terça-feira, setembro 23, 2008

Far away eyes


So if you're down on your luck
I know you all sympathize
Find a girl with far away eyes
And if you're downright disgusted
And life ain't worth a dime
Get a girl with far away eyes

Rolling Stones


Apoderou-se da rapariga uma melancolia profunda. Não raras vezes foram dar com ela no telhado, inexpressiva, a olhar além do Caramulo. Os pais, atentos, tentavam compreender e encontrar soluções, não fosse a filha descambar, logo agora, no final da adolescência.
Quem diria, uma rapariga tão alegre, entusiasta, apagou-se de rosto, fechou as comportas e secou por fora, comentava preocupada a tia Alzira, madrinha da moça.
A avó Alice lançava um olhar de censura aos pais e, na sua análise de mulher sabida, arremetia pela centésima vez:
- Não medrou bem, essa é que é essa, eu bem dizia que aquela rapariga andava com a solitária, eu bem avisei, magricela, sem apetite, não comia nada, e o pouco que comia embuchava-a…
- Ó mãe – impacientava-se a filha – já ninguém tem bichas solitárias hoje em dia. A Lisinha está a atravessar uma fase menos boa, talvez uma paixão, talvez uma inadaptação qualquer, reflexo da mudança de idade.
- Ou algum mau olhado, ou o bucho virado… - insistia a avó.
O pai mantinha-se em silêncio, fixado no relatório da directora de turma, também ela perplexa com a atitude da Lisinha. A docente tentava apurar motivos, algo se tinha passado, afirmava no documento, pois uma aluna tão participativa como ela era, não adopta esta atitude sem uma razão. Descobrir a causa é meia solução, adiantava peremptória a professora.
A reunião familiar não trazia qualquer esclarecimento às circunstâncias da Lisinha, mas surtia um efeito eficaz no espírito da família, todos uniam esforços para inverter aquele alheamento tão inusitado da rapariga.
- Do mal o menos – concluiu o pai – as notas continuam boas! Não fosse o ar distante e aquele silêncio incompreensível e até diria que estava tudo bem.

Elisa palito, cara de pito
Elisa magricela, cu de gazela
Elisa palito, cara de pito
Elisa magricela, cu de gazela


A cantilena enterrada há muito no seu subconsciente, retornou implacável. Afinal, mesmo depois de o seu corpo ter ganho formas apetecíveis, digo mesmo, perfeitamente delineadas, nunca conseguiu libertar-se do vexame que lhe tinha sido infligido em pequena. Era tão magra (a avó lá tinha as razões dela) que os colegas faziam chacota em coro:

Elisa palito, cara de pito
Elisa magricela, cu de gazela
Elisa palito, cara de pito
Elisa magricela, cu de gazela

Quando ganhou consciência da sua sexualidade e das mãos dos rapazes no seu rabo lá vinham os dichotes martelar-lhe a cabeça. Repelia imediatamente os rapazes, tudo aquilo lhe causava profundo incómodo, por um lado o desejo despontado, por outro o tormento das vozes infantis gritando-lhe ao ouvido “Elisa tripeira vira p’ra cá a peneira, Elisa tripeira vira p’ra cá a peneira “. Tudo se tornava repugnante, os beijos, o amor, a paixão, a vontade e a ideia de sexo e a negação de ambos.
Preferia estar sozinha, não conseguia ouvir as suas amigas trocarem experiências e impressões, não suportava os rapazes à volta dela e muito menos os adultos a questionarem respostas impossíveis. Distanciava-se cada vez mais, desligava-se do mundo, das pessoas e lançava o pensamento para longe. Viajava a sua sexualidade em classe conforto, desenhando corações à prova de seta em areais distantes.
Ultimamente subia ao telhado lá de casa. Quem a visse de perto, poderia entrever-lhe um breve estremecimento no olhar distante. Elisa encontrara a sua forma de amar, um amor vítreo, muito para além do Caramulo...

quarta-feira, setembro 03, 2008

De volta

Bem, é verdade, o berloque partiu para parte incerta, indomável. Quer dizer, não foi o berloque, mas sim as colaboradoras que, perante a tentação do Verão, abandonaram computadores, secretária, Internet, o gato, os cães, amantes imaginários e outros, e puseram-se em fuga. Ah pernas para que vos quero.
Eu já cheguei. Inconformado anda o meu Juvenal que, à boa maneira dos portugueses, depois da folia marítima entrou em depressão, deitando conta aos estragos e calculando os meses de contenção financeira a que nos teremos de sujeitar para recuperar dos pecadilhos das vacances. Que se lixe homem, vão-se os anéis ficam os dedos, digo-lhe eu para o animar, enquanto escondo a minha literatura de férias, não vá ele perceber a pequena fortuna que gastei na aquisição.
Aproveito para destacar, tipo professor Martelo, dois livros que me deliciaram nestas férias: a reedição do “Coca Cola Killer”, de António Victorino de Almeida, obra hilariante, ideal para indispostos - comprei-o a pensar no Juvenal uma vez que nos idos anos 80 eu já o tinha lido, sabendo de antemão que cada parágrafo da saga suscita uma gargalhada - mas não é que o raio do meu homem descobriu este ano a caça submarina e não me saiu do mar, feito um anormal, andar de pata-choca, de tubo, arma, arpão, óculos e barbatanas, a cronometrar apneias e a identificar a fauna marítima da costa. Qual livro qual quê, acabei por ser eu a relê-lo, com a mesma satisfação que o fiz da primeira vez. Se ainda não leram, aconselho vivamente a conhecerem o desconcertante Marcelino, vulgo coca-cola killer, e as pitorescas persongens que sairam da imaginação do maestro Vitorino de Almeida. O segundo livro, “Brando Mas Pouco”, é uma biografia sexual de Marlon Brando, da autoria de Darwin Porter, um conceituado cronista de Hollyood. Para os amantes das celebridades do cinema e da promiscuidade hollyhoodesca será, porventura, um livro de culto, nele desfilam os amantes a as amantes de Brando ao ritmo de dois e três por página. Uma vez que o livro tem cerca de 700 páginas façam as contas. A acreditar em Porter, Marlon Brando revela-se um autêntico predador bissexual, comeu tudo o que mexia e se mais houvera mais lá chegara. Deixo os pormenores para quem quiser ler o livro, mas não resisto à lista de alguns/algumas contemplados/as: Burt Lancaster, Laurence Olivier, John Gielgud, Marilyn Monroe, Marlene Dietrich, Rock Hudson, Grace Kelly, Rita Hayworth, Leonard Bernstein, Noël Coward, Shelley Winters, Ava Gardner, Hedy Lamarr, Anna Magnani, Montgomery Clift, James Dean, Tallulah Bankhead, Ingrid Bergman, Edith Piaf (e muitos mais). Enfim, este não o mostrei ao meu Juvenal, não fosse ele ficar com ideias esquisitas.
Obrigatório, obrigatório, mas mesmo obrigatório é o recente filme de Miguel Gomes “Aquele Querido Mês de Agosto”. E deste nada adianto, vão vê-lo e terão uma agradável surpresa, uma boa maneira de acabar o Verão e as férias.
Até breve. A saga continua.