domingo, setembro 30, 2007

Provocação 7

Um casal vinha por uma estrada do interior sem dizer uma palavra. Uma discussão anterior havia levado a uma zanga e nenhum dos dois queria dar o braço a torcer.
Ao passarem por uma quinta em que havia mulas e porcos, o marido perguntou sarcástico, para desanuviar:
- Parentes teus?
- Sim - respondeu ela - cunhados e sogra.

sexta-feira, setembro 28, 2007

I'm living in a box



Eu até gosto do Santana. Tem charme, é bom pai, ao que parece bom amante, atencioso e sedutor.
Claro que estes predicados não lhe garantem o correcto exercício da governação, pelo menos ao alto nível, como de resto ficou provado pela efemeridade do seu mandato como primeiro-ministro. Paciência, que aquilo não é para todos nem o corporativismo tradicional da moldura política portuguesa é compatível com a sua postura de "bon-vivent", diria até que a classe política em geral (inclusive a do seu próprio partido) olha para ele com um certo desdém, desacreditando aqui e ali a sua capacidade intelectual, isto apesar de lhe apreciarem e energia e a fogosidade no combate político e lhe reconhecerem mérito no aproveitamento e manipulação dos meios e comunicação.
Santana promoveu com facilidade a sua imagem e a sua carreira à custa dos media, especialmente a televisão. O homem gosta de câmaras e sente-se como peixe na água perante as objectivas, desde que não o troquem por outro monstro marinho (mourinho, se quiserem). Podemos condescender e reconhecer que aquilo não se faz, não se convida uma vedeta para a vexar em público, mas não podemos associar-nos ao tom de indignação com que Santana Lopes reagiu, afinal é de muito mau gosto cuspir na mão de quem já nos alimentou.
Como diria o outro, nota dez para Santana.

segunda-feira, setembro 24, 2007

Às delicodoces recheadas


Depois de tanto me queixar que as mulheres de Canas não alinhavam nestas coisas dos berloques, tenho que dar a mão à palmatória, afinal elas andam aí, reservadas mas activas, e, como é seu apanágio, bem recheadas, com muito açúcar mas pouco sal, o que por um lado é bom, pois como se sabe os baixos valores de açúcar no sangue provocam hipoglicemia, responsável pelo incorrecto funcionamento de muitos dos sistemas orgânicos, nomeadamente o cérebro que é muito sensível a estes valores dado a glicose ser a sua principal fonte de energia, mas por outro algo perigoso, atendendo à importância do sal no correcto processamento dos impulsos nervosos do sistema neurológico, é que um baixo nível de sódio pode desencadear alterações ao nível da pressão osmótica das células e, em casos extremos, desequilibrar todo o organismo. Não sei quem anda bem ou mal recheada, mas isso agora também não interessa nada…
A bem da verdade já cá andavam quando tivemos a veleidade de vir para aqui cacarejar, só que, por desconhecimento da sua morada não nos foi possível reconhecê-las. Quando demos por elas ainda tentámos uma aproximação, mas fomos logo postas na ordem, aquilo era um espaço decente, organizado por um grupo de amigas que não abdicavam da sua privacidade internauta(?) e muito menos se permitiam partilhar o milho e o farelo com as malucas do Mulherio. Portanto, distância, que o respeitinho é muito bonito e a antiguidade é um posto.
Assim seja, até porque estas canenses merecem a nossa consideração, e não é só por se despirem do anonimato que habitualmente reveste as personagens deste universo, sim porque estas corajosas berloqueiras assinam com os seus próprios nomes, assumem os seus próprios textos, expõem-se sorridentes para a fotografia e, acima de tudo, não envergonham os pais (tirando um ou outro erro ortográfico), não é como as abjectas figuras do Mulherio que se escondem por detrás de disfarces mais ou menos carnavalescos e andam para aí a apelar ao amor livre - uma vergonha. Mas dizia eu que o apreço não é só por se identificarem, o que lhes garante o estado de graça é a alegria com que vivem a vida, o riso fácil, a juventude, a amizade embrionária, a placenta onde celebram os restos imortais da adolescência – a casa da alegria.
Todos nós já tivemos a nossa casa da alegria e esta definitivamente não é nossa. Cada macaco no seu galho pois foi assim que Deus e a natureza se entenderam quanto à administração dos poleiros, a bem da preservação das espécies, seja o modelo criacionista ou evolucionista, não vá a mistura ofender a lei universal e o cruzamento parir um monstro.
Pronto. Aqui fica o nosso reconhecimento por estas jovens canenses, as delicodoces recheadas.

sexta-feira, setembro 14, 2007

Crónicas da Galinha Riça - O Obelisco


Rafeirava por ali sem destino que não fosse o de marcar território, repondo aqui e ali a micção própria da sua natureza, quando o seu apurado olfacto detectou um aroma virgem, inodoro, que para a sensibilidade olfactiva deste animal também é uma forma de cheiro. Estacou, avaliou a direcção de onde provinha e prontificou-se a encontrar a misteriosa fonte, tomá-la só para si com uma expressiva mijadela como mandam as boas regras da sociedade canina. Fosse assim com os homens e nem a lua teria escapado enxuta à conquista americana, isto apesar das dificuldades gravitacionais implícitas.
Sacudiu-se destas cogitações e lá foi em busca do território anunciado, nariz ligeiro, desbravando curtos horizontes, não que fosse estreito de vista, era sim curto de patas, o que lhe dificultava sobremaneira ver aquilo que o nariz confirmava existir. Ia ligeiramente desconfiado, pois os sinais que lhe chegavam indiciavam algo de inusitado e, como ele bem sabe, novidades públicas nesta terra que lhe calhou em sorte não abundam. O odor intensificou-se e ele, cão prudente, tratou de avaliar a matriz ao local, pois já noutras alturas, impelido pela urgência do instinto mictório tinha negligenciado o da sobrevivência e avançado despreocupado por quintais acabadinhos de plantar, o que lhe custou escaramuças escusadas e fugas pouco honrosas. Baixou a guarda após confirmar que o sítio era público. Que ele saiba ainda não privatizaram as rotundas e esta, embora recente, era-lhe familiar, já por várias vezes ali tinha deixado o seu cunho, como agora confirmava em sondagem mais cuidadosa.
E lá estava, um obelisco quadrangular levantava-se erecto no meio da rotunda, virgem de cão e prontinho a desflorar. Não hesitou, alçou a pata e aliviou-se tantas vezes quantas arestas haviam acessíveis, desenhando elipses à altura das suas limitações, pois como sabemos este cão é rasteiro de pernas. Finda a marcação admirou a obra, não a sua, mas a dos homens: não está nada mal, pensou, quatro paredinhas ao alto, espaçosas, um mictório canino elegante, os humanos andam generosos. Elevou o olhar e leu pausadamente a mensagem a dourado fúnebre inscrita no frontispício: béu béu, béu béu, pardais ao ninho, tudo muito bonito, uma homenagem aos mártires cá da terra, também eles há procura de novos quintais fresquinhos para verter águas, que isto de linguagem de cão só não a percebe quem não quer. Cumprido o ritual preparava-se para farejar outras paragens quando o seu olhar afilado, sim porque este cão o que lhe falta nas patas sobra-lhe em visão, detectou algo muito estranho escrito num dos lados do obelisco: véu véu! Mas que raio! Releu e tresleu, porém, por mais que soletrasse saía-lhe sempre aquele latido invulgar – véu véu, véu véu. Engrossou o tom, rosnou, assanhou-se, mas o melhor que conseguiu da leitura foi um vréééuu pouco dignificante para a sua condição de cão, mesmo que rafeiro. Por fim desistiu, olhou em redor a confirmar que ninguém o tinha ouvido, meteu o rabo entre as pernas, afastou-se e desabafou entre dentes: estes canenses são loucos.

quinta-feira, setembro 13, 2007

Mulherio, Moda Inverno


Conforme já tinha revelado chegou a altura de trocar de roupa. O antigo símbolo nunca nos convenceu, lembrava uma marca de pensos higiénicos, por isso decidimos proceder a modificações radicais na vestimenta. Após negociações mais ou menos atribuladas, aquando da minha nomeação como editora, acordámos que o melhor era apresentarmos cada uma de nós uma solução diferente para o cabeçalho do berloque. Depois haveríamos de chegar a um consenso. Entretanto surgiram as férias e a alteração foi adiada, por isso só agora vos apresentamos o Mulherio na sua nova versão. De entre vinte e uma possibilidades optámos consensualmente por esta. Espero que vos agrade.
Quanto à roupa interior, essa vai continuar a ser a mesma, embora nos esforcemos por vo-la apresentar todos os dias lavadinha, assim haja tempo, sabão e nódoas. Portanto, façam favor de pôr umas dedadas na roupinha cá do Mulherio para que o entusiasmo da higiene diária não esmoreça.

terça-feira, setembro 11, 2007

Diálogos crispados. Na piscina.

ela - Tira os óculos. Não falo de nós contigo escondido.
ele - Não quero que me vejas chorar…
ela - Devias ter pensado nisso antes. Agora encara-me e diz-me se eu tenho o olhar límpido, como antes fazias questão em afirmar.
ele - Não, não está.
ela - Pois não. Escureceste-me o olhar, aquele olhar que segundo dizias iluminava caminhos, ofuscava luas cheias. E eu acreditei que o meu olhar te servia, então, para que te banhasses melhor nos meus olhos, perdia-me ao espelho a levantar as pestanas, a liquefazer o rímel, para que te pudesses ver reflectido em mim, para que a transparência dos meus olhos disfarçassem as mazelas que as noitadas denotavam nos teus. Não te chegaram os meus olhos!
(silêncio)
ele - Acho que nunca a olhei nos olhos.
ela - Nunca a olhaste nos olhos! Nunca a olhaste nos olhos! Quero lá saber se olhaste ou não olhaste…
ele - Eu seu, eu sei, é uma maneira de dizer.
ela - Queres saber como vamos resolver isto?
ele - Hum hum.
ela - Vou pôr-te os cornos para ficarmos quites.
(silêncio)
ele - Tenho alguma alternativa
ela - Eu tive?
ele - Não.
ela - Então…
(pausa)
ele - É justo.

História de Portugal em 7 minutos




A pedido da Riça... vale a pena dar uma espreitadela.

E vocês? Ainda estão para as curvas...


    Aqui o Mulherio está entre os 60º e os 120º...

    quinta-feira, setembro 06, 2007

    Relatório de Bordo - Parte 1


    As longas viagens de avião são uma autêntica tortura. Masoquistas repetentes é o que nós somos, que nos sujeitamos a troco de umas férias fugazes a este martírio, e pagamos bem caro o massacre.
    Nestas viagens encontra-se sempre alguém disponível para nos contar a sua vida, por vezes de forma despudorada e quase sempre inconveniente. Apanham-nos ali, atados ao cinto da turbulência, presos ao confessionário, mais perto de Deus, para o melhor e para o pior, como me disse uma vez uma atemorizada senhora numa viagem ligeiramente atribulada, e relatam-nos em voz íntima os casos mais tórridos da sua existência ou, pior ainda, as circunstâncias da morte do ente querido que vão a enterrar na escala de destino. Nem o livro aberto à nossa frente os detém. Aliás, já percebi que o raio do livro em vez de os desencorajar serve de motivo de conversa. Ou porque já leram, ou porque conhecem o autor, ou, embora não conheçam, gostavam de conhecer, enfim, um plano de voo recheado de recursos e astúcia na aproximação ao terreno. O importante é meter conversa, a partir daí já ninguém os segura e, quando damos conta, já estão a falar dos filhos, das netas, da ex-mulher, do raio que os parta.
    Mas, ainda pior, é quando nos calha a criancinha irrequieta mais o som horrível do game-boy e o puzzle espalhado pelo nosso colo, puzzle que a hospedeira em desespero de causa providenciou mas que o melga eficazmente subverteu atirando as pequenas peças pelo ar. Lá vem o pai da criança reparar o irreparável, desculpar o indesculpável, quando a única atitude meritória era um valente tabefe no focinho, mas não pode ser, agora os monstrinhos têm que ser preservados desses correctivos para crescerem monstros capazes, não vá por ali estar um desses pedagogos legalistas defensores dos direitos à monstruosidade para acusar o desgraçado pai de violência infantil. Em vez do tabefe, o conformado progenitor debruça-se sobre mim, de cu para o ar, braços por entre as minhas pernas, cabeça colada aos meus joelhos, tentando recuperar o puzzle perdido. Raios, quem nos visse de soslaio juraria que ele estava a fazer outra coisa.
    Como se não bastasse, depois de muito espernear, de nos ter entornado a coca-cola por cima e de nos ter enchido de migalhas e açúcar, adormece de tédio no nosso ombro sobre o olhar embevecido do pai ao qual não temos a coragem de negar o repouso do pirralho. Deixe estar, dizemos simpáticos, não incomoda nada, quando lá no fundo, a bem da verdade, só nos apetece é despressurizá-lo.
    (continua)

    Relatório de Bordo - Parte 2


    Acomodado o puto, parece que é agora que vamos ter um pouco de paz. Mas não. O avião atravessa uma zona instável, com abanões e perdas súbitas de altitude. Uma agitação nos assentos de trás faz-nos olhar instintivamente sobre o ombro. Um senhor de meia-idade sentiu-se indisposto, saltou-lhe o jorro da indisposição e agoniza perante o incómodo geral. Gera-se a confusão com as pessoas a quererem levantar-se, as assistentes de bordo a dizer que não, que têm que manter os cintos apertados, pois estamos a sobrevoar uma zona de poços de ar, o cheiro a vomitado a entrar-nos directamente para a garganta, alguém que não resiste ao fedor nauseabundo e cede também ao refluxo, mais um que vai ao gregório. Os terroristas do vómito tomam conta do aparelho, multiplicam-se as ameaças e é ver a equipa de bordo, autêntica cruz-vermelha, acudindo vítimas e terroristas. Mais um abanão seguido de uma queda abrupta e a assistente estatela-se no colo de um casal de idosos, sem grandes consequências a não ser a mãozinha atrevida do velhote que apoiou a hospedeira por onde podia, ainda que, anatomicamente, não fosse o local mais conveniente. Ossos do ofício dir-se-ia, se não fosse o caso da ocorrência não corresponder exactamente ao sugerido na expressão.
    Todos aos seus lugares aconselha o comissário de bordo. Os passageiros serão atendidos quando as condições de voo permitirem. O avião estabiliza. Seria altura para respirar fundo e manter a calma, mas respirar fundo naquele antro nem pensar, por isso ficamos pela serenidade possível, engole-se em seco e, se possível, distraímo-nos com o vaivém dos assistentes. Verdadeiros profissionais do vómito, continuam com aquele sorriso plástico, mesmo perante salpicos e odores insuportáveis. Como conseguirão? A que raio de treino serão sujeitos para lidarem com estes bombistas da vomição sempre de sorriso sedutor nos lábios? Nem quero pensar. Lá vem o carrinho de limpeza, os sais, as águas minerais, mais as oportunas máscaras, apesar de insuficientes para os braços prementes que por elas reclamam. Perspicaz, o comissário de bordo impõe prioridades criteriosas baseadas no seu olhar experiente, primeiro os passageiros cujo tom de pele já vai a caminho do branco, não vá isto descambar e acabarmos todos mergulhados num vómito colectivo. Não é à toa que se chega a comissário.
    Ladys and gentlemens… aquela lenga-lenga do costume, já passámos o período de maior turbulência, podem desapertar os cintos. Uff, respiramos de alívio, pois já temos vindo a reprimir a bexiga há um bom tempo ou, no caso dos enjoados, a privacidade da casa de banho sempre trará alguma dignidade à premência do vómito. Mas qual quê, do mesmo mal vêm padecendo todos os passageiros, de maneira que é um ver se te avias para chegar às extremidades da aeronave, atropelos, roça-roça, apertos que o estreito corredor torna inevitáveis, anca com colo, braguilha com rabo, hálito com hálito, o nariz dela no sovaco dele, o cinto dele que prende na blusa dela, o embaraço da situação, de nada vale puxar, só uma dança cuidada, quase sensual, desprende os involuntários amantes, bem, uma autêntica concupiscência, se não soubéssemos que esta gente, embora corra por apelo do corpo, a urgência é de ordem incontinente e nada aponta para que apertos de outra natureza se hajam cumprido.
    Mastiga-se mais uma vez aquela comida inqualificável (para quem não sabe aquela miserável ração custa cerca de 35€, peçam uma factura detalhada nos balcões da companhia e verifiquem) e, por fim, o comandante cheio de enfado, num inglês quase incompreensível, lá se digna comunicar que aterraremos dentro de vinte minutos, céu limpo, temperatura exterior 30º, espero que tenham feito uma boa viagem, a companhia agradece a preferência.
    Fosga-se. E eu que até nem tenho medo de andar de avião.

    quarta-feira, setembro 05, 2007