando da televisão para cima do sofá.
Lá veio, desajeitado, cuidar de alguma tarefa acessível à sua pouca vontade. E eu, mula, deixei-o cirandar, sem rumo nem objectivo. A hora de jantar deixava escapar apreensão no seu olhar, mas, receoso da minha reacção, moita-carrasco, pois bem sabia que qualquer observação poderia desencadear a ira anunciada.
Não sei se todos os homens têm estratagemas para lidar com estas situações sem recorrerem à argumentação comezinha da velha atribuição de competências. Ao princípio vinha-me com aquela conversa do quintal, que era ele que cortava a relva, que partia a lenha, que regava o jardim, que plantava a horta, ou então a estafada vocação para as ferramentas e para a tecnologia, que era ele que fazia os buracos na parede, que reparava os electrodomésticos, que programava os aparelhos… como se estas tarefas fossem de tão elevada exigência e de tão abnegado esforço que os doze trabalhos do outro, comparados com estes, seriam meros exercícios recreativos e o dispensassem definitivamente de outras funções domésticas, alegadamente menores. Mas isto foi ao princípio, antes de lhe vestir um avental e lhe entregar por uma semana a responsabilidade da lide da casa. Foi remédio santo, nunca mais desconsiderou a trabalheira que dá manter uma casa limpa e os afazeres domésticos cumpridos. Para além disso ganhou uma perspectiva prática e económica na forma e disposição de tudo quanto é móvel ou objecto decorativo: “uma casa sobre rodas” é o grande lema dele. A partir daí, todas as aquisições lá para casa tinham que ter rodas, pois facilitavam a faxina, dizia ele. Mesas, sofás, camas, cadeiras, televisão, computador, tudo sobre rodas. Tive que lhe travar o ímpeto quando me apareceu em casa com uma daquelas plataformas extensíveis com rodas para colocar sob a máquina de lavar roupa. Ó homem então não vez que com a trepidação a máquina vai parar ao fundo da rua. Deu a mão à palmatória, colocou-a na máquina de lavar louça. Satisfeito com o aproveitamento, gracejou bem ao jeito dele, “só pode ter sido um homem a inventar a roda”. Fiquei a moer, mas calei-me, pois o entusiasmo com que se dedicou a simplificar a manutenção da casa era-me favorável. As bugigangas sagradas da mamã foram guardadas no sótão. Molduras, porcelanas e outras inutilidades maternais tiveram por fim o merecido destino. Até os brinquedos dos putos ganharam novos Natais. Isto para não falar da alteração de alguns comportamentos rotineiros, como descalçar os sapatos ao entrar em casa, preservar a roupinha de nódoas, fazer xixi sentado na sanita… aqui ainda reclamou, dizia ele que isso era castrar a virilidade, que os homens quando mijam são como as árvores, mijam de pé. Fiquei em cuidados, será que ele está bom da cabeça? Logo descansei quando lhe entrevi aquele sorriso traquina com que me engatou. Lá cedeu a suposta virilidade à facilidade da limpeza, se bem que agora não me puxa o autoclismo… cabeça de homem é mesmo assim, não vê logo não existe. Levanta-se, puxa as calças para cima e ala, aparece-me na sala muito contente tecendo considerações sobre a economia do novo método: é pá assim não é preciso gastar água a lavar as mãos. Nem a puxar o autoclismo, respondo-lhe eu.
Bem, já me estou a estender nas intimidades. Hoje não me apetece fazer a ponta de um corno e como tal aguardo que o meu Juvenal tome a iniciativa. Já cirandou o que tinha a cirandar e agora instalou-se ao meu lado, no sofá, silencioso. Os putos reclamam com fome. Está muito sério mas não tem coragem de me dizer nada e, provavelmente, a vontade de assumir ele a feitura do jantar é nenhuma. Já me perguntou as horas, insinuando na pergunta o tarde que é. Bem sabe que não há argumentos que lhe valham. Levanta-se comprometido e vai arranjar coragem para a janela. Sim, coragem, porque forreta como ele é, aquilo que tem em mente paralisa-lhe os movimentos. Por fim decide-se:
- Vou ao Escondidinho buscar alguma coisa para comermos.
Calçou os sapatos e galgou as escadas contrariado. Ainda lhe gritei para o animar:
- Vai numa roda e vem noutra.
Boas bicadas
9 comentários:
Essa de urinar sentado é que não.
Não e não.
Vivre la petite diference.
é porque não tem que limpar os respingos... quando são respingos, porque em certas alturas é um autêntico charco que alguns convidados, a quem não tenho coragem de recomendar que se sentem, me deixam... me deixam não, pois agora quem trata disso é o elemento masculino cá da casa. Agora é ele que reclama com os amigos... bonito de ver. Mas já agora António, recomendo-lhe seriamente que quando urinar em casa de alguém se sente confortavelmente na sanita e que faça dessa pequena diferença um acto de educação e asseio. Os anfitriões agradecem. Em sua casa faça como quiser ou como o deixarem...
Boas bicadas
Achadiça,
Com certeza não gostará que generalizem em si algum problema de falta de educação ou de falta de higiene que porventura algumas mulheres possam ter.
Por enquanto não tenho qualquer desconforto em fazê-lo de pé, mesmo assim, creia que nunca deixei alguma casa de banho pior do que a encontrei, felizmente.
No que diz respeito a urinar na casa de "alguém", fique tranquila que não tenho andando por esses lados, pelo menos ultimamente.
Creia que tem azar com os amigos de que se tem feito rodear.
Lamento pelo menos no que diz respeito à sua casa de banho, do resto só a si lhe diz respeito.
Ai António, António, isto não é nada pessoal, mas sempre lhe asseguro que homens verticalmente assépticos... não há. Talvez se encontrem alguns virtualmente assépticos, mas isso é outra conversa...
Cara Achadiça, para mim, na dialéctica não se pessoaliza argumenta-se a retórica do interlocutor.
Na "discussão", ao contrário de outras coisas, interessa mais o conteúdo em detrimento da forma.
A defesa de uma ideia não é teimosia é quanto muito ideia-fixa.
À parte do asséptico, junte-lhe aí o outro género também.
Eu cá só o deixarei de fazer de pé, quando a idade me impelir a sentar para não deixar o recinto no estado em que o "seu" tem ficado bastantes vezes, infelizmente.
ah...
isto não tem nada a ver com a epígrafe do post!
:)
António, tem que admitir que esta convesra de urinol não é lá muito edificante...
Mas, ainda assim, presto-me a esclarecê-lo do seguinte: uma ideia fixa perde racionalidade se os argumento não convencem. Quanto à argumentação esta carece quase sempre de uma base científica que a sustente. A probabilidade de um jacto de urina inconstante acertar totalmente num alvo fixo a 50 cm, é extremamente reduzida. Mesmo considerando que o alvo tenha cerca de 20 cm de raio, a dispersão produzida pela irregularidade da fonte, produz inevitavelmente um efeito de chuveiro, cujas repercussões são facilmente mensuráveis. Se o ângulo de desvio na fonte, relativamente ao eixo ideal do jacto, for de 22º, então o seu desvio final em relação ao eixo, após percorridos os 50cm, será de aproximadamente 25cm. Ora, onde é que vai cair o pinguinho? No chão, está claro de ver. Simplificando: forre o chão da casa de banho com jornais junto à base da sanita; urine duas ou três vezes e verifique o seu ângulo máximo de dispersão.
Boas Bicadas
PS. Hoje não estou com birra, até estou bastante bem dispota
:(
lol
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