A IVG (Interrupção Voluntária da Gravidez) não é assunto pacífico aqui na capoeira, tanto que fiquei de submeter este texto à aprovação das outras galinhas residentes. Aliás, para ser mais correcta, quando disse que ia escrever sobre este assunto, conhecedoras da minha posição sobre o tema, disseram-me logo “nem penses”. Não porque elas não entendam a minha opinião face ao assunto, mas, essencialmente, porque acordámos que este berloque enveredaria por assuntos ligeiros e de fácil degustação. Como se sabe, não é o caso da IVG. Porém, eu ainda sou a presidente e o assunto legítimo. Abri uma excepção.
É inadmissível um estado que se diz assente no princípio da igualdade de direitos permitir, através da actual legislação, que um acto que resultou do envolvimento efectivo entre um homem e uma mulher só a esta peça contas, expondo-a e humilhando-a, como se todo o processo clandestino a que se sujeitou nalgum vão de escada não fosse por si só suficiente para devastar a sua dignidade. Aliás, sendo os homens responsáveis pela maioria das gravidezes não desejadas, como é possível a sociedade esquecer-se deles e penalizar as mulheres?
A prática de aborto até pode ser discutível do ponto de vista filosófico, mas a experiência diz-nos que recurso a essa prática não pode ser criminalizado. Por mais que custe aos "puristas" e às "puristas" da vida, é à mulher, como ser individual, que compete, com a alegria ou a tristeza que isso implica, decidir do seu corpo e da sua vontade. Compete ao estado, isso sim, garantir os meios para que ela possa planear a sua fertilidade, através da implementação de uma política de formação e prevenção sexuais e, em último caso, assegurar que possa usufruir de condições dignas e cuidados médicos assistidos quando estiver perante uma gravidez não desejada. Condená-la é que nunca.
Aproxima-se o referendo que vai convidar os portugueses e as portuguesas a pronunciarem-se sobre a descriminalização do aborto. Como disse a eurodeputada Britta Thomsen, vamos todos fazer um esforço para mudar esta situação digna da Idade Média que existe em Portugal nesta área.