A necessidade de afirmação pode resultar de um sentimento de insegurança, de um complexo de inferioridade ou da falta de auto-estima, mas manifesta-se nas nossas relações pessoais das formas mais caricatas, que podem ir de uma selvática agressividade, como é o caso da violência doméstica, até ao comportamento ridículo do peão na passadeira, que faz que anda mas não anda.
As passadeiras para peões são uns autênticos altares à afirmação pessoal, ali, novos e velhos, eles e elas, impõem-se ao condutor e à máquina, satisfazem as frustrações do quotidiano impondo o seu ritmo, ou a falta dele, e uma razoável centelha de dignidade acende-se lá no íntimo das suas almas. Aqui sou gente, aqui mando eu, ponho e disponho, ao abrigo da lei do tráfego. Não havendo pressa há que aproveitar ao máximo o momento. Então, arrastam-se vagarosamente pela zebra desafiando com o olhar, do alto da momentânea superioridade, o condutor impaciente. Aqueles curtos metros de distância transformam-se num domínio absoluto do tempo e do espaço, numa travessia só equiparada em glória à do Mar Vermelho por Moisés, enfim, um breve momento de elevação existencial. Aqui contam, sentem-se importantes, aqui alguém reage à sua presença, noutro sítio qualquer ninguém é obrigado a cumprimentá-los, ninguém os ouve, ninguém levanta os olhos para ver a cor dos seus, mas aqui, o condutor tem que reduzir, desengatar e engatar a primeira, travar, parar, tudo por sua causa. Aqui são senhores, ou senhoras, aqui sentem-se completos, por isso atrasam infinitamente o passo para saborear a plenitude que o momento proporciona.
Descoberta a eficácia deste tratamento para o ego já não são só as passadeiras o único consultório clínico onde estas práticas são exercidas, já qualquer local serve desde que este também sirva o trânsito, mas aqui tiveram em conta o risco do tratamento personalizado, não fosse algum condutor mais ousado desconsiderar o paciente isolado e acabar-lhe ali com o ego e com o canastro. Assim, estes pacientes da afirmação, agrupam-se aos magotes no meio da estrada, pode ser à saída de um casamento, de uma discoteca, à entrada para o futebol ou em qualquer ponto, tem é que ser numa via de trânsito, e ali petrificam, convictos no êxito desta nova forma de terapia psiquiátrica.
E que ninguém interrompa a horda destes tiranos da afirmação, ninguém se atreva a buzinar, a acelerar o motor ou a criticar o vagar ou a inacção dos transeuntes, estamos perante um direito aparentemente adquirido e as retaliações podem ser-nos imediatamente aplicadas no local, sem apelo mas com agravo, pelo que o melhor é sintonizar o rádio na Antena 2 e rezar para que esteja a passar uma daquelas obras clássicas relaxantes.
3 comentários:
um dizia que sim!
- tens razão. Disse-lhe o sábio.
o outro dizia que não!
- tens razão. Disse-lhe o sábio.
- alto aí, não podem ter os dois razão.
disse um terceiro.
- tu também tens razão. disse-lhe o sábio.
Gostei e concordo, mas isto so não acontece quanto atravessa uma daquelas "bombas", ainda de mini-saia pavoneando-se e gesticulando com o télélé na orelha.
O condutor, gostando do quadro, apita a provocar.
Ela, em todo o seu pedestal, (leva sapatos de salto fino e alto), tira o dito da orelha e diz: - espere, fachavor.
Ele, já a ficar impaciente: - por si esperava a vida inteira, sem favor ...
Einstein, essa é uma versão masculina, e ainda assim exige que a "peona" seja apreciável, já quanto à molhada não me parece sustentável.
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