quarta-feira, outubro 31, 2007

A menina que amava escrever

Todos nós, uma vez ou outra
Amamos desmedidamente sob lençóis ásperos


Teresinha cresceu sozinha no pátio, entre os líquenes da fossa comum, brincando com as gordas minhocas que o montículo de estrume fornecia. Sem bonecas nem livrinhos aos quadradinhos o seu universo infantil resumia-se a olhar e escutar o mundo lá fora, para lá das grades do portão.
Tinha uns olhos grandes de ver e uma expressão permanentemente matutina, como se tivesse acabado de nascer adulta e estremunhada. Pouco falava, os olhos serviam-lhe de linguagem.
Passou o tempo e o portão do pátio abriu-se para ir à escola. Descobriu que para aprender a ler tinha que falar, um esforço sobrenatural que superou quando se apercebeu que aprendendo a ler também aprendia a escrever. Foi a grande viragem. A partir daí esparramava no papel frases atrás de frases, um rosário interior de pensamentos que nunca tinha ousado dizer.
Escreveu histórias sobre as pessoas que habitavam do lado de lá do portão, historias imaginadas para lá das grades, alheando-se assim da miséria onde fora concebida. Inventou romances e alimentou-os entre linhas e linhas de amor, forjando cenários atrevidos, quiçá inspirada na degradação que reinava lá por casa.
A mãe mete-se nos copos, uma desavergonhada e os outros irmãos estão lá para Coimbra, numa casa de reinserção social, do pai não se sabe, temos que fazer alguma coisa, ouviu Teresinha dizer ao professor de Português, enquanto esperava cá fora, no corredor. O director queria falar com ela por causa de uma composição que tinha feito. Estava assustada, o que é que teria escrito de mal?

"Só quero amar. E tenho tudo para o fazer, tenho uma caneta, um papel e muita vontade. A mãe diz que o amor não traz dinheiro, só desgosto. Eu não concordo, está bem que o dinheiro é preciso, mas amar deve ser a melhor riqueza que podemos alcançar e não entendo como escrever pode trazer desgosto. O meu maior desgosto seria não ter uma caneta e um papel e esta grande vontade de escrever.[...]"

O director tirou os óculos, olhou a miúda enternecido. Escreves muito bem, disse-lhe, mas olha que há outras formas de amar para além de escrever. Ela, moita-carrasco, mas arregalou os olhos grandes de ver, agora, talvez, enormes de amar, como que indagando que outros métodos eram esses.
Um dia bateu com o portão definitivamente, virou as costas ao pátio, sem saudade. Os livros que o director lhe emprestara ao longo dos últimos 4 anos tinham-lhe ensinado muita coisa. Julgou-se preparada para amar. E, quem sabe, ser amada.


terça-feira, outubro 30, 2007

Provocação 8

Marido é como a menstruação, quando chega incomoda, quando se atrasa preocupa.

segunda-feira, outubro 29, 2007

Hips!

Hoje deu-me para andar por aí a navegar a ver os vídeos que a malta coloca nos blogs...
Desesperei! Então não é que ouço e vejo tudo aos soluços. Em verdade isto não é novo, mas como não era uma área que eu explorasse muito não me preocupava, porém agora começa a fazer-me fornicoques esta gaguez. O contrato é de 512 kbps, banda larga, fui verificar a velocidade real a qual ronda uma velocidade de download de 390 kbps, e de upload, 70 kbps.
Isto para mim é chinês. Será que estes valores estão aquém do ideal para ver aqueles vídeos que a malta habitualmente põe nos blogs? Haverá outra razão qualquer, além da velocidade de tráfego, que possa afectar a visualização dos vídeos e dos clips de música? Haverá algumas solução para optimizar este aspecto? Amigos engenheiros digam qualquer coisa sff, hips!

sexta-feira, outubro 26, 2007

Génio Benigno


Já há algum tempo percebemos que não estávamos sozinhas, agora é altura de admitir como estamos bem acompanhadas.
Pode passar despercebido, dada a natureza pessoal do blog e o carácter reservado da sua autora, Citizen Erazed, no entanto tornou-se visita obrigatória para quem acompanha a berlocosfera canense. Estou a falar do Génio Maligno.
Citizen Erazed vai-nos dando conta dos seus gostos musicais, entrecortando a apresentação por pequenos comentários, ora íntimos, ora coloquiais. Um formato muito próximo de um possível programa de rádio.
Atenta ao que se passa no circuito musical do rock alternativo, tendenciosamente britânico, apresenta-nos algumas novidades, quase sempre desalinhadas do mainstreem habitual. Não é por acaso que escolheu um tema dos “Muse” para se identificar…
A sua sensibilidade e um notório conhecimento das obras sugeridas suscitam-lhe uma opinião objectiva, à qual o leitor mais atento não fica indiferente. A escrita é directa, sem redondinhos, eficiente na comunicação, a fazer lembrar uma bem apreendida técnica jornalística.
As suas “curtas” são incisivas, por vezes visam um interlocutor, talvez aquela alma gémea a quem expomos as nossas intimidades; outras, são estados de espírito da própria, sublinhados aqui e ali por passagens literárias ou frases adequadas.
É fresco, atraente e mordaz, revela inteligência e sobriedade. O nome “Génio Maligno” faz justiça à genialidade da sua criadora. Pelo menos a parte do “Génio”. Parabéns, continue a dar-nos música.

Milho, muito milho!


Foto Município Canas de Senhorim

Andamos aqui numa excitação digna de adolescentes em dia de romance. Então não é que depois de muito barafustar, de muito pregar, de muito reclamar, somos presenteadas, para não dizer surpreendidas, com esta excelente produção de milho.
Já tínhamos indicações que este Verão tinha sido propício à produção do referido cereal, mas a contagem levada a efeito no local pelo nosso delegado excedeu as melhores expectativas.
Sim, enviámos um delegado isento, um homem, conforme podem verificar nesta prova documental, isto para evitar apropriações indevidas, pois bem sabemos a fome de milho que infelizmente ainda graça por aí. E se ele está hesitante na contagem não é porque o cálculo se lhe apresente complexo, é tão só porque o amarelo dourado do cereal lhe cega a vista e lhe enriquece a imaginação.
Agora há que saber administrá-lo convenientemente. Em doses equitativas e a intervalos satisfatórios. Nada de desperdícios meninas, amealhem no Verão para que não nos falte no Inverno.

quinta-feira, outubro 25, 2007

Crónicas da Galinha Riça - O Mártir


Após o coffee-break retomaram-se os trabalhos pelas 11H30. S. Exa. a presidente solicitou que lhe fosse transmitido o ponto de situação do "Projecto Colapso". Tomou a palavra o Eng. Encarregado:
- O projecto progride de acordo com as directivas de V. Exa. Estabelecemos contactos informais com especialistas da Al-Quaeda que fizeram deslocar ao local dois conceituados operacionais, os quais nos asseguraram o êxito do empreendimento. Questionados sobre a diferença de procedimentos, uma vez que o cenário da acção era rural e, como sabemos, estes técnicos estão mais vocacionados para operações urbanas, logo nos surpreenderam com a diversidade de recursos e alternativas. Constitui-se um Gabinete de Estudo e após algumas incursões ao terreno os referidos peritos apresentaram-nos um plano viável e tecnicamente infalível. Uma vez que o terreno já está minado por baixo, a norte, em resultado da exploração do minério, e minado por dentro por força da eficácia política de V. Exa., o plano consiste em minar por cima, a sul, criando assim um abraço fracturante que destabilizará o equilíbrio do território e levará toda a zona envolvente ao derradeiro colapso.
Os presentes aprovaram a ideia acenando afirmativamente. O Eng. Encarregado continuou:
- Devo esclarecer V. Exas. que estes contactos e respectivas despesas foram suportados pela própria organização terrorista através de um estratagema digno da sua reputação. É que eles eram parte interessada. Lembram-se daqueles camiões de urânio que saíram da Urgeiriça com destino à Alemanha? Foi no Gabinete de Estudo para o "Projecto Colapso" que toda a operação foi montada. Através de mecanismos alfandegários que ultrapassam a minha compreensão a rede da Al-Quaeda conseguiu desviá-los do destino inicial para o Afeganistão. Sabe-se lá para quê!
-Está bem – impacientou-se a presidente - poupe-nos a pormenores e diga-nos concretamente o que foi feito para pôr em prática o Projecto Colapso.
O Eng. Encarregado pediu licença para ligar o seu portátil ao projector. São passados vários fotogramas da Avenida da Igreja, em Canas de Senhorim, cujos planos incidem exclusivamente no remeximento do terreno em toda a extensão da artéria.
- Como podem constatar neste slide-show, a cintura sul da vila, definida aqui pela Avenida da Igreja, já foi completamente armadilhada. As cargas de TNT foram dispostas ao longo do percurso a intervalos de 10 metros e ligadas a um sistema de controlo remoto que é accionado pelo timbre da voz de V. Exa a cantar aquela música tradicional do “Ponha aqui o seu pezinho devagar devagarinho…”. Agora é só aguardar pelo Inverno para que o terreno esteja mais permissivo ao efeito de aluvião e a explosão faça implodir o lugarejo...
A presidente interrompe bruscamente o Eng. Encarregado.
- Ponha aqui o seu pezinho devagar devagarinho?! Ó Eng. você está bom da cabeça? Ponho lá o pezinho e vou parar à Ribeira Grande, que é o mesmo que dizer vou desta para pior…
- Queira desculpar, mas permita-se corrigi-la, os nossos conselheiros da Al-Quaeda asseguram que vai desta para melhor, que a esperam 100 virgens para a servir e aquela lenga-lenga do costume. Para além disso não abdicaram deste procedimento. Os seus métodos exigem um mártir, e não nos ocorreu pessoa tão qualificada para o efeito como V. Exa, tanto pela experiência em pôr o pezinho no tal lugarejo como na notoriedade que por lá lhe é reconhecida.
A Presidente recostou-se no cadeirão pensativa - ai vocês querem um mártir, pessoa notável e de pé fincado no lugarejo - pegou no telefone e marcou um número interno:
- Ó arquitecto cante-me aí o Pezinho da Vila.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Baixa produtividade da blogosfera canense






    De acordo com o publicado no blog Município de Canas de Senhorym a blogosfera canense obteve no terceiro trimestre de 2007 resultados pouco satisfatórios. As causas apontam, segundo aquele blog, para a desistência de muitos dos participantes e da perda de entusiasmo dos habituais comentadores.
    O Mulherio está em condições de afirmar que a quebra de produtividade se prende mais com a época estival que atravessámos do que propriamente com a motivação ou desmotivação dos participantes. Esta terra é quente e todos sabemos que quando o calor aperta o botão desaperta. Os corpos dilatam e homens e mulheres não são de ferro, se bem que, ainda que o fossem, não estariam a salvo dos alongamentos a que o referido metal está sujeito pela acção da canícula.
    Ao fenómeno já deram atenção engenheiros e arquitectos, designadamente na construção civil, cujos materiais sofrem distensões significativas, na casa dos centímetros. Ora, se a estes materiais acontece isto não menos acontecerá ao corpinho da malta, que vê assim por força do fenómeno as medidas acrescentadas. Ora vejamos, se a um carril de 20 metros o sol acrescenta um centímetro, à carninha, cuja densidade molecular é bem menor, acrescentará… bem é fazer as contas. De qualquer maneira não é o cálculo seguro, que isto de estímulos e medidas cada um é como cada qual e nesta matéria não há ninguém igual.
    Se a isto somarmos o efeito de estufa, o torpor próprio da época e a aberração legislativa do governo de Sócrates, só nos resta mesmo aproveitar a disposição física que o fenómeno induz e mergulharmos reconhecidamente no suor morno do parceiro ou da parceira, preferivelmente à tardinha, para que o efeito da insolação não definhe. Que se lixem os blogs.
    Em jeito de conclusão, pode dizer-se que a produção bloguista é inversamente proporcional à prática sexual. Mas isto já eu venho defendendo há muito tempo, portanto nada de lamentações, pois o baixo índice de produtividade da blogosfera canense é o consolo de muita gente.

    sexta-feira, outubro 05, 2007

    Diálogos encrespados. Ao telefone.

    Trimmmmmm
    Ele - Olá, estás bem? Tens algum compromisso hoje?
    Ela - Não estou a entender nada...
    Ele - Estás sem filhos?
    Ela - Sim.
    Ele - Estava a pensar irmos jantar, conversar um bocadinho...
    Ela - Vou aos anos da Leonor.
    Ele - Ah, então diverte-te...

    Trimmmmmmm
    Ele - Viva! Então, estás bem?
    Ela - Nem por isso.
    Ele - O que é que se passa!
    Ela - Estou doente, acho que me vão tirar o útero.
    Ele - O quê!
    Ela - Diagnosticaram-me um tumor...
    (pausa)
    Ele - Não te preocupes, vais ver que tudo se resolve.
    Ela - Mas estou bem, sinto-me é um pouco fragilizada. Queres sair, conversar um pouco...
    Ele - É pá, prometi ir aos anos da Leonor, mas amanhã vou ter contigo.
    (Ela em pensamento)
    - Filho da puta.
    (Ele em pensamento)
    - Fosga-se.

    quinta-feira, outubro 04, 2007

    Alfa Pendular. Sábado à noite.


    Espero que não venhas tão cedo.
    Poderia dizer-te terríveis pequenas coisas com este título, mas não me apetece usar palavras que nos esguicham na boca como amargas malaguetas. A menos que o picante ande a fazer falta e queiramos levar o sabor e o tempo para outras melodias.
    Já te vi chegar de muitas maneiras, algumas maravilhosas, outras nem por isso. Esperei-te de todas, desde aceitar-te com alegria e sem condições até ser só alívio e indiferença.
    De repente damo-nos conta e criámos dois universos paralelos que coabitam o mesmo espaço e se tornam cada vez mais taciturnos. Palavras, só as essenciais, só aquelas que servem para matar as outras, como a malagueta para abafar o mau sabor do guisado, ou então as que desviam a conversa para assuntos insignificantes, onde as palavras esvoaçam como borboletas de papel enlouquecidas no fumo dos nossos cigarros.
    Estamos entrincheirados em queixas insignificantes ditas aos berros, outras, maiores e caladas no ruído da ausência. Atolados de culpa, rebeldia e outras trapalhadas, esgueiramo-nos para dentro de nós próprios até que se torna um vício. Manietamos os nossos impulsos como se tivéssemos medo um do outro e fechamo-nos em frágeis esferas de vidro que não podem tocar-se. Tornamo-nos cada vez mais pequenos e por isso mais afastados, apesar do espaço continuar a ser o mesmo.
    É claro que o caminho podia ser enchido com descrições mesquinhas e outras reivindicações cujas palavras de tão gastas são ridículas e por isso só servem para pôr em prática, não para serem ditas.
    Também já te vi sair de muitas maneiras, aprumado e bonito, desfeito e vacilante, decadente, zangado ou a dormir, familiar ou um completo estranho.
    Hoje, sábado, eu estaria descansada e disponível para sair mas tu já estavas em rota de colisão. Sabia que hoje estarias todo rebentado e não irias sair comigo.
    Aperaltaste-te e disseste ‘vou sair’. Eu limpei a cara ao avental. Não estávamos no mesmo plano. Não foi o meu companheiro que saiu aquela porta.
    Estás por tua conta, minha cara, de nada te serve o esforço. Precisas de um pai de família e o que tens é uma família sem pai. Isto não é uma acusação. Sinto-o sem mágoa e com a mesma ternura que sinto pelo rapazola tolo que foste e continuas a ser. Tarefa demasiado gigantesca. Só um grande amor ousaria vencer.
    Espero que não venhas tão cedo, digo-o por medo, porque sei que achas que devo dizer-te alguma coisa, mas essas são as palavras tampão que só servem para evitar todas as outras. Não vou pedir-te desculpa e não tenho nenhuma maneira natural de to dizer. Lamento. Somos belos mas demasiado vencidos.