quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Provocação 12

Ele: Viva, não nos encontrámos já uma ou duas vezes?
Ela: Só pode ter sido uma. Nunca cometo o mesmo erro duas vezes.

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Caranguejola

Sinto-me seca por dentro… e amedrontada, mas não me dói nada, estou completamente encortiçada.
Sempre achei fascinante a expressão “sensação de cortiça”, aplicada ao efeito da anestesia que o dentista nos aplica. O facto é que é bem conseguida, certamente pelo aspecto leve e rijo da cortiça. É a sensação de leveza e rigidez que a anestesia provoca que induz a comparação.
Pois é, e eu hoje sinto-me encortiçada. A rigidez ainda a compreendo, agora a leveza é-me completamente estranha. Creio que é uma leveza enganadora, o peso ludibriado pelo alheamento dos sentidos, uma forma inconsciente de suportar a angústia.
Por quanto tempo durará? E qual o poder desta estranha anestesia, que tende a libertar a dor oculta e a iludir a mágoa instalada? Tenho medo que o caldo se entorne, que a rede se rompa e que de repente todo o meu corpo ceda à tentação do abismo. Ir por aí a baixo e deprimir nas entranhas do sofá, ser eu própria o sofá.

Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada!...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!

MSC

sábado, fevereiro 16, 2008

Cenas


Cena 1
Vi-te entrar sorridente. Engoli em seco. Atrás de ti a sombra inseparável da tua namorada, zelosa e submissa. É bonita a tua namorada.
Viste-me. O teu sorriso abriu-se um pouco mais. Abraçaste-me e beijaste-me efusivo. Correspondi. Cumprimentei a tua namorada e notei nela um certo mau estar. Estava bem de ver, contaste-lhe! Essa cabecinha de vento nunca soube avaliar inconveniências.

Cena 2
Não foi preciso muito para que à tua volta se juntasse um grupo de convivas. Tens esse encanto, atrais as pessoas, há algo irresistível no teu olhar, uma irreverência sedutora no teu discurso, um humor refinado e oportuno.
Fiquei por ali, nem tão perto que demonstrasse um interesse especial, nem tão distante que me privasse de te ver e ouvir. Falavas arrebatadamente sobre o desnorte deste governo e no ping-pong do futuro aeroporto de Lisboa.
Sentia o incómodo da tua namorada, que de tempos a tempos não resistia em olhar-me. Media-me, provavelmente comparava bustos e outras redondezas. O pouco que encontrava ainda a deixava mais desconcertada. Pior que ser encornada é ser encornada por uma mulher feia, devem pensar as belas.

Cena 3
Envio-te uma mensagem, não te envio uma mensagem? Interrogava-me, receosa que, despassarado como és, desses nas vistas quando a recebesses. Quero lá saber, hoje apetece-me ser putinha.
Click, mensagens, criar mensagem, apeteces-me vou para casa tens duas horas para aparecer, enviar mensagem, mensagem enviada com sucesso.
Aguardo. Desloquei-me de forma a poder ver-te. Levas a mão ao bolso e ainda antes de leres a mensagem apercebes-te que é minha. Procuras-me pela sala. Vês-me e sorris descaradamente. És mesmo bronco.
Visto o casaco, despeço-me e saio.

Cena 4
Ateio a lareira. Não respondeste à mensagem, mas isso não quer dizer nada, és deliciosamente imprevisível. Coloco uma garrafa junto ao lume para o vinho ficar mais espirituoso. Ligo a net, dou uma vista de olhos pelo “Mulherio”, nada de novo. Às vezes apetece-me dizer-te que sou a Cristalinda. Abro o Word e começo a escrever este texto. Não sei como acaba, mas pelo sim pelo não, fechei o cão na arrecadação.

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

Diálogos crispados, no bar


- Fui corrido.
- Assim, sem mais nem menos!
- Sim, fria e decididamente.
- Então e porquê, alguma razão em especial?
- Acho que vocês quando nos põem a andar têm sempre razão, mas o importante no meu caso não é tanto a razão, é a atitude.
- Pois, ninguém gosta de ser corrido sejam quais forem as razões, mas olha que entre uns cornos e uns patins, sempre são preferíveis uns patins, com alguma destreza podes descrever uma curva larga e voltar ao ponto de partida…
- Sim, mas isso é quando somos namorados, aí a sensação de ruptura é mais atenuada, cada um para seu lado e até ver… agora quando o dia a dia é partilhado, cama, hábitos, projectos, o amor tranquilamente instalado… aí o mundo fica do avesso.
- Tem calma, nestas coisas do amor nada é definitivo.
- Mas eu detesto abanões, a relação nunca mais é a mesma, é como as paredes quando abrem fissuras, podem tapar-se mas a estrutura fica irremediavelmente afectada.
- Olha que há muitas relações que envelhecem com desmoronamentos e reconstruções… deita mas é mãos à obra antes que apareça algum construtor a querer escorar a parede…
- Essa é boa. Ela destrói e eu é que tenho que reconstruir! Bem, não é que eu não queira, o orgulho é que não me deixa.
- Mas vais ter que fazer alguma coisa.
- Pois.
(pausa)
- Então e de resto, como tens andado?
- A sopa, broa e azeitonas.

terça-feira, fevereiro 12, 2008

São Valentim

Quaresma. Acabou a folgaria, o Carnaval e a carne a rodos.
Bem sei que já ninguém leva isto a sério, os mecanismos económicos não se compadecem com tradições que apelem à contenção. Pelo contrário, criam artifícios a coberto de pseudo-boas-intenções para vender mais e mais. O dia dos namorados é um exemplo desse mecanismo. E então é ver os pombinhos a rematar o amor jurado com bagatelas e inutilidades. Azar do desgraçado ou da desgraçada que não afina pela moda, não honrará a jura, que isto de palavras leva-os o vento, e ao presentinho há-de arranjar-se arrumação.
Sempre achei estas trocas-baldrocas uma valente hipocrisia, de quem as fomenta e de quem nelas alinha. E os pombinhos deviam questionar quanta hipocrisia partilham ao abrigo do infortúnio de São Valentim.
Por isso meu querido, não me venhas com bilhetinhos. Esta Asterius quer-te sensato.


sábado, fevereiro 09, 2008

Está tudo bebedo ou quê!?

Sinceramente não percebo, então agora sair para a rua em dia de carnaval tem que ser objecto de concordatas! Queriam que saíssemos na sexta, na quinta? Se calhar queriam que não houvesse carnaval, sempre se poupavam à humilhação.
O Rossio é maior e vacinado e não precisa de autorização para sair, sai quando quer, com quem quer e, se não fosse cá por coisas até vos diria que para sair tão mal acompanhado mais valia ficar por casa, que lá no fundo foi o que fizemos no Domingo. Mas mesmo assim fomos invejados e criticados, parecem aquelas mulheres solteironas e invejosas da beleza alheia. Frustradas pelo desprimor que lhes calhou em sorte, passam a vida a falar mal de quem se diverte e negam o direito aos outros de o fazerem. Só há uma palavra para descrever o vosso estado de espírito – despeito.
E o despeito é tanto maior quanto a vossa arrogância. Já ouvi falar de bailes de carnaval cheios, carros alegóricos fantásticos, grupos originais, trajes fantasiosos, rebéubéu, rebéubéu… e repetem a mentira até à exaustão para ver se pega como verdade. Taditos, ainda estão naquela fase ingénua do boato, agarrados àquela máxima de que uma mentira dita muitas vezes passa a ser uma verdade.
Desta vez tiveram azar, nem bailes, nem marcha, nem carros correspondem aos testemunhos isentos que tive oportunidade de ouvir. Quanto aos bailes era preciso binóculos para encontrar par; a marcha, o costume, um grupo de feios e feias sem graça nem talento, a arrastar uns fatos de triste figura, pese embora a audácia da encomenda; os carros, o jardim zoológico do costume, borboletas, perus, dinossauros, num desacerto de cores e de formas contra-natura, e lá mais para trás, a encerrar o desfile, finalmente um carro apropriado, uma jaula encarcerava adequadamente a restante bicharada.
Esta é que é a verdade, doa a quem doer, custe o que custar. Portanto, façam-me um favor, escrevam sobre o carnaval quando vos passar a bebedeira. Ouviste Achadiça!?

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Cingab vs Achadiça

Cris (deu o mote)
Mal se fala em chouriça
O Cingab do meu Rossio
Com saudades da Achadiça
Faz-se logo ao desafio

Achadiça
Para deixares tal recado
mais valia calares o pio
O Cingab está arrumado
desde o último desafio

Cingab
Cristalinda e Achadiça
Deixem-se lá dessas histórias
Na nossa passada liça
Eu só somei é vitórias

Achadiça
Ó Cingab, ó vã glória
Isso faz parte do passado
Se da derrota fez vitória
é porque ficou baralhado

Cingab
Não diga isso, ó menina,
Olhe que vais ser uma maçada
porque você ainda quina
nesta nossa nova “entifada”

Vá antes à foz do Mondego
Com carteira, alugar fatiota
Podem ser belas, não nego
Mas são um bocado batota

Também se quer que lhe diga
Mas, não me leve a mal
Vai levar uma corrida
Nem lhe valerá o Juvenal

Isso se tiver a coragem
De reconhecer o melhor
Lhe deixarei a mensagem
E lhe darei algum valor

Achadiça
Nesta nova “intifada”
P’ra cumprir a tradição
Vai levar uma panelada
Vou-lhe pôr um pisão

Pum pum pum no seu portão
Zás trás pás na sua escada
Venha o queijo e o salpicão
E a chouriça bem assada

Mas nem um naco de pão
Para afugentar este frio
É o que dá pôr um pisão
A um gajo do Rossio

Isto é tempo perdido
O rapaz tem mau feitio
Triste sina ter nascido
Lá no bairro do Rossio

Cingab
Mas por agora acabou
Espero não ter levado a mal
Não sei se você gostou
Deste nosso Carnaval

Claro que ganhou o meu Rossio
Mas o Paço não esteve nada mal
Foi é pena perderem o pio
No nosso despique final

Mas o entrudo está queimado
O bacalhau já foi cozinhado
Dou-lhe agora a minha mão

Para o meu bairro vencer
O seu tem de perder
Assim manda a tradição

Achadiça
Acabou, está acabado
Mas tem que admitir
O Rossio foi derrotado
Não val’a pena insistir

O Paço foi o mais brilhante
Queimou-vos com o dragão
E também foi exuberante
Com o seu garrido pavão

Mas nesta fase final
O melhor para mim
É enaltecer o carnaval
De Canas de Senhorim

Para todos os canenses
Em particular os do Rossio
Um abraço dos pacenses
E um beijo do Mulherio

Vexame

Com e sem chuva o carnaval lá se cumpriu. Fiquei expectante no Domingo, o meu Paço não se mostrou, o que rompia um pouco com a tradição, e o Rossio, ainda que envergonhado e tolhido de movimentos, veio dar um ar da sua pouca graça às Quatro Esquinas. Apuradas as razões de o Paço não ter saído, mais uma vez nos deparámos com o incumprimento das promessas do Rossio. Foi acordado entre as duas direcções que dadas as condições climatéricas o melhor era não saírem, eis que o Rossio, fiel ao habitual desrespeito pelos compromissos assumidos, fez ouvidos de mercador à palavra dada e baralhou os poucos populares que por ali se encontravam. Então o carnaval de Canas é isto, uma carripana a debitar música de cassete-pirata e uns quantos sacos pingões a badanar adereços de mau gosto? Ainda me ri com o comentário… mas verdade verdadinha é que para espectáculos daqueles mais valia ficarem debaixo do aconchego do barracão onde fabricam aquelas caranguejolas vergonhosas que trouxeram à rua na terça-feira e num último esforço dar-lhes alguma dignidade.
De resto, nada de novo há para comentar, o Paço continuou exuberante a todos os níveis. Excelente nos carros alegóricos, criativo nas performances dos diversos grupos que integravam o corso, brilhante na diversidade de cores, na escolha dos trajes e imbatível no despique. Gostei particularmente das acções de rua da ASAE e da ciganagem, do trabalhoso dragão e do fantástico pavão. Estes sim, dignos do carnaval de Canas.
O Rossio sofreu uma derrota humilhante, a todos os níveis, mas o que me deu mais gozo foi a inversão de papéis verificada nos bailes. Parece que o Rossio não tinha lá vivalma e os do Paço abarrotavam. A continuar assim o melhor é alugarem o Kebra por três dias, quebranto por quebranto ao menos que vos dê algum rendimento. Até para o ano, se entretanto ultrapassarem o vexame.