So if you're down on your luck
I know you all sympathize
Find a girl with far away eyes
And if you're downright disgusted
And life ain't worth a dime
Get a girl with far away eyes
Rolling Stones
Apoderou-se da rapariga uma melancolia profunda. Não raras vezes foram dar com ela no telhado, inexpressiva, a olhar além do Caramulo. Os pais, atentos, tentavam compreender e encontrar soluções, não fosse a filha descambar, logo agora, no final da adolescência.
Quem diria, uma rapariga tão alegre, entusiasta, apagou-se de rosto, fechou as comportas e secou por fora, comentava preocupada a tia Alzira, madrinha da moça.
A avó Alice lançava um olhar de censura aos pais e, na sua análise de mulher sabida, arremetia pela centésima vez:
- Não medrou bem, essa é que é essa, eu bem dizia que aquela rapariga andava com a solitária, eu bem avisei, magricela, sem apetite, não comia nada, e o pouco que comia embuchava-a…
- Ó mãe – impacientava-se a filha – já ninguém tem bichas solitárias hoje em dia. A Lisinha está a atravessar uma fase menos boa, talvez uma paixão, talvez uma inadaptação qualquer, reflexo da mudança de idade.
- Ou algum mau olhado, ou o bucho virado… - insistia a avó.
O pai mantinha-se em silêncio, fixado no relatório da directora de turma, também ela perplexa com a atitude da Lisinha. A docente tentava apurar motivos, algo se tinha passado, afirmava no documento, pois uma aluna tão participativa como ela era, não adopta esta atitude sem uma razão. Descobrir a causa é meia solução, adiantava peremptória a professora.
A reunião familiar não trazia qualquer esclarecimento às circunstâncias da Lisinha, mas surtia um efeito eficaz no espírito da família, todos uniam esforços para inverter aquele alheamento tão inusitado da rapariga.
- Do mal o menos – concluiu o pai – as notas continuam boas! Não fosse o ar distante e aquele silêncio incompreensível e até diria que estava tudo bem.
Elisa palito, cara de pito
Elisa magricela, cu de gazela
Elisa palito, cara de pito
Elisa magricela, cu de gazela
A cantilena enterrada há muito no seu subconsciente, retornou implacável. Afinal, mesmo depois de o seu corpo ter ganho formas apetecíveis, digo mesmo, perfeitamente delineadas, nunca conseguiu libertar-se do vexame que lhe tinha sido infligido em pequena. Era tão magra (a avó lá tinha as razões dela) que os colegas faziam chacota em coro:
Elisa palito, cara de pito
Elisa magricela, cu de gazela
Elisa palito, cara de pito
Elisa magricela, cu de gazela
Quando ganhou consciência da sua sexualidade e das mãos dos rapazes no seu rabo lá vinham os dichotes martelar-lhe a cabeça. Repelia imediatamente os rapazes, tudo aquilo lhe causava profundo incómodo, por um lado o desejo despontado, por outro o tormento das vozes infantis gritando-lhe ao ouvido “Elisa tripeira vira p’ra cá a peneira, Elisa tripeira vira p’ra cá a peneira “. Tudo se tornava repugnante, os beijos, o amor, a paixão, a vontade e a ideia de sexo e a negação de ambos.
Preferia estar sozinha, não conseguia ouvir as suas amigas trocarem experiências e impressões, não suportava os rapazes à volta dela e muito menos os adultos a questionarem respostas impossíveis. Distanciava-se cada vez mais, desligava-se do mundo, das pessoas e lançava o pensamento para longe. Viajava a sua sexualidade em classe conforto, desenhando corações à prova de seta em areais distantes.
Ultimamente subia ao telhado lá de casa. Quem a visse de perto, poderia entrever-lhe um breve estremecimento no olhar distante. Elisa encontrara a sua forma de amar, um amor vítreo, muito para além do Caramulo...