segunda-feira, setembro 25, 2006

A resposta

Ex.ma Leitora:

Foi com igual perplexidade que lemos o e-mail que nos dirigiu. Se, por um lado, nos suscitou sorrisos transversais, ao sabor de referências familiares que certamente a leitora, com ou sem adereços, honra na descendência, por outro, desconcertou-nos com a incapacidade de se reconhecer, como mulher e como canense, no formato do nosso berloque.

Só por mera distracção ou manifesta má vontade a prezada leitora poderá aferir que a simbologia usada no “Mulherio” não corresponde integralmente à imagem que de si dá e tão bem expressa no seu e-mail. A César o que é de César, às galinhas o que é das galinhas.

Dado o carácter virtual das três personagens visadas, consideramos natural a suspeição quanto à sua(delas) preferência sexual. É até normal que, dado o carácter confidencial das criadoras, se possa especular relativamente ao verdadeiro género, quer das criadoras, quer das personagens. Todavia, não podemos deixar de lhe recordar que este é um espaço de ampla liberdade onde o único limite é a capacidade inventiva das autoras e a disponibilidade receptiva dos leitores(as), circunstância a que, por certo, a prezada amiga não se opõe, pese embora as considerações pouco abonatórias quanto à alegada usurpação do espírito da "mulher canense" por parte do Mulherio.

Rejeitamos veementemente a sua sugestão de reconsiderar o formato do berloque, por entendermos que a “mulher canense” está muito bem entregue nas mãos destas personagens, enveredem elas por onde decidirem enveredar (as criadores, as personagens ou as mulheres de canas).

Sendo a voz feminina a nossa bandeira e, mesmo que discordante, sempre merecedora de consideração, deixamos-lhe algumas notas passadas que julgamos ter ignorado, mas que nos parecem elucidativas:
Desde as primeiras e “tímidas bicadas” da Achadiça tornou-se evidente a intenção de criar um contraponto feminino à exclusividade masculina que gradava na berloquesfera Canense. A solução encontrada foi criar um espaço provocador que brincasse com a masculinidade dos residentes e abrisse caminhos para uma participação mais alargada das mulheres, inexplicavelmente ausentes nestas paragens. Optámos por um formato assumidamente sexista e pelo simbolismo alegórico de um “Galinheiro” como representação metafórica das mulheres de Canas de Senhorim, solução que nos pareceu adequada, na medida em que nos oferecia uma quantidade de referências para caricaturar a nossa terra e acicatar as nossas gentes. Embora as personagens sejam genuínas e representem as sensibilidades de cada uma de nós, elas perdem-se em intenções secundárias, por vezes extracurriculares, não descurando contudo uma abordagem cuidadosa nos textos publicados e um trato descomplexado, mas elegante, na convivência com os ilustres comentadores.

Foi neste contexto que O Mulherio se assumiu como veículo reivindicativo de pretensões mais ou menos comuns às mulheres em geral e às canenses em particular. Uma brincadeira de três amigas canenses, às quais a leitora, por certo, concederá o direito de cacarejarem como, onde e quando quiserem, independentemente de terem, ou não, assinalável audiência.


As criadoras
Canas de Senhorim, 16 de Setembro de 2006

PS: Estamos a considerar chocar o seu e-mail no berloque. Caso se oponha, agradecemos que manifeste essa intenção. Aproveitamos para lhe solicitar cumulativamente autorização para a publicação do presente e-mail.


sexta-feira, setembro 22, 2006

E-mail de uma leitora

Chegou-nos por e-mail esta missiva(?), digna de ser chocada. Perdoem-nos as e os outros correspondentes, mas não encontrámos nas vossas provocações ou manifestações de carinho motivos de postagem (pelo menos até agora).
Este e-mail foi objecto de resposta, a qual só será publicada no berloque se a destinatária assim autorizar.


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Ex.mas galinhas:

Eu pouco entendo destas coisas de blogues, e ainda menos de berloques, mas fui ‘arrastada’ inadvertidamente para a vossa chocadeira, circunstância que me deixou e deixa absolutamente perplexa.

Primeiro, porque ‘berloques’ me faz lembrar uma tia minha, solteirona por azar, que compensava a falta de obrigações e trabalhos domésticos, enfeitando-se com os mais extravagantes colares, pulseiras e anéis, e pintando-se de todas as cores, chocando a moral local não só pelo avançado das modas, como pelo despropósito do gesto, uma vez que candidatos era o que não havia por lá. «Berloques», dizia o meu pai, referindo-se a tanto enfeite, «só entende de chocalhos, um caso perdido», rematava ele, para quem tudo isso era apenas um modo de disfarçar o fracasso que a remetera para a solidão da auto-satisfação culposa.

Depois, tratando-se de ‘galinhas’, isto é, de mulheres que supostamente brincam com o que efectivamente são, ou se trata de galinhas muito pouco galinhas, e então a anunciada emancipação já a fizeram as meninas, manifestando-a no ostensivo acto de se auto-intitularem como tal; ou então não são galinhas, mas gostavam muito de o ser e, nesse caso, andam a brincar connosco, nós, as verdadeiras galinhas, as galinhas realmente oprimidas.

É claro que acredito na primeira hipótese e que o vosso blogue, além da ironia e da imaginação, também tenha a inteligência de estar ao serviço do equilíbrio da capoeira, se bem que duvide um pouco, desculpem lá a franqueza, do desempenho dos machos, vossos maridos. Então, onde estão os rostos das realmente queixosas? Mas estão perdoadas, uma galinha que se preze não lava roupa suja no adro da igreja e, em última instância, defende sempre a honra do seu macho.

Por outro lado, confesso que senti uma tal cumplicidade entre estas três galinhas que cheguei a colocar a perversa possibilidade de todo este movimento não esconder uma estranha poesia de Lesbos, o que também seria numa forma de libertação, mas não de emancipação. E mais uma vez me lembro da minha tia, cheia de berloques a dar a volta à frustração com uma machona sua amiga, cuja amizade desmedida era a forma de a minha tia sentir que tinha ficado solteira não por lhe terem faltado pretendentes, mas por no fundo nunca ter gostado deles. E se aquilo era só amizade, não sei. Emancipação não era de certeza, senão tê-lo-íamos sabido logo, malgré o escândalo que seria.

Independentemente do que sejam, quem sejam ou como sejam, não vos reconheço qualquer legitimidade para se auto-titularem representantes da mulheres de Canas de Senhorim. Embora vos reconheça inteligência e espirituosidade, não encontro, no vosso berloque, qualquer abordagem pertinente sobre os verdadeiros problemas das mulheres em geral e das canenses em particular. Como canense e mulher sugiro-vos que reconsiderem o formato e o conteúdo do vosso blogue, pois parece-me que desta forma não alcançarão a adesão solicitada, se porventura a pretendem, como insinuam.

Canas de Senhorim, 15 de Setembro de 2006
Uma leitora

quinta-feira, setembro 21, 2006

A Reunião

09h00: Prelecção diapositiva sobre a eficácia do produto e do serviço.

10h30: A reunião prolonga-se enfadonha. Os rabiscos desse enfado já preenchem três páginas do bloco que a secretária solícita disponibilizou.
Nunca mais é meio-dia.

10h45: O fornecedor debita uma anedota seca, a propósito de um cheque atleta(?). Os fornecedores têm sempre uma anedota para contar.
Fogo, nunca mais é meio-dia.

11h00: O director financeiro perde-se em explicações sobre cabimentos de verba e outros exercícios financeiros; o Chefe questiona o consultor jurídico, que neste caso é uma consultora, sobre o enquadramento legal da aquisição …
Porra, nunca mais é meio-dia.

11h45: «Vamos lá assinar o contrato»; «Meus senhores vai ser servido um Porto, à boa maneira portuguesa para selar o acordo». Olha o gajo “meus senhores!”, então, a senhora gaja é excluída? «Doutora, venha também».

Fonix, nunca mais é meio-dia.


segunda-feira, setembro 18, 2006

Crónicas da Galinha Riça - A Luta

Assomaram ali para as bandas da Boiça. Quem os viu pela primeira vez conta que apareceram do nada, ou por outras palavras, vindos do horizonte da história, envoltos numa imagem difusa por efeito dos vapores solares reflectidos pela terra quente do meio-dia. Silhuetas indistintas ao longe, foram arrumando formas na aproximação ao casario fronteiriço do Casal.
A moça, que bordava o enxoval, apontou o dedal na direcção dos forasteiros, não porque fosse raro ali passarem desconhecidos, pois ela bem sabia que por este caminho lhe chegaria amor prometido, também ele desconhecido por agora, mas certo na reza que fez a São Caetano, «Ó meu rico S. Caetano traz-me homem honrado, pode ser este ano que não dei por ele ano passado». Mas, o que prendeu o olhar da moça e lhe semi-cerrou o sobrolho foi o aspecto invulgar daqueles dois viajantes: À frente, montado num cavalo parco de carnes e lento no andar, um cavaleiro fidalgo sacudia a poeira acumulada da armadura que lhe envolvia os ombros. Desdenhoso nos seus trajes medievais, empunhava verticalmente na mão direita uma lança de dimensões desproporcionais; Na sua mão esquerda um escudo metálico circular, na cabeça um elmo ligeiramente amolgado e à ilharga uma espada embainhada. Na sua peugada, vagaroso, um burrico indolente carregava na albarda um homem anafado e andrajoso. Dos flancos do animal pendiam vários apetrechos de viagem que chocalhavam a cada passo do asno.
O fidalgo estacou o ginete bem em frente da varanda onde a moça, ainda incrédula do que presenciava, acertava o raciocínio buscando explicação para aquele quadro burlesco. O cavaleiro, com gestos cerimoniosos, tirou o elmo da cabeça e dobrando ligeiramente o corpo, fez uma vénia e apresentou-se:
- Chamo-me Dom Quixote de La Mancha. Cavaleiro Andante. Este, que me acompanha é o meu fiel escudeiro Sancho Pança.
A rapariga, embora mais dada a alinhavos de enxoval, não descurava literaturas seiscentistas, pelo que, reconhecendo nos interlocutores as personagens de Cervantes, tomou ironicamente as apresentações.
- Eu sou a Dulce – brincou ela na alusão propositada ao nome da bela Dulcineia.
- Dulce! Formosa donzela, que seja mil vezes amaldiçoado o ignóbil que vos impôs tão sórdido destino. Não desespereis que já me apronto a libertar-vos. Dizei-me quem vos mantém cativa por detrás dessas grades que escondem a vossa beleza e olvidam a vossa virtude.
Esta Dulce de ocasião, julgando-se confrontada com brincadeira de galanteador folião, não desarmou.
- Bem-vindo sejas e que os caminhos que percorreste não tenham sido em vão. Quem me tem presa também agrilhoa este povoado de Canas de Senhorim. Libertando-o, libertar-me-ás igualmente. Para isso terás que derrotar os Senhores do Reino de Asnelas.
O até agora silencioso escudeiro Sancho Pança esboçou um gesto de impaciência. No seu íntimo já antevia novas batalhas e fantasiosas demandas. Cansado e saudoso de temperos e favores familiares tentou chamar o seu amo à razão:
- Senhor, bem sabeis que vos tenho sido fiel nas intenções e digno nos propósitos, que vos tenho protegido e servido nos maus momentos, que dos bons não tenho memória, mas deixai que vos diga que ao intento a que vos propões não vislumbro fama nem glória.
- Como ousais destinar a batalha sem a travar! Rouba-te a barriga a coragem e esquenta-te o sol a moleirinha. Dizei-me Dulce, que caminho devo tomar para sitiar os Senhores de Asnelas.
A rapariga, animada pela gentileza e já insegura quanto à falta de credibilidade que os visitantes lhe tinham inspirado, decidiu sugerir-lhes o centro da Vila e que por lá se esclarecessem.
- Não fica a mais de uma légua para norte senhor. Porém mais vale que tomeis o centro da Vila para aí dar conta da façanha e angariardes reforços – recomendou seriamente, num esforço para dominar o nervoso miudinho que lhe revelava incertezas contidas.
- Assim farei. Aguardai-nos no vosso recato e não temeis por vós, que me hei-de apressar a resgatar-vos.
Quis a autora desta crónica que neste dia, as ruas de Canas de Senhorim estivessem animadas pela Feira Medieval. D. Quixote e o seu companheiro, julgados precipitadamente como figurantes, foram recebidos com palmas e manifestações de regozijo. Mas a figuração não se quedava pelo aspecto. Sancho Pança, a mando do amo, calcorreou as ruas do recinto anunciando ao que vinham e informando que para mais esclarecimentos se dirigissem ao Pelourinho, onde D. Quixote, cavaleiro de La Mancha, aguardava aqueles que, por amor à liberdade e à justiça, estariam dispostos a combater sob as suas ordens os Senhores de Asnelas. Logo se juntou uma multidão na crença de que este ano o Grupo de Teatro Pais Miranda se tinha esmerado nas artes do teatro de rua.
De cima do cavalo Rocinante, D. Quixote anunciava de armas em punho o fim da escravidão e do servilismo, assim se juntassem a ele na incursão que pretendia levar a cabo a terras de Asnelas.
- Não temeis, pois a razão está convosco e é meu ensejo restituir-vos a dignidade e os domínios dos vossos antepassados, infamemente usurpados pelos Senhores de Asnelas. Despeçam-se das vossas famílias e sigam-me.
Dito isto, tocou o cavalo Rua do Paço acima, seguido pelo aio Sancho Pança.
Entreolhou-se a multidão. A princípio, alguns figurantes, protagonizaram a iniciativa e juntaram-se timidamente ao cavaleiro, depois, como que por simpatia colectiva, a coluna dos sitiantes engrossou efusivamente. Malabaristas, saltimbancos, dançarinas, jograis, tasqueiros, mendigos, indigentes, acorrentados, leprosos, carrascos e condenados, bruxas e curandeiros, domadores de feras, caretos e andarilhos, vendedores e vendedeiras, visitantes e visitados, todos em alegre algazarra, coloriram o compacto cortejo que se esvaneceu mais acima, na curva do Frazão, rematado à retaguarda por catraios curiosos e gentios pouco esclarecidos.
Desta trupe entusiasta e das suas aventuras por terras de Asnelas e da capital do Reino, já deu conta Cervantes. Vitórias, derrotas, traições, deserções, alegrias e tristezas foram perpetuando o nosso líder D. Quixote que pelejou estoicamente, nunca abdicando dos ideais cavalheirescos do amor, da paz e da justiça.
O ideário picaresco de libertação que D. Quixote protagonizou por terras de Canas de Senhorim, fidelizou a vontade colectiva no propósito independentista que ainda hoje habita o coração dos canenses. Foram lançadas à terra as sementes do idealismo, promissoras da transformação do real. O alcance da colheita competirá às gerações futuras assegurar. Foi com esta convicção que D. Quixote, um dia, após muita insistência do seu escudeiro Sancho Pança, que na sua versão realista dos acontecimentos já tinha previsto quão utópicos eram os ideais do seu amo e do exército mafarrico que o acompanhava, apontou o cavalo Rocinante à Rua do Casal. Foi a última vez que os viram. Diz, quem viu, que na garupa do cavalo de D. Quixote ia uma moça vestida de noiva.

Bons repenicos

domingo, setembro 17, 2006

Historieta

As boas raparigas vão para o céu, as outras para onde quiserem


Acordei tarde, enxovalhada. A cabeça latejava na urgência do benuron. Malditas ressacas, pensei, enquanto tentava reconstituir as “brancas” da noite anterior. O quarto tresandava a exsudações etílicas e aromas corporais desaconselháveis. Pressenti que algo estava errado e num repente virei-me na cama. Merda, merda, merda! Um volume sob o lençol deixava entrever uns ombros peludos e musculados e um braço, igualmente cabeludo, espreguiçava intenções sobre a minha anca. Ressonava ao ritmo da minha angústia anunciada.
Senti-me. Pelo menos não estava nua, bom sinal. Mas o despertar lento próprio destes acordares trouxe-me à memória odores conhecidos, gestos e refregas antigas, reconciliações do corpo, desejos e rejeições familiares. Eu bem conhecia aquela cabeleira que amachucava a minha almofada. Sim minha, porque o egoísta apropriou-se dela e eu dormi toda torcida, como retorcida me sinto agora contemplando o infeliz despojo. Nem mais nem menos, o meu ex-marido devolvido à procedência pela própria remetente. Resfolgando consolado na minha cama. Merda, merda, grande merda!
Como se não tivesse bastado o calvário das traições, das discussões, do amor esvaziado; Como se não tivesse já passado pelo purgatório do processo litigioso de separação, com a nossa vida a ser dissecada por meirinhos escrupulosos e testemunhas de coisa nenhuma, pela difícil e patética negociação do carro, da casa e do recheio. Como se tudo isso não fosse já por si um tormento, revejo-me agora, passados quatro anos, repetindo intimidades de leito, num gesto irreversível de insanidade física e mental.
E agora? Como vou enfrentar este satanás rabudo que instalou o inferno na minha vida e num deslumbre de insensatez, lhe permiti o corpo depositando-o madrugada dentro, por inteiro, dentro de mim. Eu, que já o tinha erradicado a ferros da pele, da cabeça, das mãos, da boca, dos olhos, das entranhas. Que inferno este que me seduz, atrai, queima e condena. Um verdadeiro inferno.

B~~

sexta-feira, setembro 15, 2006

Balanço

Ainda não reunimos todos os dados para avaliarmos correctamente os indícios positivos que nos têm chegado a propósito da crescente satisfação do mulherio canense. Aparentemente, este Verão apresenta resultados acima das previsões mais optimistas. Os números apontam para um acréscimo de meio ponto em média relativamente ao mesmo período do ano transacto, isto é, se no ano passado, em igual período, o desempenho dos machos se cifrava em duas quecas por semana, este ano aumentou para duas e meia.
Naturalmente que um acréscimo de meia queca pode ser contraproducente, isto porque, como foi comentado pelas fieis depositárias destes números, antes nenhuma que meia, penduradas já ficamos nós, amiúde, nas supostamente completas; meias só para as pernas, que isto de quecas não permite casas decimais. Queremos a unidade por inteirinho e cumprida até ao fim, ao nosso fim, pois, como bem sabemos, muitas vezes a unidade deles fica muito aquém da nossa e dessas pressas não dá conta a estatística.
Admitimos que neste particular, quantidade não é sinónimo de qualidade. Que porventura estas estatísticas não traduzem a verdadeira prestação masculina pois, para usar uma linguagem que lhes é acessível, nem sempre a equipa que apresenta melhor futebol no terreno marca golos e, frequentemente, muitos golos são marcados sem actuação assinalável? No entanto, objectivamente, a prática do exercício reclamado aumentou, o que não deixa de ser interessante. Fosse por inerência da estação, propícia à fogosidade e ao lazer, fosse pelo período de defeso que a luta pelo concelho atravessa, fosse por iniciativa de forasteiros prestáveis, fosse resultado de deambulações amorosas à beira-mar ou por queixas e protestos vindas a público na voz do MRMCS, apraz-nos registar a diligência dos homens e a crescente satisfação das mulheres canenses. Boas bicadas.

A presidente do MRMCS(Movimento Reivindicativo do Mulherio de Canas de Senhorim)

Achadiça

quinta-feira, setembro 07, 2006

De volta

Tenho saudades daquelas bolas de sardinha que a minha mãe, em dia de forno comunitário, trazia ainda quentes para casa. A côdea estaladiça e generosa, cedia a cada dentada o acesso à massa de milho que, impregnada pela gordura das sardinhas, me estimulava a avidez do paladar.
Depois, com cuidado redobrado, não fossem as sardinhas escaparem-se da massa, aplicava-me em malabarismos de língua para evitar que molho e sardinhas se alojassem no vestido, descuidos que merendas anteriores já me tinham custado raspanetes dispensáveis. Mas o processo não era fácil. A bola fervia no seu interior e a sofreguidão com que me entregava àquele pecado queimava-me invariavelmente lábios, língua, céu-da-boca e outros interstícios vulneráveis.
Lembro-me que o meu pai, rendido pelos encantos da sua “piquena” nestas volúpias da gula, me recomendava carinhosamente outras maneiras. Mas eu bem o via a reprimir gargalhadas, deliciado com as minhas travessuras e os meus palavrões permitidos. Algo como chiça, pôcha que tá quente!
Com o passar do tempo os fornos a lenha deram lugar a boutiques de pão e a outros dissabores. A bola de sardinha já só me chega envolta em memórias de infância, vagamente misturada com o aroma a água-de-colónia do meu pai. O meu pai que não viu a sua “piquena” crescer. O meu pai que deixou indelével a minha vontade de amar todos os homens como dele se tratassem. O meu pai continuamente colado à sua menina, cúmplice das suas fantasias e gulodices, envolto no sabor de uma bola de sardinhas.
B~~